Valor Econômico, Especial COP27, p. F5
30 de Nov de 2022
Meta de desmatamento zero depende de apoio externo
Sem recursos extras, será impossível conter o tamanho do desastre que assola os biomas brasileiros
Por Jaime Gesisky - Para o Valor, de Alto Paraíso (GO)
30/11/2022
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai precisar de muita ajuda externa para cumprir a promessa que fez durante a conferência do Clima da ONU no Egito, a COP27, de zerar o desmatamento em todos os biomas brasileiros até 2030. O orçamento federal para ações ambientais, que já era insuficiente, sofreu novos cortes no orçamento de 2023 enviado ao Congresso Nacional. Pela versão atual, para o ano que vem, o Ministério do Meio Ambiente, Ibama e ICMBio devem ficar com cerca de R$ 5,3 bilhões. A maior parte desses recursos, porém, vai para folha de pagamento dos servidores.
Sem recursos extras, será impossível conter o tamanho do desastre que assola os biomas que Lula espera proteger. Sem contar que serão necessários aportes adicionais para manter a floresta em pé (áreas protegidas) e reflorestar, além de induzir o desenvolvimento sustentável. E há uma emergência nesse propósito. O mundo perde dez campos de futebol por minuto somente em florestas primárias - áreas críticas para o armazenamento de carbono e a biodiversidade. Segundo dados da Universidade de Maryland, divulgados no Global Forest Watch, o Brasil encabeça a lista dos países tropicais que mais perdem florestas primárias.
Mesmo usando metodologia distinta, esses dados são consistentes com os do Prodes, o sistema de monitoramento oficial do Brasil, que mostrou que em 2021 foi registrada a maior taxa de desmatamento na Amazônia desde 2006. E o desmatamento seguiu forte em 2022, embora a divulgação dos dados oficiais tenham sido postergada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) para depois da COP27.
Olhando para o ano civil, os alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam 9.888 km2 até 11 de novembro, o que supera os 8.219 km2 de todo 2021. No Cerrado, no primeiro semestre de 2022 a área desmatada foi equivalente a 4.728 km2, quase o tamanho do Distrito Federal, segundo o Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) do Cerrado, do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia (Ipam), alta de 15% em relação a igual período do ano passado.
Além da acelerada perda de vegetação nativa, sobretudo na floresta amazônica e no Cerrado, o novo governo herdará um passivo com as piores taxas de emissões de gases de efeito-estufa dos últimos 19 anos, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG). Em 2021, o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente.
O desmatamento foi o principal responsável pelo pico nas emissões. Com o crescimento da área desmatada na Amazônia e demais biomas pelo terceiro ano seguido, as emissões por mudança de uso da terra e florestas tiveram alta de 18,5% entre 2020 e 2021. A destruição nos biomas brasileiros, diz o SEEG, foi responsável pelo lançamento de 1,19 bilhão de toneladas brutas de gases estufa na atmosfera. "Metade das emissões do Brasil, hoje, são resultado do desmatamento e mais de 90% do desmatamento, especialmente na Amazônia, é ilegal", pontuou o climatologista Carlos Nobre na COP27.
Em sua passagem pela Conferência do Clima no Egito, Lula apelou aos países desenvolvidos para que coloquem na mesa os US$ 100 bilhões anuais prometidos na COP15 em 2009, em Copenhagen, para os menos desenvolvidos enfrentarem o caos climático.
Lula sugeriu ainda que a ONU crie um mecanismo que torne efetivas as promessas feitas nas conferências internacionais. Na COP26, no ano passado, a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, cujo objetivo é acabar com o desmatamento até 2030, teve adesão de 110 países, incluindo o Brasil. A declaração, todavia, não prevê penalidades para quem descumprir o acordo.
Na retomada do papel do Brasil na agenda climática global, a promessa mais concreta até agora veio da Noruega, principal doador do Fundo Amazônia, que anunciou na COP o desbloqueio de US$ 2,9 bilhões congelados no fundo desde o início do governo Bolsonaro. "Esse dinheiro será fundamental para alavancar as ações emergenciais, mas o fundo tem de estar atrelado a políticas consistentes para que possa ser efetivado", lembra Adriana Ramos, assessora de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA).
Outras iniciativas de financiamento para conter desmatamento e emissões começam a ganhar corpo. Mas há um caminho longo até que os recursos se tornem funcionais. É o caso de uma iniciativa público-privada batizada de Coalizão LEAF, sigla de Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance. A LEAF mobiliza recursos financeiros para proteger as florestas. Além de países como Estados Unidos, República da Coreia e Reino Unido, fazem parte do grupo 25 corporações globais, incluindo Amazon, Bayer, PwC, Unilever, Blackrock, McKinsey and Company, GSK e Volkswagen Group.
No início da COP27, a coalizão anunciou que o total dos compromissos financeiros para comprar de créditos de redução de emissões já chega a US$ 1,5 bilhão. O dinheiro pagará pelos resultados de países ou governos locais que reduzirem o desmatamento, uma lógica parecida com a do Fundo Amazônia. O Equador já se candidatou para acessar os recursos. Pode ser um caminho para o Brasil.
Valor Econômico, 30/11/2022, Especial COP27, p. F5.
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