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Mel silvestre no Vale do Ribeira

OESP, Agrícola, p. 8-9
19 de Set de 2007

Mel silvestre no Vale do Ribeira
Produtores tiram lucro da mata atlântica da região sem destruí-la e até colaborando
para sua preservação

José Maria Tomazela

A maior área contínua remanescente de Mata Atlântica do Brasil, um dos mais preciosos ecossistemas do planeta, está no Vale do Ribeira, sul do Estado de São Paulo. Em alguns municípios, a floresta, protegida por leis rigorosas, cobre mais de 80% do território, o que restringe drasticamente as atividades agrícolas.

Produtores rurais de 17 municípios da região encontraram uma forma de obter renda e, ao mesmo tempo, preservar a mata. Eles aproveitam as floradas naturais para alimentar abelhas e produzir mel. A apicultura surgiu naturalmente, como opção para agricultores que já se dedicavam ao cultivo do palmito pupunha, produção de flores e frutas, e outras atividades compatíveis com a preservação ambiental. Desde 2002, com a criação da Associação dos Apicultores do Vale do Ribeira (Apivale), a cadeia do mel ganhou impulso na região.

Régis Bittencourt

Hoje, já são 280 apicultores, com 2.500 colméias e uma produção anual de 30 mil quilos de mel. As colméias estão espalhadas nos municípios ao longo da Rodovia Régis Bittencourt (BR-116), que liga São Paulo a Curitiba. Começa em Juquitiba, próximo da Grande São Paulo, e vai até Barra do Turvo, divisa com o Paraná.

No lado oeste, abrange municípios do Alto Ribeira, como Apiaí e Iporanga, e, no leste, municípios do litoral sul paulista, como Iguape e Cananéia. No fim de agosto, a Apivale assinou convênio com uma companhia de seguros para a construção de um entreposto para processar o mel e seus derivados. O terreno será doado pela Prefeitura de Juquiá e a companhia custeará as obras. Além de uma área para recebimento do produto, o prédio terá uma Casa do Mel - local de extração do mel e seus subprodutos - e uma sala do Serviço de Inspeção Federal (SIF).

O convênio inclui a contratação de consultoria para adequação dos produtos às normas exigidas para a certificação do SIF. A obra faz parte do projeto de fortalecimento da cadeia produtiva do mel no Vale, coordenado pela Apivale, com apoio das prefeituras e órgãos do governo federal.

MAIS COLMÉIAS

Conforme a presidente da Apivale, Maria Luiza França Alvarenga, a nova estrutura permitirá à associação alcançar os objetivos definidos no projeto, que prevêem, até dezembro de 2009, um aumento de 32% no número de colméias, de 63% na produtividade e de 40% na receita bruta das famílias. 'Queremos dobrar o volume de vendas nesse período.'

A criação de abelhas é atividade de complementação de renda, diz Maria Luiza. Com o mel a R$ 10 o quilo, uma família pode conseguir, sem grandes investimentos, até um salário mínimo a mais por mês.

Maria Luiza é uma pequena apicultora, com 12 colméias muito produtivas. 'De 8 delas tirei 200 quilos de mel.' Só não aumentou o número de caixas porque a associação exige muito do seu tempo. Administradora hospitalar, Maria Luiza trabalhava como executiva num grande hospital de São Paulo. Quando o pai faleceu, deixou para ela e o irmão uma fazenda de gado com 390 hectares no Vale do Ribeira. A propriedade foi vendida.

A alternativa escolhida foi a apicultura. Fez contatos com outros apicultores e foi convidada a assumir a Apivale. 'Passamos a elaborar projetos e a buscar parcerias.' Com financiamentos federais para apoiar a agricultura familiar, ela conseguiu kits com caixas-ninho, uniforme e fumegador, entre outros equipamentos para famílias de iniciantes.
Informações: Apivale, tel. (0--13) 3844-1315

Palmeiras e ingás no cardápio
Pasto apícola é composto também de um pomar de lichieiras que, em plena florada,
alimentam as colméias

O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e o Sebrae passaram a ministrar cursos. 'Além das técnicas de produção, focamos a parte comercial', diz Maria Luiza. Os produtores aprenderam a colher apenas o mel maduro, ou seja, quando os favos estão operculados (com os alvéolos lacrados). Alguns já retiram das colméias também os subprodutos, como pólen, própolis e geléia real. A produção em escala desses produtos, no entanto, só ocorrerá depois que o entreposto estiver concluído, em março de 2008.

Mel no lugar do peixe

A apicultora Antonia Maria Patrício Nardino está entre as mais ativas associadas. No Sítio Novo Horizonte, em Juquiá, ela mantém, com o marido, Edemir Nardinho, cerca de 100 colméias com produção anual de até 30 quilos por caixa. O sítio, com 180 hectares de mata, produz também peixes e frutas, principalmente lichia. As abelhas são africanizadas e requerem cuidados no manejo, como vestimenta apropriada e um fumegador.

Na mata, as operárias procuram as flores das palmeiras juçaras, alecrins, suvi-suvis e jatobás. Nas baixadas e clareiras, buscam floradas de assa-peixes, ingazeiros e fumeiros-bravos. As lichieiras em flor são um prato cheio para as abelhas.

O mel já é a principal fonte de renda. 'Desbancou o peixe', diz Antonia. Ela conta que, no início, perdeu muitas colméias. 'Tenho até vergonha de falar, mas deixamos muitas abelhas morrerem porque não sabíamos que era preciso alimentá-las na entressafra.'

Entressafra é o período sem floradas - na região coincide com o inverno, entre abril e agosto - e, nesses meses, é preciso colocar nas colméias uma calda de açúcar com água.

Com o apoio da Apivale, o casal investe na construção da Casa de Mel, uma estrutura para processar e embalar a produção. 'Temos uma boa clientela', diz a apicultora. J.M.T.

Inimigos das abelhas vêm da floresta: formiga e tatu

No ambiente em que vivem, as abelhas são muito saudáveis. Enfrentam, no entanto, inimigos naturais, como as formigas.
"Quando elas atacam em massa, não há como segurar", conta a apicultora Antonia Maria Patrício Nardino. É um fenômeno chamado de correição: um exército de formigas avança em bloco em direção à colméia e, quando algumas ficam presas no óleo usado como isolante, outras passam sobre os corpos e atacam o mel. As guerreiras abelhas ficam inferiorizadas e são mortas. "Não sobra nada da colméia." As perdas variam entre 2% e 10%/ ano.

Antonia conta que, além das formigas, as colméias da região têm um predador inusitado: o tatu. O animal usa as garras para derrubar as caixas e, depois, se fartar no mel. "É um bicho esperto", conta. "Quando não alcança a caixa, ele joga a carapaça contra as estacas até causar a queda e depois foge do ataque das abelhas." Quando estas abandonam a caixa destruída, o bicho retorna para o banquete.

Produto tem forte apelo ecológico

A Apivale adotou uma etiqueta que valoriza a origem do mel da Mata Atlântica. 'As abelhas certamente contribuem para a disseminação de espécies e a preservação da floresta, por isso acreditamos que nosso produto tem um forte apelo ecológico', diz a presidente da associação, Maria Luiza França Alvarenga.

Pasto natural

Além disso, diz Maria Luiza, as matas são totalmente livres de agroquímicos e plantas transgênicas. 'Que pasto apícola pode ser mais natural do que este?', diz Maria Luiza.

Um estudo solicitado à Universidade Estadual Paulista (Unesp) vai analisar as floradas da região. A Apivale busca, agora, introduzir o mel na merenda escolar nos municípios do Vale do Ribeira.

Os contatos estão adiantados em Juquiá. A entidade será também uma das fornecedoras da cooperativa que fornecerá mel para as escolas e 23 entidades beneficentes de Sorocaba, no sudoeste do Estado de São Paulo.

OESP, 19/09/2007, Agrícola, p. 8-9

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