VOLTAR

Marco Temporal avança no Senado, mas Pacheco quer aguardar decisão do STF

InfoAmazonia - Marco Temporal avança no Senado, mas Pacheco quer aguardar decisão do STF Projeto de
23 de Ago de 2023

Marco Temporal avança no Senado, mas Pacheco quer aguardar decisão do STF
Projeto de lei foi aprovado nesta quarta-feira (23) pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária da Casa, apesar dos esforços de Marina Silva e Sonia Guajajara em conversar com a relatora, Soraya Thronicke, e pedir mais audiências públicas. Por outro lado, como apurou a InfoAmazonia, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sinaliza que deve esperar decisão do STF para pautar a votação no plenário.

Por André Borges
PlenaMata
23 agosto 2023 at 20:16

O avanço no Senado do projeto de lei (PL) que institui a tese do Marco Temporal sobre a demarcação das terras indígenas
Territórios da União reconhecidos e delimitados pelo poder público federal para a manutenção do modo de vida e da cultura indígenas em todo o país.
- o PL 2963/2023 - acendeu um alerta entre os ambientalistas sobre a possibilidade de a proposta ser levada brevemente ao plenário da Casa. Nesta quarta-feira (23), o texto foi discutido e aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), por 13 votos contra 3. A expectativa da bancada ruralista é a de que, agora, o PL seja votado rapidamente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para depois ir ao plenário. Não é o que pensa, porém, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A InfoAmazonia apurou que, ao menos até agora, a disposição de Rodrigo Pacheco é de aguardar que o tema seja julgado, antes, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para só depois ser levado ao plenário e passar pelo crivo dos 81 senadores. Essa tem sido a tônica das conversas entre o presidente do Senado e líderes partidários, a despeito da tramitação do assunto pelas comissões da Casa.
A tese do Marco Temporal sobre a demarcação de terras indígenas determina que só as ocupações por povos originários que existiam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, podem ser reconhecidas e homologadas. Isso significa que, se um povo foi expulso de uma área por grileiros ou fazendeiros e tentava retomá-la àquela época, por exemplo, não teria mais direito ao território. Além de ter que comprovar a presença na área naquela data, cada povo indígena deve demonstrar, ainda, que sua ocupação tinha "caráter permanente" e que envolvia "atividades produtivas".
O projeto de lei estabelece ainda que o usufruto dos indígenas em relação às suas terras já reconhecidas não pode se sobrepor ao interesse da "política de defesa e soberania nacional". Na prática, o PL permite todo tipo de obra de infraestrutura nas terras indígenas, como a instalação de redes de comunicação, abertura de estradas e ferrovias, usinas hidrelétricas, além das construções de equipamentos e edificações para prestação de serviços públicos, "proibindo a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza pela presença desses itens".
O texto, da forma como está hoje, libera atividades econômicas dentro das terras demarcadas, quando feitas pela própria comunidade indígena, mas também admite a "cooperação e contratação de terceiros não indígenas". A terra não pode ser arrendada, vendida ou alienada. Fica autorizado, ainda, o "turismo em terras indígenas", sendo organizado pela própria comunidade, por meio de "contratos para a captação de investimentos de terceiros".
A bancada ruralista pressiona pela aprovação do projeto, que passaria a impor um tratamento linear para todas as terras indígenas do Brasil. Os ambientalistas se mobilizam contra o projeto de lei. No governo Lula, os posicionamentos estão divididos, tendo os ministérios dos Povos Indígenas e de Meio Ambiente de um lado e a pasta da Agricultura de outro.
Interlocutores que têm conversado sobre o tema com Rodrigo Pacheco afirmaram à InfoAmazonia que o entendimento do presidente da Casa tende a acompanhar a linha de raciocínio defendida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, ou seja, a de que cada caso é um caso, com suas particularidades e assim devem ser tratados. No início de junho, Moraes votou contra a tese do Marco Temporal, por considerar que a data da promulgação da Constituição não pode ser utilizada como critério único para definição da ocupação tradicional de terras por comunidades indígenas.
Após o voto de Moraes, o ministro do STF André Mendonça, indicado à corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, pediu vista do tema, paralisando a análise mais uma vez. Até o momento, há dois votos contra a tese. Em setembro de 2021, o ministro Edson Fachin afirmou que o direito à terra pelos indígenas deve prevalecer, ainda que não estivessem no local em 5 de outubro de 1988. O ministro Nunes Marques, porém, também indicado por Bolsonaro, votou a favor do critério do Marco Temporal.
Bolsonaro, desde a época de sua campanha eleitoral, bem como durante o mandato de presidente, sempre manteve uma postura contrária às demarcações e se elegeu dizendo que "nenhum centímetro" de terra indígena seria homologado em seu governo, o que ocorreu, de fato. A postura dos ministros André Mendonça e Nunes Marques, portanto, atendem rigorosamente ao que sempre defendeu o ex-capitão.
Pressa na decisão
As intenções de Rodrigo Pacheco de aguardar a decisão do STF não encontraram respaldo na bancada ruralista. No Senado, os parlamentares agem com pressa devido à iminente retomada da votação sobre a tese do Marco Temporal pela corte e querem se antecipar. As novas regras adotadas pela corte com relação a pedidos de vistas estipulam que esses pleitos não podem mais ultrapassar o prazo de 90 dias desde a sua apresentação. Isso significa que, a partir do dia 7 de setembro, o ministro André Mendonça terá de pautar, novamente, o julgamento do caso pela corte, o que permitirá, por exemplo, que a ministra Rosa Weber - que tem postura contrária à tese do Marco Temporal - possa proferir seu voto, já que ela se aposenta até 2 de outubro.
Por isso, diz a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora do projeto de lei, o plano é avançar com a mesma proposta que recebeu da Câmara, já que alterações do texto no Senado fariam com que o PL voltasse para análise dos deputados. "Tenho conversado com todos os lados sobre o assunto e ouvido ponderações, mas a verdade é que não há tempo para mudar nada, porque não conseguiríamos votar em plenário a tempo", disse à InfoAmazonia.
Tenho conversado com todos os lados sobre o assunto e ouvido ponderações, mas a verdade é que não há tempo para mudar nada, porque não conseguiríamos votar em plenário a tempo.
Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora do projeto de lei
Na terça-feira (22), houve mobilização do governo para tentar convencer a senadora Soraya Thronicke de enviar o tema para audiências em outras comissões, como as de Meio Ambiente (CMA) ou Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), e não apenas para a CCJ. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara (PSOL), teve um encontro com Marina Silva (Rede) para tratar do assunto e, depois, se reuniu com Soraya Thronicke para tentar barrar a aprovação do texto. O entendimento da relatora, porém, é o de que nada será alterado.
Thronicke apresentou um relatório favorável à aprovação integral do texto que passou pela Câmara, em 31 de maio. Naquela data, os ruralistas também se articularam para se adiantar à votação que seria retomada pelo STF e quiseram dar uma "resposta" ao Judiciário, sob o argumento de que a decisão sobre o assunto deve ser matéria do Congresso, e não da Suprema Corte. No plenário da Câmara, o projeto (antigo PL 490) foi aprovado por 283 votos favoráveis e 155 contra. O texto original sobre o assunto foi apresentado no Congresso em 2007, portanto, há 16 anos, e sempre enfrentou profunda resistência dos povos indígenas.
"Entendemos que a proposta de Marco está em linha com a melhor solução para o dilema de estabelecimento de novo marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil", diz a senadora Soraya Thronicke, ao defender a proposta. "O Estado brasileiro precisa delimitar o entendimento acerca de 'terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas'. Não se mostra razoável, proporcional e legítimo adotar para o conceito 'tradicionalmente' uma ocupação que regresse a um marco temporal imemorial, ou seja, ocupação a tempo atávico, a períodos remotos, que, no limite, poderia gerar disputa sobre todo o território nacional."
Na prática, a declaração de Soraya Thronicke não condiz com a realidade, uma vez que os indígenas nunca arrolaram para si o direito de controlar o território nacional que, historicamente, os pertenceu, mas que cada processo de demarcação levava em conta análises técnicas e individualizadas.
O posicionamento da senadora foi rechaçado por parlamentares como Fabiano Contarato (PT-ES), que condenou a aprovação do que classificou como violação aos direitos básicos dos povos indígenas. "Vamos aprovar uma violação daquilo que é mais sagrado: a riqueza, a cultura e a generosidade que os povos indígenas nos proporcionam", afirmou o parlamentar. "Eu peço perdão aos povos indígenas pela aprovação deste texto nesta comissão, hoje", afirmou.

Vamos aprovar uma violação daquilo que é mais sagrado: a riqueza, a cultura e a generosidade que os povos indígenas nos proporcionam.
Fabiano Contarato (PT-ES), senador

O líder indígena Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que participou da audiência, criticou o projeto e sua tramitação no Senado, destacando o fato de que, na prática, a Casa pretende aprovar um texto sem nenhum tipo de alteração ou aprimoramento. "O que vocês estão aprovando aqui hoje é um copia e cola do que veio da Câmara. Não houve nenhum debate", disse.
Protesto generalizado
Para Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), a tramitação acelerada no Senado mostra que "não há qualquer interesse em um debate realmente qualificado" sobre o assunto. "Infelizmente, o PL vai muito além da questão do Marco Temporal. Chega, por exemplo, a permitir contatos forçados com indígenas isolados. Esses povos não têm relações com a sociedade nacional e não possuem memória imunológica para doenças comuns, como a gripe. Acabar com a política de não contato, além de desrespeitar o direito ao isolamento, representa uma ameaça concreta à vida de grupos inteiros", diz Batista.
O projeto, afirma a advogada do ISA, também permite a retirada de terras que já estão consolidadas e definitivamente regularizadas se os indígenas perderem seus "traços culturais". "Isso gera expectativa de anulação de áreas e, consequentemente, o aumento de invasões, do desmatamento e da violência contra os indígenas. Espera-se que a CCJ traga algum equilíbrio e racionalidade para a discussão, aguarde o STF definir a questão sobre o marco temporal e retire da proposta absurdos inadmissíveis sob o ponto de vista dos direitos fundamentais."
Isso gera expectativa de anulação de áreas e, consequentemente, o aumento de invasões, do desmatamento e da violência contra os indígenas. Espera-se que a CCJ traga algum equilíbrio e racionalidade para a discussão, aguarde o STF definir a questão sobre o marco temporal e retire da proposta absurdos inadmissíveis sob o ponto de vista dos direitos fundamentais.
Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)
Um total de 309 organizações civis ligadas à defesa do meio ambiente e dos povos indígenas assinou uma manifestação de repúdio ao projeto de lei, sob o argumento de que a proposta, "além de impossibilitar a demarcação de novas terras indígenas, afrouxa regras de proteção e permite instalação de grandes obras sem consulta às comunidades afetadas".
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou requerimentos a Rodrigo Pacheco para redistribuir o projeto para as comissões de Assuntos Sociais (CAS), do Meio Ambiente (CMA) e dos Direitos Humanos (CDH), justificando que "negar à CAS este debate é passar a mensagem de que os interesses da população indígena não serão considerados durante o processo legislativo nesta Casa. O que se sustenta é que a única comissão com competência específica para opinar sobre proposições relativas à população indígena não será ouvida".
Na avaliação das organizações civis, o projeto permite diversas arbitrariedades contra os povos indígenas e suas terras, que hoje protegem 24% do que resta da floresta amazônica. "Uma dessas arbitrariedades é permitir a retomada de reservas indígenas pela União a partir de critérios subjetivos, o que colocaria em risco imediato pelo menos 66 territórios, habitados por mais de 70 mil indígenas e com uma área total de 440 mil hectares", afirmam. "É importante mencionar que são terras já regularizadas e consolidadas e que essa possibilidade provocaria insegurança jurídica, violência e invasões com a expectativa de revisão de atos jurídicos perfeitos."

Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

https://infoamazonia.org/2023/08/23/marco-temporal-avanca-no-senado-mas…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.