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Mesmo com R$ 144 milhões em caixa, áreas de proteção de SP estão abandonadas

OESP, Metrópole, p. A16-A17
25 de Ago de 2013

Mesmo com R$ 144 milhões em caixa, áreas de proteção de SP estão abandonadas
Segundo ambientalistas, faltam condições mínimas de infraestrutura para o funcionamento das unidades de conservação do Estado; problema contrasta com recursos da Secretaria do Meio Ambiente disponíveis para esses locais, que estão parados

Herton Escobar, Giovana Girardi e Bruno Deiro - O Estado de S. Paulo

Quem chega ao Parque Estadual da Ilha do Cardoso, no extremo sul do litoral paulista, esperando se encantar com a natureza pode se chocar com o grau de degradação que vem atingindo o local nos últimos anos. No núcleo Perequê, principal ponto turístico do parque, a aparência é de uma cidade fantasma.
Alojamentos com o telhado caído, placas solares enferrujadas, passarelas parcialmente interditadas por risco de desmoronamento e um museu vazio são o que resta de uma obra de R$ 8 milhões que nunca foi sequer aceita pelo poder público, tamanha a quantidade de problemas. Há pilhas de entulho jogadas ao lado de uma trilha turística, e as duas embarcações do parque que poderiam fazer a remoção do lixo estão quebradas - uma delas, afundada pela metade em Cananeia, onde fica a sede da unidade.
Os problemas, observados pelo Estado, são talvez o mais grave exemplo de uma situação de penúria denunciada amplamente por pesquisadores e ambientalistas, de dentro e de fora do governo estadual, que acomete um grande número das unidades de conservação (UCs) paulistas, que carecem de condições mínimas de infraestrutura e recursos humanos para funcionar adequadamente.
Isso, apesar de a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) do Estado de São Paulo ter pelo menos R$ 144 milhões disponíveis em caixa para investimento nas UCs, oriundos do pagamento de compensações ambientais por empreendimentos, segundo dados obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação. Somado a isso, o orçamento atual da Secretaria do Meio Ambiente (SMA), de R$ 882 milhões, é o segundo maior dos últimos cinco anos, depois de ter sofrido uma queda significativa em 2011.
Pouco dessa saúde financeira recuperada, porém, tem sido repassada para os parques e reservas ecológicas do Estado, que agonizam com uma série de problemas crônicos e agudos.
O parque da Ilha do Cardoso, inserido numa das regiões mais bem preservadas de Mata Atlântica do País, na divisa de São Paulo como o Paraná, costumava ser um dos parques mais visitados do Estado. Escolas precisavam agendar visitas com semanas de antecedência para conseguir uma vaga. Agora, são poucos os estudantes - e até mesmo pesquisadores - que se aventuram por lá.
A antiga pousada, onde os alunos ficavam hospedados, teve parte de uma das marquises destruída por um vendaval em outubro. Uma vistoria técnica depois constatou que a laje apresentava sinais de corrosão. Outras oito casas que serviriam para hospedar visitantes também estão fechadas.
"Não é um hotel cinco estrelas, mas dá para receber bem as pessoas, sim. Estive lá no início do ano", disse o secretário Bruno Covas, em entrevista ao Estado na semana passada. Informado pela reportagem de que as estruturas estavam abandonadas e com problemas estruturais, porém, demonstrou surpresa e cobrou explicações do diretor da Fundação Florestal, Olavo Reino Francisco, sentado ao seu lado.
Francisco disse que "a fundação ainda não recebeu a obra" e que a empresa responsável, a Lacon Engenharia, contratada em 2009, já foi autuada por irregularidades. "Tem uma série de problemas ali", disse.
"A empresa contratada já foi notificada, realizou vistoria, concordou com as obras necessárias e deu prazo para a secretaria de até 60 dias para sanar todas as questões técnicas levantadas", informou a secretaria, por escrito, após a entrevista. "Cabe assinalar que a secretaria não efetuou o pagamento do caução, e que apenas o fará mediante a entrega final da obra. Após a conclusão, o parque será imediatamente aberto para a população."
Apesar desses problemas na Ilha do Cardoso, a mesma empresa foi contratada pela SMA em 2012, via edital, para construir uma pousada no Parque Estadual Intervales, por R$ 3,5 milhões. E, novamente, houve problemas. Segundo o diretor da FF, o projeto está "num limbo". "Os mesmos problemas que ocorreram lá (na Ilha do Cardoso) ocorreram cá (em Intervales)", disse Francisco. "Também a secretaria não recebe nem paga. Você contrata a empresa, entende que ela é séria, dá o projeto, e ela não executa, mas no fim quer entregar e cobrar. É uma pena."
Mais tarde, por escrito, a secretaria informou que "a Fundação Florestal está fazendo a última vistoria para o recebimento da obra que deverá ser entregue para a população nos próximos dois meses, quando também o parque será aberto".
CABOS DE AÇO. Na Ilha do Cardoso, próximo aos alojamentos, um mirante de madeira com vista privilegiada do Rio Perequê, que deveria ser uma das principais atrações após a reforma, precisou ser interditado por falta de segurança, assim como parte da passarela suspensa sobre o manguezal. Ambas as estruturas tiveram de receber o reforço de cabos de aço, improvisado por funcionários, para evitar que um novo vendaval causasse mais estragos.
A infraestrutura é tão precária que até pesquisadores, acostumados a trabalhar no mato, estão evitando o parque. As casas nas quais eles ficavam hospedados foram "reformadas" para atender turistas, e a única opção oferecida pelo Estado agora é uma casa antiga de dois quartos, com problemas de eletricidade, que tem de ser disputada por pesquisadores da USP, Unicamp, Unesp e outras universidades. A solução, para muitos, é pagar para dormir em casas de pescadores.
"Pensamos até em buscar outros locais de pesquisa, mas a ilha é muito importante para a gente que estuda bromélias, pois há uma grande quantidade de espécies por lá. Tentamos reclamar formalmente, mas disseram que não tem o que fazer", diz o pesquisador Gustavo Romero, do Instituto de Biologia da Unicamp.
A falta de fiscalização também causa insegurança. "Quando comecei a pesquisar no parque, dez anos atrás, podia ir pela encosta sozinha. Nos últimos tempos, é cada vez maior a presença de palmiteiros", diz a pesquisadora Claudia Bottcher, também da Unicamp. "Costumava ir mensalmente, mas com estas dificuldades agora estou indo apenas uma ou duas vezes por semestre."
"A ilha parece abandonada. Ninguém quer mais ir para lá", diz a bióloga Luana Hortenci, da Unesp Rio Claro, que teve um equipamento fotográfico de pesquisa furtado no interior do parque em 2011. O mesmo ocorreu com uma colega dela, este ano. "Os vestígios da ação de caçadores e palmiteiros estão por toda parte", diz.
Cenários semelhantes de abandono estão presentes em outras unidades de conservação, segundo fontes ouvidas pelo Estado - a maioria das quais só aceitou falar em condição de anonimato, por medo de represálias.
Dados oficiais levantados pela reportagem mostram que os investimentos da Secretaria do Meio Ambiente e da Fundação Florestal caíram nos últimos anos, apesar da recuperação do orçamento (veja gráfico). Segundo Bruno Covas, os investimentos diminuíram por causa do término de convênios com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Entre eles, o Projeto de Desenvolvimento do Ecoturismo na Região da Mata Atlântica, de US$ 9 milhões, que pagou pelas obras na Ilha do Cardoso e Intervales.
Apesar dos problemas apontados, o número total de visitantes recebidos no seis parques beneficiados pelo projeto (Carlos Botelho, Ilha do Cardoso, Intervales, Caverna do Diabo e Turístico do Alto Ribeira e Ilhabela) aumentou nos últimos seis anos, passando de 142 mil em 2007 para quase 199 mil, em 2012, segundo dados da Fundação Florestal.
O outro grande convênio da SMA com o BID, do projeto de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar e Sistema de Mosaicos da Mata Atlântica, de US$ 162,4 milhões, termina em 2015.

Menos da metade do recurso da compensação ambiental foi usada até agora
Há verbas depositadas, mas sem utilização, desde 2005; valor disponível pode crescer com análise de contas

Giovana Girardi e Herton Escobar - O Estado de S. Paulo

O cenário de abandono das unidades de conservação do Estado de São Paulo contrasta com um saldo de pelo menos R$ 144 milhões de recursos de compensação ambiental - voltados justamente para ser investidos em unidades de conservação - que estão parados.
Uma planilha de acompanhamento desses recursos a que a reportagem teve acesso mostra que há verbas depositadas, mas sem movimentação, desde 2005. O dinheiro é resultante da compensação que os mais diversos empreendimentos, como usina, indústria, abertura de rodovia, mineração, etc, têm de pagar pelos danos ao ambiente causados pela sua construção.
Pela lei que estabeleceu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), em 2000, essa quantia (definida depois em até 0,5% do valor do investimento) tem de ser aplicada nas unidades de conservação diretamente afetadas ou, quando não é o caso, em outras unidades.
Desde 2002, o Estado de São Paulo somou R$ 268 milhões em recursos de compensação depositados. Há ainda uma expectativa de entrada de outros R$ 153 milhões de empreendimentos que já pediram a licença-prévia, mas ainda não a licença de instalação - só então eles depositarão o valor.
O dinheiro foi destinado para a realização, por exemplo, de plano de manejo e de regularização fundiária das unidades. Mas menos da metade foi executada ou está em execução. Quando houve uso, há casos em que o plano de trabalho foi concluído, mas houve sobra de dinheiro. Em outras situações, não havia informação sobre o status do dinheiro. Os dois casos podem elevar a quantia parada - esse cálculo, porém, não foi finalizado pelo governo.
Até 2011, o recurso era depositado em contas no nome do próprio empreendedor. Após a assinatura de um termo de compromisso de compensação ambiental (TCCA), a Câmara de Compensação Ambiental, ligada à Secretaria do Meio Ambiente (SMA), indicava onde e como ele deveria ser usado. Cabia ao empreendedor o contrato e o pagamento do serviço.
Segundo fontes da Fundação Florestal ouvidas pelo Estado, que pediram anonimato, até o final do ano passado nunca havia sido feito um levantamento de quanto havia nessas contas ou quanto havia sido usado.
Uma análise dos recursos de empresas privadas que estavam parados mostrou que, em alguns casos, apesar do depósito, não havia sido estabelecido um plano de trabalho para o dinheiro. Na maioria deles, o plano já estava definido, mas nem assim foi executado. Nada, aparentemente, impedia seu uso.
No caso das empresas públicas, o recurso só pode ser aplicado mediante licitação. Ainda assim, há situações em que já se passaram mais de seis anos desde a assinatura do TCCA.
A planilha mostra que para várias unidades foi destinada verba para a realização do plano de manejo, mas ela nunca saiu do banco. Houve vários depósitos também para a etapa posterior, e até mais importante, desse processo: a implantação do plano. É a situação do Parque Estadual Carlos Botelho, que tinha R$ 450 mil para esse fim; e do Parque Estadual da Serra do Mar, para o qual foram destinados mais de R$ 11 milhões (valor que previa também ações de regularização fundiária). Nos dois casos, o dinheiro segue sem movimentação.

Para Bruno Covas, novo fundo vai agilizar uso de dinheiro da compensação
Secretário do Meio Ambiente de São Paulo diz que abandono das unidades de conservação pode ser resolvido com concessão

Giovana Girardi e Herton Escobar - O Estado de S. Paulo

O secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Bruno Covas, e o presidente da Fundação Florestal, Olavo Reino Francisco, em entrevista ao Estado, reconheceram que há muito dinheiro da compensação parado e que as unidades de conservação de São Paulo sob sua gestão estão em situação precária.
Sobre o abandono, responsabilizaram a "sociedade do entorno" pelas dificuldades. Como solução, apresentaram a proposta de concessão de parques à iniciativa privada para a exploração de ecoturismo.
"Enquanto a gente não ganhar a sociedade do entorno como nossa parceira nessa preservação, enquanto eles enxergarem a unidade de conservação como um impeditivo do crescimento local, a gente sempre vai ter esse conflito. Quem mora no entorno ainda pensa: por que aqui não tem plantação de cana, ou uma indústria ou algo que gere emprego e renda pra população?", disse Covas.
Segundo o secretário, só gerando emprego e renda a partir da unidade de conservação é que será possível inverter esse quadro, e a ideia dele é fazer isso com a concessão dos parques. Projeto piloto que tramita na Assembleia Legislativa concede o uso remunerado, entre outras áreas, dos parques da Cantareira, do Jaraguá e de Campos do Jordão.
"A secretaria do Meio Ambiente, através dos seus técnicos, não é formada para fazer esse tipo de exploração de ecoturismo. Isso requer uma outra formação. A gente esperar avançar nesse tema para fugir desse 'enxugar gelo'."
Dando certo com as três primeiras áreas, o objetivo, diz, é ampliar para outras unidades de conservação que cumpram pelo menos três critérios: tenham regularização fundiária, plano de manejo e conselho consultivo.
Covas admite que os dois primeiros pontos são hoje um empecilho para o plano. Ele afirma que das 117 unidades de conservação sob administração do Estado, somente 31 já têm plano de manejo. E que pelo menos 800 mil hectares dependem de regularização fundiária.
Fundo. Covas afirmou que a saída para dar destino para os recursos da compensação ambiental parados foi criar, no final de 2011, o Fundo Especial de Despesas para a Preservação da Biodiversidade e dos Recursos Naturais. Novos recursos da compensação começaram a ser depositados nele e iniciou-se um estudo da quantia parada nas contas dos empreendedores para transferi-la para o fundo.
"Antes o recurso ficava fora dos órgãos de controle, não entrava no orçamento do governo, e não ficava aos olhos do Tribunal de Contas, do Ministério Público, da Assembleia Legislativa. O fundo torna público esse valor e põe os olhos da sociedade nele."
Além de trazer transparência, Covas explica que o objetivo é também evitar que o dinheiro fique parado. Segundo ele, nas contas, a verba acabava entrando em "conta-gotas" e não dava para fazer nenhuma atividade de modo completo. "O que se faz com R$ 3 milhões na Jureia que tem 100 mil hectares?", questionou quando perguntado sobre esse valor específico que não foi usado para a regularização fundiária. Segundo ele, não é suficiente para resolver o problema inteiro e não dá para fazer pela metade.
Dois gestores consultados pelo Estado reconheceram que de fato o problema da regularização é esforço para talvez algumas centenas de milhões e disseram que mesmo se todo esse dinheiro parado da compensação fosse usado para esse fim, talvez não desse para resolvê-lo.
"Mas é muito dinheiro que poderia resolver várias outras coisas", disse um deles. "Não conseguimos resolver a questão de quem mora nas unidades, mas por outro lado não temos pernas para a fiscalização e vamos sofrendo a pressão constante de novas ocupações", complementa o outro gestor.
E há casos, opina ele, em que talvez nem seja mais viável tirar as pessoas das unidades. "São locais ocupados há tanto tempo que não dá mais para recuperar a floresta. Seria melhor desafetar (mudar os limites da UC para deixar esse local de fora) e investir onde é possível proteger e salvar."
Crescer o bolo. Covas deu a mesma justificativa para a elaboração dos planos de manejo. Das 117 unidades de conservação sob administração da secretaria, somente 31 têm plano de manejo; 59, de acordo com Covas, têm recurso que viabiliza sua realização e 27 nem dinheiro têm. "A ideia do fundo é juntar o recurso para atender as principais finalidades dele." Covas não definiu porém, quanto o bolo tem de crescer antes de começar a ser dividido. Até meados de julho, ele já somava R$ 57 milhões, mas ainda não tinha sido usado.

Parques ficam vulneráveis com perda de vigilantes
Falta de guardas para patrulhar trilhas e combater palmiteiros e
caçadores é um dos principais problemas, segundo funcionários

Herton Escobar e Giovana Girardi - O Estado de S. Paulo

A falta de vigilância é um dos fatores que mais ameaça as unidades de conservação do Estado de São Paulo. A Fundação Florestal tem 93 guarda-parques para cuidar de 45 mil quilômetros quadrados de áreas protegidas - média de 0,002 guarda-parque por km², ou 1 guarda para cada 484 km², incluindo áreas terrestres e marinhas. Para reforçar esse expediente, desde 2005, a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) passou a contratar vigilantes terceirizados, que se tornaram os principais responsáveis por patrulhar as trilhas e combater a ação de palmiteiros, caçadores e outros criminosos no interior das unidades.
Nos últimos dois anos, porém, o número de vigilantes foi significativamente reduzido. No núcleo São Sebastião do Parque Estadual da Serra do Mar, por exemplo, o número de vigilantes caiu de 12 para 3 neste ano. A unidade chegou a ficar sem ninguém entre outubro e dezembro de 2012, segundo informações de ex-funcionários.
A falta de vigilância fica evidente também no núcleo vizinho, Caraguatatuba, que é atravessado por 70 km de estradas de terra, sem qualquer tipo de monitoramento. Uma delas, a do Rio Pardo, liga Caraguatatuba a Salesópolis e dá acesso a uma estação de bombeamento e várias linhas de transmissão de óleo da Petrobrás. Conectada a ela está a Estrada do Limeira, que liga Caraguatatuba a São Sebastião pelo topo da Serra do Mar. Apesar disso, não há nenhuma guarita ou posto de fiscalização ao longo do trajeto; qualquer pessoa pode entrar e sair facilmente sem ser incomodada - como fez a reportagem do Estado no início deste mês (mais informações abaixo).
Não deveria ser assim. Em janeiro de 2011, a SMA assinou um convênio de R$ 25,8 milhões com a Petrobrás, com o objetivo específico de criar infraestrutura de segurança, pesquisa e turismo para as duas estradas. Foi o primeiro ato oficial de Bruno Covas como secretário. O acordo era de que a Petrobrás entraria com o dinheiro e a Fundação Florestal (FF), com a execução.
Segundo nota divulgada pela secretaria na época, o projeto previa a "implantação e operação da estrada-parque Rio Pardo e Limeira com a instalação de duas bases de proteção, dois portais com guarita lateral, uma base de apoio ao uso público e pesquisa, um alojamento, um refeitório, sinalização e pequenas obras de apoio ao uso público". Passados dois anos e meio, praticamente nada foi feito.
"Esse projeto foi aplicado, mas depois pedi para interromper, porque ele tomava conta apenas dos dutos (da Petrobrás) e não do parque como um todo", justificou o diretor da Fundação Florestal (FF), Olavo Reino Francisco. "O projeto foi totalmente alterado, inclusive com uma nova disposição referente ao novo sistema de monitoramento e vigilância." O novo plano, segundo ele, deverá ficar pronto em 20 dias. "A Petrobrás vai tomar conhecimento e vamos mudar", disse.
As mudanças, segundo Francisco, encaixam-se num novo modelo de monitoramento e fiscalização adotado pela secretaria, baseado em imagens de satélite e integração com a Polícia Militar Ambiental. "É outra estrutura, outra visão", afirmou Francisco. "O gestor talvez sinta falta (dos vigilantes), mas isso não significa que haverá aumento da criminalidade dentro ou fora dos parques. Pelo contrário, houve uma redução muito grande."
A secretaria não informou o número de vigilantes, solicitado pela reportagem - informou apenas o número de postos de vigilância (infraestrutura física), que foi reduzido de 250, em 2011, para 199, neste ano. "Os gestores entendem que diminuiu, nós não", disse Francisco. Segundo ele, a empresa que era responsável pela vigilância, chamada Capital, pediu concordata em 2012. Novos contratos foram então firmados com as empresas Alphagama e Atlântico Sul, no valor total de R$ 14,1 milhões.
"Apesar da redução dos postos, houve melhora substancial na qualidade dos serviços prestados, pois os contratos atuais contemplam equipamentos, veículos, brigadistas e mão de obra mais capacitada", afirma a secretaria.
Vigilantes entrevistados pela reportagem, porém, disseram que não recebem nenhum treinamento específico nem equipamentos adequados para trabalhar na mata. "Essas fardas a gente comprou com o próprio dinheiro", disse um deles, no Parque Estadual da Serra do Mar.
Outra história. Gestores e pesquisadores ouvidos pela reportagem também contam uma história diferente da relatada pelo diretor da Fundação Florestal. "Tem unidade que na década de 1970 tinha 30 guarda-parques e hoje não tem nenhum. Aí vem recurso de convênio, constroem guaritas, mas não tem um vigilante para por lá dentro", relata o gerente de uma unidade.
Segundo eles, a Polícia Militar Ambiental não tem infraestrutura nem efetivo suficientes para patrulhar as unidades de forma ostensiva, percorrendo as trilhas na mata com regularidade.
"A polícia ambiental tem um monte de outros assuntos para cuidar. Ela só entra nos parques quando há alguma denúncia específica e, mesmo assim, raramente entra nas trilhas. Não há nenhum trabalho de policiamento preventivo", diz o gerente de uma unidade. "As unidades estão abandonadas. Entra e sai quem quiser, a hora que quiser, levando bromélia, palmito, madeira, passarinho, carne de caça, o que quiser", diz uma outra fonte ligada à secretaria.
A comunidade científica também está preocupada. Vários pesquisadores que trabalham nas unidades de conservação tiveram projetos prejudicados e até equipamentos roubados nos últimos dois anos. "Já tivemos a experiência de deixar uma área delimitada para pesquisa e alguém entrar lá e cortar uma árvore que estava sendo estudada", conta a ecóloga Simone Aparecida Vieira, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e representante da comunidade científica no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). "Se com os vigilantes já era difícil fazer a segurança, imagine sem eles", afirma Simone. "A polícia ambiental e as imagens de satélite são importantes, mas você precisa ter alguém andando nas trilhas constantemente."
O pesquisador Carlos Joly, professor da Unicamp e diretor do programa Biota Fapesp, diz que o novo esquema de segurança "não está funcionando" e que já levou essa preocupação diretamente às cúpulas da secretaria e da Fundação Florestal, pedindo soluções "urgentíssimas" para o problema. "Ações de caçador, de palmiteiro, não são visíveis do espaço. Satélite não faz a nossa segurança", afirma.
Joly reclama também da constante troca de gestores e da falta de qualificação daqueles que estão sendo selecionados para os cargos. "Estão colocando pessoas com pouquíssima experiência, sem currículo na área de conservação e gestão ambiental", diz. "Muitos têm dificuldade até para entender a necessidade dos pesquisadores."
"Toda semana sai gente boa e entram pessoas que não fazem nada. As unidades param. Há uma política de fiscalização estranha. Contrata posto para 2, mas só fica uma pessoa trabalhando. Todo mês pagamos por 10, mas só tem de fato cinco", conta o gestor de uma unidade. "E perdemos também postos de vigilância patrimonial. Eles (os vigilantes) não atuavam como guarda-parques, mas reforçavam a fiscalização, ocupavam espaço, o que acabava inibindo ações ilegais. O resultado disso tudo é um aumento no desmatamento, na caça, na retirada de palmito."
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RELATO DO CAMPO. A reportagem do Estado percorreu, no início deste mês, mais de 50 km por dentro dos núcleos São Sebastião e Caraguatatuba do Parque Estadual da Serra do Mar, utilizando as estradas de terra do Rio Pardo e do Limeira, sem passar por qualquer posto de monitoramento ou fiscalização. O único fator que dificulta o acesso é a condição precária das estradas em alguns pontos, pelos quais só é possível passar com moto ou veículo 4x4.
No início da Estrada do Rio Pardo a reportagem até cruzou, por acaso, com um carro de vigilância - que era de outra unidade e estava ali só de passagem. Nem o veículo nem os três vigilantes que estavam dentro dele tinham qualquer identificação como agentes de segurança, nem do Estado nem de qualquer empresa privada. Eles contaram à reportagem que têm de comprar as fardas verdes com dinheiro do próprio bolso, trazer a própria comida, e não recebem qualquer treinamento específico para trabalhar na mata, nem com vigilância nem com salvamento. Também não possuem equipamentos de segurança nem de comunicação, além de seus telefones celulares particulares - que são inúteis dentro da mata.
Teoricamente, eles poderiam portar armas durante a patrulha; mas, na prática, andam desarmados, porque a sede do núcleo ao qual eles pertencem fica fora do parque, a quase 100 km da estrada que eles precisam patrulhar, e eles não têm autorização para portar armas fora da unidade. Ou seja, eles podem portar armas na sede e dentro do parque, mas não no percurso entre um lugar e outro.
"O que a gente faz, quando encontra um palmiteiro, é convidá-lo a nos acompanhar até a delegacia", conta um dos vigilantes. "Não temos autoridade para prender ninguém, então a gente blefa e torce para o cara cooperar." As patrulhas são feitas só três vezes por semana, segundo eles, porque há um limite de R$ 620 por mês para gasolina. Mais do que isso, e teriam de abastecer o carro com dinheiro do próprio bolso também.

Pesquisador relata até roubo de equipamento

A redução do número de vigilantes preocupa também a comunidade científica. Vários pesquisadores que utilizam as unidades de conservação (UCs) para estudo tiveram projetos prejudicados e até equipamentos roubados nos últimos dois anos.
"Já tivemos a experiência de deixar uma área delimitada para pesquisa e alguém entrar lá e cortar uma árvore que estava sendo estudada", conta a ecóloga Simone Aparecida Vieira, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp e membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).
"Se com os vigilantes já era difícil, imagine sem eles", afirma Simone. "A polícia ambiental e as imagens de satélite são importantes, mas você precisa ter alguém andando nas trilhas constantemente."
O pesquisador Carlos Joly, também professor da Unicamp e diretor do programa Biota Fapesp, diz que o novo esquema de segurança da SMA "não está funcionando" e já levou essa preocupação diretamente às cúpulas da secretaria e da Fundação Florestal, pedindo soluções "urgentíssimas" para o problema. "Ações de caçador, de palmiteiro, não são visíveis do espaço. Satélite não faz a nossa segurança", afirma.
Joly reclama também da troca constante de gestores e da falta de qualificação daqueles que são selecionados para os cargos. "Estão colocando pessoas com pouquíssima experiência, sem currículo na área de conservação e gestão ambiental", diz. "Muitos têm dificuldade até para entender a necessidade dos pesquisadores."
"As unidades estão abandonadas. Entra e sai quem quiser, a hora que quiser, levando bromélia, palmito, madeira, passarinho", diz uma fonte ligada à secretaria.
/ H.E. e GIOVANA GIRARDI

Ambientalistas veem aparelhamento político em UCs de São Paulo
Técnicos foram trocados por líderes de partido; presidente de fundação diz que prefere 'gestor que saiba administrar'

Herton Escobar e Giovana Girardi - O Estado de S. Paulo

Dentro da comunidade ambientalista, o descontentamento com a atual gestão da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) é crescente, beirando o intolerável. Fontes do próprio governo e da sociedade civil acusam o secretário Bruno Covas (PSDB) de promover um aparelhamento generalizado do sistema ambiental paulista, com a substituição de funcionários técnicos por indicações políticas e enfraquecimento dos mecanismos de controle e monitoramento, em favor de interesses políticos e econômicos da pasta.
Vários técnicos de carreira, com grande experiência na área, foram demitidos ou afastados de suas funções nos últimos dois anos. Os gerentes de quase todas as unidades de conservação foram trocados (alguns deles várias vezes) e, em vários casos, substituídos por técnicos de pouca experiência ou por pessoas sem qualificação na área.
"A impressão é que a secretaria foi transformada num comitê eleitoral", diz o presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani.
A SMA disse que a afirmação lhe causava "profunda estranheza", e rebateu as críticas de aparelhamento por escrito, dizendo: "É possível que, com a mudança de alguns gestores, interesses tenham sido feridos e, desse modo sim, desfeito um 'comitê' dirigido a interesses de grupos minoritários ou de pessoas".
O gestor indicado pela secretaria para o Parque Estadual Furnas do Bom Jesus, por exemplo, é o dentista Carlos Scandiuzzi, um político da região ligado ao PSDB. O gestor do Parque Estadual de Campos do Jordão e gerente regional para o Vale do Paraíba é o publicitário Fabiano Vanone, candidato a deputado estadual pelo PSDB em 2006 e ex-presidente da Juventude do partido em Taubaté, na região do parque. O gestor do Parque Estadual da Ilha Anchieta, Luiz Bitetti da Silva, é um advogado criminal da cidade de Cruzeiro, onde já foi duas vezes candidato a prefeito e uma, a vereador.
"São todos cargos de confiança e que atendem aos requisitos que a gente entende necessários de conhecimento técnico e de confiança", justificou Covas, em entrevista ao Estado. Sobre o fato de alguns deles não terem experiência em gestão ambiental, ele destacou que a secretaria publicou recentemente o Manual do Gestor, um livreto de 130 páginas, "com todas as informações necessárias, caso haja alguma dúvida".
No caso mais recente, o engenheiro florestal João Paulo Villani, que cuidava há 25 anos do núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar, foi retirado do cargo na terça-feira. No lugar dele, entrou o analista de sistemas Valdir Martimiano Dias, que dois meses antes havia sido nomeado para gerir simultaneamente três Áreas de Proteção Ambiental (APAs) e o Monumento Natural da Pedra do Baú. Dias foi candidato a vereador de São José dos Campos pelo PSDB em 2000.
No início do mês, o gestor da APA Marinha do Litoral Centro, o oceanógrafo Marcos Campolim - considerado um dos técnicos mais experientes da Fundação Florestal -, foi demitido e substituído por André Alvino Guimarães Caetano, um ex-diretor de finanças do Sindicato de Supervisores do Magistério no Estado de São Paulo e membro do Conselho Estadual de Educação. O diretor executivo da Fundação Florestal (FF), Olavo Reino Francisco, disse que Caetano é um "biólogo muito conceituado na área" e está capacitado para gerir a APA Marinha.
Questionada pelo Estado sobre a justificativa para as diversas indicações, a SMA destacou que a função de gestor abrange uma grande diversidade de tarefas, "que impõe a necessidade de um conhecimento multidisciplinar". "Assim, a diversidade na formação profissional ao invés de ser empecilho, se mostra, em verdade, uma possibilidade de troca de experiências e soma à equipe, que passa a ter uma visão multidisciplinar dos problemas", afirma a secretaria.
Repercussão. A saída de Campolim repercutiu negativamente na área ambiental e um abaixo-assinado foi lançado na internet para reinstituí-lo. Para a bióloga Ingrid Oberg, chefe do Ibama na Baixada Santista durante dez anos e ex-membro do Conselho Gestor da APA Marinha Litoral Centro, a troca é mais um exemplo do loteamento de cargos que vem sendo praticado na atual gestão. "Claro que influência política sempre existe em qualquer administração, mas no último um ano e meio houve um retrocesso muito grande. A coisa piorou muito", disse Ingrid ao Estado. Campolim foi procurado, mas não quis se manifestar.
O diretor da FF defendeu as escolhas de gestores feitas durante sua gestão. "Prefiro muito mais um gestor que entenda de administração do que um técnico", afirmou Francisco, argumentando que é mais fácil dar suporte técnico a um administrador do que ensinar um técnico a administrar. "Há unidades de conservação onde não adianta nada colocar um técnico."
O cenário se reflete na própria cúpula da SMA, que, a exemplo de Covas, é toda formada por advogados. O secretário adjunto da pasta, Rubens Naman Rizek Junior, é um ex-presidente da Corregedoria Geral da Administração (CGA), o órgão de controle interno e apuração de irregularidades administrativas do Estado. O chefe de gabinete, Antonio Vagner Pereira, também é advogado.
Na Fundação Florestal, Francisco é delegado de polícia, também com passagem pela CGA. Abaixo dele, o atual diretor para o Litoral Sul e região do Paranapanema, Cesaltino Silva Júnior, é advogado e corretor de imóveis.
Só no ano passado, com um único decreto (número 58.234/2012), o governo estadual criou 40 cargos comissionados na FF, incluindo 26 para chefes de UCs e 14, para assessores. Com isso, o número de cargos de confiança na fundação aumentou para 105, enquanto que o de cargos concursados manteve-se inalterado, em 408. Segundo a secretaria, a criação das vagas deve-se ao aumento no número de unidades geridas pela FF, "o que implica, necessariamente, num aumento da demanda de trabalho e a necessidade de funcionários".
"Esse aparelhamento político do sistema é o que mais preocupa", diz o ambientalista Beto Francine, membro do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e candidato a vereador pelo PV em Ubatuba, em 2012. "Enquanto isso, as unidades de conservação estão jogadas às traças. Os palmiteiros e caçadores estão fazendo a festa."
"A situação das UCs do Estado está tão ruim que, de coração, eu tenho vontade de chorar. Só não saio porque quem ficar no meu lugar pode não ter essa mesma preocupação. Fico para segurar o pau da barraca", desabafa um gestor.

Recursos humanos
40 cargos comissionados foram criados na FF em 2012, incluindo 26 para chefes de UCs e 14, para assessores. O total, com isso, chegou a 105, enquanto que o de cargos concursados ficou em 408.

OESP, 25/08/2013, Metrópole, p. A16-A17

http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,mesmo-com-r-144-milhoes-em-cai…

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