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Medicina e indústrias já utilizam (com vantagens) a tecnologia do DNA

OESP, Caderno Especial Biotecnologia, p. 1-8
25 de Nov de 2003

Medicina e indústrias já utilizam (com vantagens) a tecnologia do DNA (capa)

840 mil exemplares do Biotecnologia I

A primeira edição do Especial Biotecnologia circulou em cinco dos principais jornais do Brasil
Uma grande reportagem sobre o avanço da biotecnologia no País, sobretudo no agronegócio, marcou o jornalismo científico no primeiro semestre. Um caderno especial, em formato tablóide, foi encartado (num,mesmo dia) nos jornais Zero Hora, O Estado de S. Paulo, O Globo, O Estado de Minas e Correio Braziliense, totalizando uma tiragem superior a 840 mil exemplares. Segundo os cálculos e projeções da Marplan, a publicação atingiu um público em torno de 2,5 milhões de leitores.
A reportagem teve a finalidade de esclarecer quatro pontos básicos:
1 Biotecnologia no Brasil
Mostrar em detalhes como funciona a técnica científica que está abrindo um mundo novo em diversos setores econômicos, com destaque para o agronegócio, área em que o Brasil tende a ser líder mundial.
2 Ciência aplicada
Explicar efetivamente o que é, afinal, a biotecnologia e como são os processos científicos que resultam na produção de plantas transgênicas ou geneticamente modificadas. Vale lembrar que o método consiste na interferência intencional e controlada no DNA (ácido desoxirribonucléico), o código da "construção biológica" de cada ser vivo. Isso significa que os cientistas podem inserir genes de interesse específico em qualquer organismo ou mesmo retirá-los. Por esse motivo, diz-se alimento geneticamente modificado, transgênico ou de DNA recombinante.
3 Um pouco de história
Apresentar as origens da biotecnologia, que remontam ao ano 1.800 a.C., com o emprego do lêvedo para fazer vinho, cerveja e pão. Para tanto, o caderno trouxe uma linha do tempo com a evolução dessa ciência ao longo dos séculos.
4 Alimentos enriquecidos
Evidenciar como o uso do DNA ajuda a melhorar a qualidade alimentar, com resultados práticos verificados nos casos de tomate, brócolis e milho, entre outros produtos trabalhados com a biotecnologia.
SERVIÇO
Leia mais na Internet : Você pode ter acesso à íntegra do Especial Biotecnologia I no site do CIB (www.cib.org.br). Uma vez na home page, basta clicar em Lançamentos CIB.
Conselho de Informações sobre Biotecnologia
O Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) é uma organização não-governamental e associação civil sem fins lucrativos e sem nenhuma conotação político-partidária ou ideológica. Seu objetivo básico é divulgar informações técnico-científicas sobre biotecnologia e seus benefícios, aumentando a familiaridade de todos os setores da sociedade com o tema.
Nesse sentido, cabe a ele estimular a divulgação de estudos científicos feitos no Brasil ou em outros países.
É meta do CIB, também, estabelecer-se como fonte de informações para jornalistas, pesquisadores, empresas e instituições interessadas em biotecnologia.
Para mais informações, acesse www.cib.orq.br

Menos riscos e novas vantagens
Desconhecimento da biotecnologia provoca confusão e preconceito
A discussão sobre alimentos transgênicos é permeada por conceitos mal esclarecidos, mesmo quando as pessoas não têm interesse em se posicionar. Desconfia-se que as plantas geneticamente modificadas (GMs) poderão trazer ao meio ambiente algum tipo de contaminação lenta e imperceptível e que os genes vão escapar do controle e se espalhar, provocando problemas na natureza. Esse é um dos mitos criados sem base na realidade. "Todos os produtos desenvolvidos pela biotecnologia passam por testes exaustivos antes de ir para o campo e continuam sendo rigorosamente avaliados quanto à sua segurança", diz Aluízio Borém, pesquisador da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Para os estudiosos, a polêmica sobre a soja transgênica nem deveria existir, já que o cruzamento entre plantas só ocorre se elas forem sexualmente compatíveis. Não há a menor possibilidade de a soja GM se cruzar com alguma erva daninha ou com outro vegetal próximo, pois, segundo Borém, "a soja não tem parentes silvestres na América porque se originou na Manchúria, China."
Claro que essa justificativa não se aplica a todas as situações. Quando houver plantas silvestres próximas de onde serão plantadas sementes GMs, é possível evitar a transferência de genes com medidas, simples, de acordo com Borém. "Basta criar barreiras de isolamento, deixando espaço entre a cultura transgênica e seu parente."
Outro mito que cerca os OGMs refere-se à perda de biodiversidade. Nos casos estudados no Rio Grande do Sul, onde a maioria das plantações de soja é transgênica, vem ocorrendo o contrário. Os benefícios para o ambiente são evidentes: maior conservação do solo e da água e, conseqüentemente, menor perigo para animais.
A biotecnologia pode ajudar a aumentar a produção de alimentos e a torná-los mais nutritivos ou menos alergênicos. Essas possibilidades ganham maior relevância quando se conhecem levantamentos sérios sobre desnutrição, como os divulgados em outubro passado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O estudo revelou que 1 bilhão de crianças nos países em desenvolvimento sofrem com os efeitos da pobreza, das quais 15% são desnutridas. Só por aí dá para perceber a importância dos alimentos mais nutritivos, desenvolvidos pela biotecnologia, para tais países. "Não há dúvidas de que esse esforço é necessário para a população mundial", assinala Luiz Carlos Federizzi, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O Brasil pode competir com boas chances nesse setor, pois forma 7 mil doutores por ano, pelo menos 700 nas áreas de agronomia, veterinária e biologia, além dos provenientes das ciências biomédicas. "Isso significa que temos capacidade instalada para trabalhar com produtos que interessem a nós, brasileiros", observa Federizzi. A massa de cientistas que está sendo formada, unida a quem já atua no mercado de trabalho, mostra que o País possui uma "genética forte", com fartas condições de melhorar os alimentos usando a biotecnologia como ferramenta.

Segurança alimentar
Qualquer que seja o ,produto, os cientistas evidentemente não menosprezam a questão da segurança alimentar. "No caso dos transgênicos, não há fato científico que prove a existência de risco no consumo", afirma Franco Lajolo, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em nutrição. Lajolo é co-autor do livro Transgênicos: Bases Científicas da Sua Segurança, junto com Marília Regina Nutti, chefe-geral da Embrapa Agroindústria de Alimentos. "Ou seja, a segurança dos transgênicos não é menor que a dos outros alimentos."
0 professor Lajolo explica que existe um risco potencial na origem de alguns genes. "Mas, se os testes indicarem que uma proteína pode causar problemas, como alergias, o gene que a expressa não vai ser usado no organismo que se quer modificar" , diz. Tudo é minuciosamente estudado: do gene até o produto final. Não por acaso, cada alimento leva de seis a dez anos, antes de ser comercializado, para ter sua segurança comprovada para a saúde humana e animal.

Verdade no campo
Alguns fatos errôneos são divulgados como verdadeiros. Tire suas dúvidas
OGMs causam alergias?
A verdade - Não há evidência nesse sentido, mesmo com milhões de pessoas consumindo plantas GMs em diferentes países do mundo.
OGMs podem ser perigosos para a natureza?
A verdade - Estudos ambientais com plantas GMs, realizados em diversas partes do mundo, indicaram que não existe diferença entre transgênicos e não-transgênicos.
OGMs provocam perda da biodiversidade?
A verdade - Os vegetais GMs ajudam a biodiversidade, pois possibilitam o uso mais racional de insumos na lavoura. Além disso, a transgenia poderá até aumentar a biodiversidade ao introduzir novos genes nas espécies.
OGMs são dominados pelas multinacionais?
A verdade - Instituições como a Embrapa e a UFV também desenvolvem OGMs para oferecer novas opções aos agricultores brasileiros.
Fonte: texto adaptado de Aluízio Sarem, pesquisador da UFV e conselheiro do CIB.

A biotecnologia e o futuro da medicina
Você sabia que a vacina contra a hepatite B é transgênica? Pois esse é apenas um dos exemplos de como o binômio medicina-saúde está de mãos dadas com a biotecnologia, apontando um horizonte de curas, como a do câncer

A polêmica brasileira sobre a soja transgenica tem deixado à sombra avanços científicos que estão ocorrendo não apenas na agropecuária, mas igualmente na medicina. Alguns desses progressos já estão até incorporados no cotidiano da maioria dos brasileiros sem que ninguém se dê conta.
"Hoje, medicina e biotecnologia já estão de mãos dadas e, no futuro, serão indissociáveis uma da outra", diz Vasco Azevedo, pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
As possibilidades que se abrem com o uso da biotecnologia na medicina são numerosas. Vão desde a criação de vacinas terapêuticas até o desenvolvimento de alimentos que funcionem como biofábricas, ou seja, determinadas frutas, verduras ou cereais com genes específicos que produzem proteínas capazes de evitar diarréia ou prevenir cegueira, por exemplo. Alguns desses caminhos já foram abertos. O Instituto Butantã, de São Paulo, produziu 34 milhões de doses de uma vacina contra a hepatite B, feita da proteína da superfície do vírus, que, assim, imuniza e impede a replicação do microrganismo e a conseqüente infecção. "O produto já salvou a vida de muitas crianças, sem que ninguém reclamasse do fato de ele ser transgênico", afirma Isaias Raw, presidente da Fundação Instituto Butantan, que fabrica a vacina desde 1997. Ele conta que há outros produtos médicos GMs no mercado brasileiro, como a insulina e o hormônio de crescimento (hGH). "Se surgir uma vacina eficiente contra a aids, provavelmente ela será transgênica", prevê Raw.
Diagnóstico precoce - Um outro futuro que se vislumbra é o diagnóstico precoce do risco de uma pessoa desenvolver determinada doença e a intervenção terapêutica imediata para evitar o surgimento da enfermidade. "Podemos ter biofábricas, isto é, plantas e animais produzindo medicamentos que utilizem apenas sol, terra, água e ração animal", explica Elibio Rech, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen).
Em breve, indústrias de alimentos poderão oferecer leite ou iogurtes com proteínas, enzimas e outros "medicamentos" produzidos por genes das bactérias lácticas que ajudem a tratar câncer do intestino ou colesterol muito alto, conta Vasco Azevedo. Junto com Sérgio Costa Oliveira, também pesquisador da UFMG, Azevedo trabalha em uma vacina de DNA contra brucelose, mal que atinge 10% do rebanho bovino brasileiro, com 183 milhões de animais. Causada pela Brucella abortus, a doença provoca aborto em vacas, a partir do quinto mês de gestação. As diferentes vacinas encontram-se em fase de testes, com resultados promissores.
Um outro estudo que gera grande expectativa é o conduzido pela equipe de Célio Lopes Silva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, que desenvolve uma vacina gênica para combater câncer e tuberculose. Os cientistas esperam que esse produto funcione como medicamento, revertendo o quadro de saúde negativo, mesmo quando a doença já estiver instalada no organismo.
Nova terapia - Em um outro campo, trava-se a mesma batalha pela saúde humana, com armas parecidas, mas técnicas diferentes. A novidade atende pelo nome de terapia gênica (TG), um complexo processo para inserir, nas células, genes normais capazes de suprir as necessidades dos genes defeituosos. Só nos Estados Unidos há 246 estudos clínicos em andamento, com cerca de 2 mil pacientes. Tais testes objetivam assegurar a eficácia e a biossegurança desses processos para que, no futuro, eles sejam usados como rotina médica no mundo. Casos de câncer são o foco principal, embora se vislumbre a possibilidade de tratar males hereditários, a exemplo de fibrose cística, hemofilia e anemia falciforme, desordens neurológicas e até mesmo as doenças infecciosas, como a aids.
O médico Luís Gowdak, do Instituto do Coração de São Paulo, conduz a primeira pesquisa brasileira direcionada para essa área, com um paciente com obstrução coronária grave. Nesse indivíduo foi injetado uni gene que expressa uma proteína de crescimento vascular, para revascularização do coração.
Confira, ao lado, o processo detalhado de terapia gênica.

Como funciona a terapia gênica
É conhecida a capacidade que os vírus têm para infectar as células humanas. A terapia gênica tira bom proveito disso ao alterar a composição genética de tais agentes, retirando seus genes causadores de doenças e inserindo neles o gene humano terapêutico. Dessa forma, o vírus atua como vetor, transportando o material genético de que o paciente precisa. "As pesquisas também procuram garantir que os vetores virais não sejam replicativos", explica Maurício Rodrigues, do Centro Interdisciplinar em. Terapia Gênica da Universidade Federal de São Paulo. Isso deve ser feito para que, uma vez dentro do organismo humano, o vírus não readquira a habilidade de se multiplicar e causar infecção.

Dicionário biotecnológico
Conheça o significado de algumas palavras muito usadas pelos
• Antígeno - Molécula que provoca determinada resposta imune e leva à formação de anticorpos.
• Biodioversidade - Total de organismos vivos existentes.
• Biossegurança - Processo voltado para a avaliação, o controle e a diminuição de riscos advindos da biotecnologia.
• Células-tronco - Células indiferenciadas que têm a capacidade de se multiplicar e se diferenciar em células especializadas.
• Ctonagem - Processo de produção de um grupo de células ou indivíduos (clone) geneticamente idênticos.
• DNA - Ácido desoxirribonucléico, molécula em forma de dupla hélice que é a base da hereditariedade.
• DNA recombinante - Seqüência de DNA obtida pela reunião natural ou artificial de trechos que não estão juntos em material genético herdado.
• Engenharia genética - Conjunto de metodologia envolvendo o DNA recombinante utilizado na construção de transgênicos.
• Enzima - Proteína que funciona como catalisador orgânico para permitir ou acelerar uma reação em particular.
• Expressão gênica - "Leitura" de uma seqüência de DNA e sua tradução numa seqüência de aminoácidos para a conseqüente síntese de uma proteína.
• Gene - Unidade física e funcional da hereditariedade, representada por um segmento de DNA que codifica uma proteína funcional ou molécula de RNA.
• Gene exógeno - Seqüência manipulada de DNA da própria espécie, ou de uma outra, que apresenta propriedades desejáveis para o homem.
• Genoma - Material hereditário de uma célula que compreende o conjunto completo de genes de uma espécie.
• Lei de biossegurança - Legislação que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso dos OGMs.
• Macrófagos - Células essenciais ao sistema de defesa que coordenam a ação de outras células.
• Seqüenciamento - Determinação da ordem dos nucleotídeos na molécula de DNA (ou RNA) ou da ordem de aminoácidos em proteínas.
• Terapia gênica - Uso de genes para obter efeitos terapêuticos.
• Transgênico - Organismo cujo genoma foi alterado pela introdução de DNA exógeno.
• Vetor virai - Vírus usado para transportar à célula o gene saudável que substituirá o defeituoso.
Fontes: UFRGS e UFV Organização: CIB.
Mais informações no site do CIB: www.cib.orq.br/glossario.php

Uma porta para novos mercados
Cientistas avaliam potencial econômico da biotecnologia e risco para quem não investir em pesquisa
A biotecnologia avança a cada ano no mundo e sua aplicação não apenas melhora a qualidade dos alimentos, como também possibilita o uso racional de agroquímicos, permitindo plantios em áreas de cultivo difícil.
Estimativas apontam que os países em desenvolvimento vão assistir ao mesmo ritmo de progresso observado nos desenvolvidos, mas deixam claro que certamente perderão mercado aqueles que deixarem de pesquisar a genética moderna. Segundo a Embrapa, o Brasil vai ocupar novos 50 milhões de hectares com a agricultura, entre áreas do cerrado e terras degradadas que podem ser reaproveitadas.
Parte da resistência atual aos transgênicos se deve à falta de informação e ao pouco conhecimento sobre os benefícios oferecidos pelos produtos de primeira geração, acredita o professor Franco Lajolo, da Universidade de São Paulo (USP). Até porque, nos supermercados de diversos países, existem vários alimentos geneticamente modificados (GMs) disponíveis para compra (veja matéria na página 7).
Já os produtos de segunda geração prometem trazer benefícios que serão mais facilmente percebidos pelos consumidores, condição que pode significar a grande transformação na comercialização desses gêneros alimentícios, prevê Lajolo. "Quando entender tais benefícios, o consumidor verá com outros olhos a biotecnologia", diz o professor, assinalando que a discussão está polarizada em torno da soja transgênica. "O mundo é maior que um produto", enfatiza.
Essa nova geração colocará o País nos mercados que se abrem para alimentos com maior valor nutricional. Estima-se que a próxima safra brasileira seja de 125 milhões de toneladas de grãos, dos quais 57 milhões correspondentes ao plantio de soja, montante que deverá render US$ 10 bilhões em exportações. A soja Roundup Ready (RR) reduz US$ 40 por hectare no custo de produção, que hoje é de US$ 350 por hectare com as variedades convencionais.
Além disso, os produtores do Sul do Brasil já perceberam outro efeito da biotecnologia. Mais do que o custo, a facilidade no manejo da cultura GM tem chamado sua atenção. E ainda existem benefícios indiretos. Segundo
André Pessoa, economista da Agroconsult, em um ano chuvoso no Rio Grande do Sul, por exemplo, é difícil fazer o controle de ervas daninhas, ao passo que, com a soja RR, a necessidade de usar herbicidas diminui. "Transgênicos não são milagre, mas opções para ajudar o produtor", defende Pessoa.
Leia mais no site do CIB:
1. Regulamentação da Biotecnologia no Brasil (www.cib.org.br/pdf/direito.pdf);
2. Especial Biotecnologia I (www.cib.org.br/pdf/Suplemento especial.pdf).

Mudanças no campo
Como a biotecnologia age para melhorar algumas culturas
Alimentos GMs no mercado
Tomate que permanece firme por mais tempo.
Vacas geneticamente modificadas da Nova Zelândia fornecem leite com alto teor de proteínas.
Milho e algodão resistentes a pragas diminuíram drasticamente a quantidade de inseticidas usados.
Canola tolerante ao herbicida glifosato.
Girassol com alto teor de ácido oléico, mais saudável e nutritivo.
Alimentos GMs em pesquisas
Tomate com nível maior do antioxidante licopeno, que pode diminuir o risco de câncer de próstata e de mama.
Batata e banana com vacina contra alguns tipos do papilomavírus humano (HPV).
Café com menos cafeína.
Milho com proteína que previne a coccidiose aviaria, unia doença comum em frangos.
Arroz dourado enriquecido com vitamina A.

Para falar a mesma língua
Governo envia ao Congresso projeto de lei para harmonizar as legislações de biossegurança e meio ambiente
0 debate jurídico sobre a liberação de transgênicos no Brasil ainda promete muitos capítulos, que certamente consumirão anos de discussões em diversas esferas públicas. Sem poder aguardar pela decisão final, o Governo Federal já usou, por duas vezes, o artifício de Medidas Provisórias (MPs) em nome do agronegócio brasileiro. As duas MPs, editadas pelo governo lula em maio e setembro deste ano, liberaram para plantio e comercialização as safras de 2002/ 2003 e 2003/2004 da soja transgênica plantada no Sul do Brasil.
Além disso, o Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de lei no 2401/03, que visa a harmonizar as legislações de biossegurança e meio ambiente, uma vez que também internamente o governo enfrenta divergências de opinião sobre esse assunto entre seus ministérios. "Apesar de propor um processo muito burocrático e nada sistemático para a aprovação e a comercialização de um OGM e de seus derivados, o projeto, que deverá tramitar em regime de urgência, tem a virtude de não estabelecer uma moratória para a questão", explica a advogada Patrícia Fukuma, sócia do escritório Kayatt e Fukuma Advogados, de São Paulo.

Biofábrica produzirá medicamentos
O uso de alimentos e animais como biofábricas está próximo de acontecer comercialmente. Nos laboratórios, essa prática já constitui uma realidade. Alface com antígenos contra a diarréia e soja com anticorpos que combatem o câncer de mama são dois exemplos em estudo na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen). Elibio Rech, pesquisador que coordena algumas das pesquisas sobre o tema, diz que a técnica é mais vantajosa que o modo tradicional de fazer medicamentos, especialmente em relação à produção em larga escala e ao custo reduzido.
Rech explica que os alimentos-vacina obviamente não podem entrar na cadeia alimentar. "Depois de colhidos, eles têm de seguir o mesmo trâmite dos medicamentos", conta. Ou seja, os produtos devem ser desidratados e vendidos em pó em farmácias, por exemplo. "Isso é importante para o controle da dose de cada paciente e da concentração do princípio ativo", sublinha.
Ao contrário do que ocorre com outros transgénicos, o cultivo do alimento-vacina precisa ser feito em casas de vegetação - e não no meio ambiente -, de forma a evitar o contato aleatório de outras pessoas e animais com a cultura. Mesmo com todos esses cuidados, Rech acredita que o preço final deverá ser menor que o dos remédios tradicionais.
Parte dos projetos da Embrapa para o desenvolvimento de biofábricas vem sendo feita em cooperação com as universidades de Brasília e de São Paulo, com o Instituto Butantan e com a Universidade Federal de São Paulo.

Transgenia está presente no dia-a-dia
Pesquisadores revelam que é expressiva a quantidade de produtos à venda desenvolvidos por meio da biotecnologia
Enquanto os parlamentares discutem a aprovação da atual safra brasileira de soja transgênica ou a liberação de futuros alimentos geneticamente modificados (GMs), Argentina, Canadá, Estados Unidos e alguns países europeus têm supermercados com prateleiras forradas de comida transgênica e derivados. Os norte-americanos encontram óleo de soja com alto teor de ácido oléico, que permite menor ingestão de gorduras saturadas e maior ingestão de gorduras mono e poliinsaturadas, sendo ainda mais saudável em relação ao risco de doenças cardiovasculares. Os consumidores dos Estados Unidos podem também levar para casa óleo de canola com maior teor de ácido esteárico, que diminui a necessidade de hidrogenação e facilita a ingestão de ácidos graxos trans, tão prejudiciais à saúde quanto as gorduras saturadas; sem falar na batata com alto conteúdo de amido, que reduz a absorção de óleo durante a fritura. Isso só para citar alguns. As quitandas canadenses têm, entre outros, milho, batata, tomate, abobrinha e papaia geneticamente melhorados.
Estima-se que, nos EUA, 70% dos alimentos comercializados em supermercados contenham um ingrediente derivado de organismo GM. Vale lembrar que derivados da soja (como a lecitina, usada como emulsificante) ou do milho (farinha, amido e xarope de glicose) quase sempre estão presentes em alimentos processados. Se contarmos o tomate transgênico, a lista aumenta mais ainda: sucos, molhos, ketchup, massas, purês de tomate e pratos prontos resfriados ou congelados. "Se importarmos biscoitos argentinos, por exemplo, muito provavelmente eles conterão um ingrediente GM", explica Edson Watanabe, engenheiro de alimentos da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
Mas, antes das sementes, a biotecnologia tem trabalhado há anos com microrganismos geneticamente modificados (MGMs), que otimizam direta ou indiretamente a produção industrial para escalas nunca vistas. "A primeira bactéria láctica GM foi posta no mercado em 1985", conta Alda Lerayer, engenheira agrônoma e Ph.D. em Genética do Instituto Tecnológico de Alimentos (Ital). Ela explica que os MGMs produzem substâncias quimicamente definidas utilizadas de forma corriqueira em um grande número de alimentos industrializados. São enzimas, aminoácidos, vitaminas, ácidos orgânicos, proteínas, corantes, saborizantes ou realçadores de sabor, polissacarídeos e açúcares, entre outros.
Tais organismos são cultivados sob regras estritas das Boas Práticas de Fabricação (BPF) e altamente controlados em fermentadores ou reatores. Suas condições ideais de crescimento são bem conhecidas e seguras, pois já foram testadas. "Tanto os microrganismos como as substâncias quimicamente definidas por eles produzidas devem ser considerados Generally Récognized as Safe (GRAS), ou seja, totalmente seguros para o homem e animais", diz Alda.
Dessa forma, ainda que a transgenia não esteja devidamente legalizada no País, a biotecnologia faz parte da vida cotidiana do brasileiro muito mais do que se imagina. Portanto, são grandes as chances de encontrarmos nos mercados itens com uma ou mais substâncias geradas por MGMs.
Acompanhe, ao lado, uma breve lista desses produtos.
Nas prateleiras
1 Pães doces e salgados, massas, mistura para bolos, biscoitos e produtos de confeitaria contêm enzimas produzidas por MGMs.
2 Há queijos e leites fermentados por enzimas derivadas de MGMs, como catalase e quimosina.
3 Frios diversos (salame, presunto, etc.) contam com enzimas fabricadas por MGMs ou podem ter diretamente o microrganismo GM.
4 Algumas carnes contêm enzimas proteolíticas geradas por MGMs, usadas para o amaciamento, e peptídeos antibacterianos produzidos por bactérias GM, empregados para protegê-las de eventual contaminação.
5 Sucos e geléias com enzimas clarificantes, como a pectinase, além de betaglucanase e aminoácidos usados como antioxidantes, são provenientes de MGMs.
6 Muitas bebidas alcoólicas, como cerveja, vinho e cachaça, levam enzimas produzidas por MGMs ou, então, são obtidas dos próprios MGMs (como as leveduras).
7 Há molhos com enzimas e realçadores de sabor (glutamato de sódio e leveduras) advindos de MGMs.
8 Muitos salgadinhos aperitivos têm compostos de realçadores de sabor derivados de MGMs.
9 Produtos que contêm edulcorarites podem ser provenientes de metabolismos de aminoácidos produzidos por MGMs.
10 Existem xaropes com alto teor de frutose e adoçantes feitos com enzima inulinase produzida por leveduras e fungos MGMs.
11 Muitos chicletes e balas levam amido derivado de milho transgênico.
12 Detergentes e sabões em pó contêm proteases, lipases e outras enzimas produzidas por MGMs.
13 Papel e celulose utilizam enzimas geradas por MGMs para sua extração e preparação.
14 Resíduos celulósicos do lixo são degradados com celulase produzida por MGMs.
15 Jeans e couro utilizam enzimas derivadas de MGMs em sua fabricação, tanto para amaciar o couro quanto para diminuir a poluição do processo.
16 0 plástico biodegradável deriva de MGMs.

A questão da rotutagem
Produto rotulado é direito do consumidor para saber o que está consumindo. Os países adotaram limites diferentes para a rotulagem de alimentos geneticamente modificados. Nos EUA, essa medida é voluntária. Não existem limites estabelecidos, pois a Food and Drug Administration (FDA) se baseia no conceito da equivalência substancial. Se há equivalência entre o alimento convencional e o GM, não é preciso rotular. A Rússia permite a presença de OGMs em até 5o/o do produto. Acima disso, a rotulagem fica obrigatória para os fabricantes. Na União Européia, o limite liberado é de 0,9%.
No Brasil, o Decreto no 4.680, de abril de 2003, estabeleceu que a concentração de OGMs nos produtos disponíveis para o consumidor seja de 1%. Passando desse percentual, o item precisa ser rotulado. 0 Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, até já criou um símbolo para o transgênico: um triângulo eqüilátero, com uma letra T na cor preta no meio e fundo interno amarelo.

Importância da propriedade intelectual
A falta de clareza na legislação brasileira leva muitas empresas, nacionais ou estrangeiras, a deixar de investir em biotecnologia no País
Está nas mãos do Congresso Nacional a discussão sobre o futuro da biotecnologia no Brasil. Muitas empresas (nacionais ou não) deixam de investir por causa da falta de clareza na legislação. Outras preferem fazer registros de patente no exterior, onde as regras são mais claras. Hoje é condição primordial para novos investimentos a garantia de proteção da propriedade intelectual. No caso das sementes, a Lei no 10.711/03, que institui o Sistema Nacional de Sementes e Mudas (SNSM), foi um passo à frente na área de fiscalização, desde que foi aprovada, em agosto último. Mas é preciso ir além. Qualquer inovação no setor tecnológico que tenha atividade inventiva e aplicação industrial pode ser protegida por patente. A lei já estabelece isso, porém a falta de garantias sobre propriedade intelectual e a pouca transparência afastam os investimentos.
Criada para dar segurança jurídica aos pesquisadores e proteger inovações, a legislação que trata desse assunto embute, no caso brasileiro, algumas controvérsias. Na opinião do advogado e professor José Carlos Vaz e Dias, do escritório Di Blasi, Parente, Soerensen Garcia & Associados, a Lei de Propriedade Intelectual veda a concessão de patentes para genes humanos ou de plantas. Já o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) tem uma posição mais flexível, considerando possível patentear elementos genéticos.
Se o direito às patentes é um bom sinal para a pesquisa, a demora do INPI para outorgá-las leva a um alto grau de incerteza sobre o aspecto da propriedade das invenções nacionais. Não bastassem as diferenças internas, o Brasil precisa observar essas normas também nos acordos internacionais de comércio, sob o risco de não poder exportar alguns produtos. A intenção de ampliar os direitos dos inventores - e isso vale para qualquer ramo da indústria - não é criar nenhum tipo de monopólio para empresas nacionais ou estrangeiras, ressalta Vaz e Dias. "Não é um monopólio, é um privilégio", lembra o advogado Gabriel Di Blasi, sócio de Vaz e Dias no mesmo escritório.
Os consumidores brasileiros dispõem de regras para protegê-los de práticas de abuso de poder econômico. Tais normas podem ser aplicadas no caso de os titulares de patentes utilizarem sua posição para prejudicar a concorrência. No entanto, se o País não reconhece o direito às inovações, poucos vão se animar a desenvolver mais produtos por aqui, o que resulta em uma maior dependência de tecnologias registradas no exterior. Além de beneficiarem a sociedade, as patentes são igualmente boas fontes de divisas, pois, se exportadas, garantem royalties a quem as detém.
Enquanto essas questões não ficam claras, a própria Embrapa mantém alguns de seus trabalhos com biotecnologia em marcha lenta. A empresa tem experiência de mais de 30 anos no assunto. Recentemente, conseguiu a permissão para plantio experimental de mamão transgênico resistente a vírus e desenvolve pesquisas com batata, feijão, algodão e soja GM. Muitas delas asseguram royalties Embrapa, uma fonte importante de recursos, especialmente em uma época de redução de investimentos por parte do Estado. Criadores de suínos do Sul do País e produtores de grãos brasileiros e estrangeiros que utilizam sementes produzidas pela empresa pagam-lhe tais rovalties.
Já Ivo Carraro, diretor da Cooperativa Central de Desenvolvimento Tecnológico (Coodetec), conta que 37 cooperativas e 120 mil produtores sobrevivem graças aos royalties recebidos pela Coodetec com a comercialização de sementes de trigo, algodão e soja. "Somos um exemplo de cooperativa auto-suficiente devido à proteção de cultivares", diz.
Mais informações no site do CIB:
www.cib.org. br/entrevista. php?ID=28

Cientistas querem definições
No caso dos alimentos GMs, outro ponto importante em discussão no Congresso Nacional é a competência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurarç (CTNBío). A revisão das funções da comissão pode significar um retrocesso pela perda do caráter científico de suas decisões. Além de mudar o número de membros da CTNBio (26, sendo dez cientistas), o projeto de lei do governo determina que ela tenha função deliberativa apenas se proibir o uso de uma planta GM. Se o parecer for favorável, deverá haver avaliação dos Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura e Saúde. Em caso de impasse, um conselho de ministros, coordenado pela Casa Civil, decidirá a questão.
Em oposição, os pesquisadores assinaram um documento após o Seminário Internacional Transgênicos no Brasil, realizado em São Paulo, no fim de outubro, no qual "expressam suas preocupações e frustrações em relação à complexidade, fragilidade e incongruências dos marcos reguladores sobre essa matéria."
A falta de regras permitiu ao Paraná, por exemplo, proibir o plantio da soja GM e bloquear a entrada de caminhões no Estado, sem a comprovação da presença de OGMs. Mesmo amparada por lei estadual tal proibição é inconstitucional por feri uma lei federal, alertam alguns advogados. Além disso, o Judiciário ainda avalia se a CTNBio tem ou não autoridade para liberar os transgênicos. Não há lei proibindo o plantio, mas, sim, impedimento por ação movida por uma ONG.

OESP, 25/11/2003, II Especial Biotecnologia, p. 1-8

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