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'Massacre', 'atropelo', 'boiada': indígenas criticam aprovação do marco temporal na Câmara

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/05/
30 de Mai de 2023

'Massacre', 'atropelo', 'boiada': indígenas criticam aprovação do marco temporal na Câmara
Políticos e representantes de entidades dizem ter esperança de que o STF vote pela inconstitucionalidade do projeto de lei

30.mai.2023 às 21h20
Atualizado: 30.mai.2023 às 22h00
Claudinei Queiroz

Lideranças indígenas brasileiras demonstraram muita preocupação com a aprovação do projeto de lei do marco temporal, o PL 490, votado e aprovado na noite desta terça-feira (30) na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Dario Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, afirma que os povos indígenas estão em uma situação muito complicada com a aprovação, que abre a possibilidade para um "massacre".

"É uma situação muito grave. É uma irresponsabilidade do Congresso. A gente acompanhou em Brasília com quase 300 povos indígenas, mas não conseguimos participar. Para os povos indígenas, esse PL 490 é morte. Vai derramar muito sangue dos povos indígenas, vai ser um massacre, um genocídio, com violações dos direitos do povos indígenas, e vai fragilizar muito os territórios que já foram demarcados. Essa aprovação dos deputados representa genocídio. É um projeto inconstitucional", desabafa o líder yanomami.

"Nossa esperança no contexto jurídico, como Constituição, legislação, é que o Supremo Tribunal Federal veja se o PL é legal ou não. Isso é responsabilidade do STF, porque é inconstitucional."

Beto Marubo, integrante da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), teme que a Amazônia vire um caos caso o projeto seja sancionado.

"A aprovação representa tudo o que é de retrocesso e de uma visão tosca de uma parte da bancada ruralista, sobretudo, a parte vinculada a grileiros, a ladrões de terras públicas, a garimpeiros, que hoje estão no Congresso Nacional, em querer esvaziar os artigos constitucionais. É mais uma anomalia à la Brasil tentando deslegitimar a Constituição Brasileira", comenta Marubo. "Esse retrocesso só tende a provocar o caos no interior das terras indígenas, e o exemplo emblemático disso é o que está acontecendo com o yanomami, mas em uma proporção ainda maior, em quase todos os territórios. Saiu pesquisa do perigo que está passando os habitantes da Amazônia que se alimentam com peixes contaminados com mercúrio. Esse vai ser o caos que vai ser o nosso país, e que vai de encontro a todos os discursos que a própria bancada ruralista tem vendido para o mundo de compromisso de proteção ambiental."

Em nota oficial, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, atacou os deputados que votaram a favor do projeto, afirmando que eles "entrarão para a história como os responsáveis pela aprovação de um projeto de lei que ataca explicitamente contra a vida dos povos indígenas do Brasil".

"Agora seguimos para a votação no Senado, com muito diálogo para garantir que nossas vidas não sejam negociadas", finalizou a ministra.

Na mesma nota, o ministério enfatizou que o projeto afetará a vida inclusive dos indígenas isolados. "O PL 490 representa um genocídio legislado porque afeta diretamente povos indígenas isolados, autorizando o acesso deliberado em territórios onde vivem povos que ainda não tiveram nenhum contato com a sociedade, nem mesmo com outros povos indígenas, cabendo ao Estado brasileiro atuar também pela proteção dos territórios onde vivem estes povos."

A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), destacou que o PL 490 acaba com a esperança dos indígenas no futuro. "Um genocídio legislado. O terno deles não será eterno e enterram hoje esperança de futuro. Aprovado o PL 490, que retira territórios e arranca direitos dos povos indígenas. Seguimos em luta no Senado, onde já houve compromisso de debate e não da urgência de passar a boiada", falou a deputada no Twitter.

Outra que se pronunciou pelas redes sociais foi Joenia Wapichana, presidenta da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que afirmou que a Constituição foi "atropelada" pelos deputados.

"É inaceitável ver a Constituição Federal ser atropelada. Neste momento, os direitos dos povos indígenas estão em jogo no plenário da Câmara dos Deputados com a votação do PL 490/2007. O projeto é um RETROCESSO em nossa política socioambiental, indigenista e uma tentativa de RETIRAR DIREITOS dos povos indígenas do Brasil!

O ISA (Instituto Socioambiental) divulgou um comunicado criticando a aprovação do PL 490 e enfatizando este ser inconstitucional.

"Em linhas gerais, o texto aprovado afronta a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), poderá inviabilizar demarcações de terras indígenas e configura uma das mais graves ameaças aos povos indígenas do Brasil na atualidade. Defende-se a retirada de pauta do PL ou, alternativamente, a sua integral rejeição", diz a nota, destacando que o PL configura "inconteste retrocesso social".

O Observatório do Clima, uma rede de 90 entidades da sociedade civil brasileira formada com o objetivo de discutir as mudanças climáticas no país, também divulgou um comunicado com duras críticas à Câmara dos Deputados.

"A sessão regida pelo premiê Arthur Lira (PP-AL) foi um espetáculo de mentiras, ódio e racismo, no qual a Casa dominada por ruralistas e pela extrema-direita, promoveu o pior retrocesso em matéria de direitos humanos no país desde a promulgação da Constituição, em 1988", diz a nota, que finaliza sinalizando para a votação no Senado Federal.

"Agora, a Câmara dos Deputados dá um recado claro ao país e ao mundo: Bolsonaro se foi, mas o extermínio continua. No que depender de Arthur Lira e sua gangue da motosserra, o meio ambiente e os direitos indígenas serão varridos do mapa nos próximos quatro anos. O Senado, agora, tem a obrigação de reverter os absurdos aprovados pela Câmara, e o STF precisa analisar com urgência o processo do marco temporal. O Observatório do Clima estará até o fim dessa batalha ao lado dos povos indígenas e da Constituição."

Outra entidade que atacou o resultado final da votação foi a ONG WWF-Brasil (Fundo Mundial para a Natureza). Além de enfatizar o retrocesso do PL 490, a WWF também criticou a forma como grupos indígenas foram atacados pela polícia na manhã desta terça em São Paulo, em protesto contra o marco temporal.

"O PL 490 é uma proposta violenta, que vai gerar mais violência, e por essa razão deve ser rejeitado pelo Senado, para onde o texto segue agora para apreciação. Ao contrário dos deputados, os senadores precisam mostrar ao mundo que não têm sangue indígena nas mãos."
Ruralistas comemoram aprovação

Se do lado indigenista só houve críticas à aprovação do PL 490, do lado oposto a bancada ruralista comemorou muito o resultado final. Em live logo após o fim da votação, a deputada Carol de Toni (PL-SC) se pronunciou e ouviu outros colegas de bancada.

"É uma alegria a aprovação do marco temporal. Nosso estado, Santa Catarina, sofre muito com as novas demarcações e com as antigas. E a gente quer essa segurança jurídica, paz no campo e proteção ao direito de propriedade. Pessoas com titulação de mais de cem anos, quinta geração, nós precisamos garantir isso. Hoje nós tivemos uma vitória", diz De Toni, completando que agora o PL 490 vai ao Senado. "Mas o recado foi dado, foi dado à nação brasileira e ao Supremo Tribunal Federal, que está querendo mudar o posicionamento acerca do tema."

"Vitória importante para os produtores, para o direito de propriedade, para a segurança jurídica do nosso Brasil", comentou o deputado Pedro Lupion (PP-PR).

"Foi uma vitória da segurança jurídica, da segurança alimentar e, principalmente, do homem do campo que precisa de paz para produzir alimentos", completou Rodolfo Nogueira (PL-MS).
ENTENDA O MARCO TEMPORAL

A tese
O marco temporal determina que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

Os ruralistas
Defendem a tese sob argumento de que dará mais segurança jurídica ao agronegócio.

A crítica
Os movimentos indígenas discordam da tese e afirmam que, em 1988, seus territórios já haviam sido alvos de séculos de violência e destruição de aldeias; portanto, entendem que as terras que são de direito dos povos não devem ser balizadas por uma data.

O STF
O Supremo pautou para 7 de junho a retomada do julgamento que vai decidir se a tese é válida ou não. Até agora, o ministro e relator Edson Fachin votou contra o marco. O ministro Kassio Nunes Marques, a favor.

O projeto de lei
Paralelamente, a Câmara dos Deputados votou o projeto de lei PL 490 que institui o marco temporal. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), buscava a aprovação do texto antes do julgamento do STF.

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