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Marco temporal e ONGs, por Angelita Matos Souza

Jornal GGN - https://jornalggn.com.br/questao-indigena/marco-temporal-e-ongs-por-angelita-matos-souz
Autor: SOUZA, Angelita Matos
26 de Out de 2023

Marco temporal e ONGs, por Angelita Matos Souza

jornalggn@gmail.com
Publicado em 26 de outubro de 2023, 11:12
no Observatório de Geopolítica

Na semana passada, o presidente Lula vetou trechos de Projeto de Lei que estabelecia a data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988, como marco temporal para a demarcação de terras indígenas. No entanto, no Legislativo, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que defende o marco temporal, se articula para a derrubada dos vetos do presidente.

Já na CPI das ONGs, que faz parte da movimentação da FPA em defesa do marco temporal, organizações como o Instituto Socioambiental (ISA) foram acusadas de servirem a instituições internacionais que visariam o controle da Amazônia e o não desenvolvimento do Brasil. Supostamente, em especial a Fundação Open Society (de George Soros) e a Fundação Ford estariam por trás da atuação de ONGs ambientalistas contra o marco temporal.

O argumento principal, na linha do que vem sendo defendido pelo ex-deputado Aldo Rebelo, que participou da CPI como convidado, é o de que essas ONGs atuariam como um verdadeiro "estado paralelo na Amazônia", a serviço de interesses estrangeiros e de encontro à soberania nacional. Trata-se de um posicionamento também comum nas redes sociais, em perfis que se autodenominam de esquerda e se dedicam a denunciar a movimentação de ONGs como instrumentalizada pelo "imperialismo".

De nossa parte, pensamos que as relações são mais complexas. Ou seja, mesmo se ligadas a instituições/fundações passíveis de vinculação a práticas imperialistas, essas ONGs podem ter uma ação positiva nos países em que atuam, conferido visibilidade mundial a problemas locais e atuando para impedir/frear danos ambientais.

O caso de Paragominas é ilustrativo neste sentido. Na primeira década deste século, o município esteve entre os campeões de desmatamento no Pará, acompanhado de índices de criminalidade alarmantes. A ação denunciante de ONGs, como Greenpeace, prejudicou as exportações e o município foi obrigado a se reinventar, tornando-se um modelo de governança ambiental.

A reviravolta, contada por Salles em Arrabalde, deu-se por meio da construção deum pacto social, liderado pela prefeitura e apoiado pelos governos federal e estadual. Pacto baseado na implementação de campanhas de educação ambiental junto a produtores rurais e comunidade em geral, além da reestruturação da matriz econômica do município.

Igualmente importantes foram as parcerias estabelecidas com duas ONGs, a Imazon e TNC. A primeira para o trabalho de monitoramento por satélite do desmatamento no município; ao passo que a TNC realizou o trabalho de cadastramento das propriedades rurais.

Desde 2011, o caso de Paragominas é citado como modelo bem-sucedido de combate ao problema do desmatamento. Este reapareceu em 2022, mas foi prontamente enfrentado com a criação do Projeto Paragoclima e os resultados apareceram nos índices de desmatamento baixos registrados em junho-julho de 2023.

Críticos podem aventar um conluio: o Greenpeace denunciou, prejudicando a economia local (predatória), e a Imazon e TNC lucraram vendendo serviços caros à prefeitura. Pode ter sido assim, aliás, ONGs costumam ser organizações com fins lucrativos. Contudo, lembraríamos a frase pronunciada por Deng Xiao Ping, que se tornou famosa: "Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato". Frase igualmente válida para a atuação das ONGs contra o marco temporal.

Do ponto de vista essencialmente do jogo político, o presidente Lula fez muito bem em vetar, ficou bem na foto e deixou para a FPA a batalha contra o movimento ambientalista internacionalizado.

Angelita Matos Souza. Cientista Social. Professora associada no IGCE-UNESP e pesquisadora junto ao IPPRI-UNESP.

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