VOLTAR

Manaus vira a capital nacional do apagão

OESP, Economia, p. B6
17 de Out de 2010

Manaus vira a capital nacional do apagão
Interrupções no fornecimento de energia elétrica têm se tornado rotina para os moradores da capital do Amazonas nos últimos meses

Renée Pereira - O Estado de S.Paulo

Nos últimos meses, Manaus deixou de ser apenas o principal centro financeiro e econômico da Região Norte para ser a capital do apagão. Lá, as interrupções de energia elétrica, que antes ocorriam esporadicamente, viraram rotina na vida de moradores, empresários e multinacionais da Grande Manaus. Tudo isso porque os investimentos na rede de distribuição não acompanharam a demanda.
Diante do caos energético da capital amazonense, onde se localiza um importante polo industrial de eletroeletrônicos e veículos sobre duas rodas, Brasília resolveu agir. Por determinação do presidente Lula, uma comitiva liderada pelo ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, desembarcou na cidade no início do mês para anunciar um plano emergencial, que já começou a ser implementado.
"Até o fim do ano, vamos deixar Manaus com um bom atendimento de energia", garante José Antônio Muniz, presidente da Eletrobrás, que controla a distribuidora Amazonas Energia.
Encarregado de resolver o problema, ele praticamente se mudou para Manaus, de onde vai despachar três vezes por semana. "Vou ficar aqui até resolver a situação", afirma.
O plano inclui a troca de 425 transformadores em alguns bairros da cidade, o que deve aumentar a capacidade da rede de distribuição e dar mais confiabilidade ao abastecimento, afirma Muniz. Outros 575 equipamentos deverão ser substituídos nos próximos meses.
A pergunta que a população local faz ao executivo é: por que essa medida não foi tomada antes que houvesse a propagação dos desligamentos? Uma das respostas está ligada aos prejuízos milionários que as estatais amargaram nos últimos anos e reduziram a capacidade de investimento. Mas a explicação também está associada à falta de planejamento.
Demanda maior. Muniz reconhece que o crescimento da demanda, de 14% no ano, não era esperado pela empresa de distribuição, já que a média nacional estava em torno de 9%. De fato, a população local avançou para áreas mais afastadas do centro, novos empreendimentos comerciais foram abertos (como um novo shopping center e grandes redes de supermercados) e a produção industrial da Zona Franca aumentou de forma significativa com a demanda nacional por eletroeletrônicos.
Enquanto isso, a rede de distribuição continuou no mesmo nível - em algumas áreas houve forte degradação. Empresários e representantes do setor produtivo relatam que a deficiência da rede chegou ao ponto de a distribuidora ter de determinar o desligamento de algumas áreas para evitar um efeito dominó na cidade durante picos de consumo. O presidente da Eletrobrás negou que a operação tenha sido adotada e desmentiu a declaração dada por um técnico da empresa.
Para a população local, o descompasso entre investimento e demanda é o principal atestado do descaso do poder público com a região, que sofre com a péssima qualidade da energia. Hoje, Manaus e boa parte da Região Norte são abastecidas com geração térmica, especialmente de usinas movidas a óleo combustível e diesel. Como a produção é cara - e poluente -, todos os brasileiros pagam uma quantia a mais na sua conta de luz para ajudar os consumidores do Norte. Neste ano, os desembolsos devem somar R$ 4,7 bilhões.
Isso não significa, no entanto, que a conta de luz da população dos Estados do Norte é barata. Pelo contrário. Está no mesmo nível das Regiões Sul e Sudeste. "Além de cara, é de péssima qualidade. Semana passada, o Rio ficou cinco minutos sem energia e causou uma grande polêmica. Aqui, ficamos cinco minutos sem energia todos os dias e ninguém faz nada", afirma o empresário Raul Andrade, dono de uma rede de restaurantes.
Prejuízo. Ele perdeu a conta dos equipamentos queimados por causa do liga e desliga da rede de distribuição. O prejuízo inclui perdas de chapas e fritadeiras elétricas, aparelhos de ar-condicionado e compressores de câmaras frigoríficas, além de alimentos perecíveis. Isso sem contar o desconforto em relação aos clientes, já que as máquinas de cartão de crédito também não funcionam. "Ficamos de braços cruzados esperando a energia voltar", diz.
O comerciante Alan Bandeira também já perdeu a paciência com o número de apagões. "Semana passada, fiquei uma hora sem luz. Até meu "nobreak" (equipamento usado para proteger eletroeletrônicos contra quedas de energia) não suportou a variação de energia e queimou."
Na opinião dele, além dos investimentos para melhorar a rede local, a solução para a cidade é construir a linha de transmissão de Tucuruí. O projeto, atrasado por questões ambientais, vai inserir a cidade no sistema interligado nacional.
Andrade e Bandeira estão liderando, ao lado do presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Manaus, Ezra Benzion, um abaixo-assinado para reivindicar melhorias no sistema. A intenção é levar o documento até Brasília e ter uma resposta mais rápida. "No Brasil, temos o custo Brasil. Aqui, temos o custo Manaus", reclama Andrade.
O presidente do Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares de Manaus, Wilson Périco, destaca que o problema já era para ter explodido se a crise mundial não tivesse arrefecido a atividade econômica. Ele conta que, em 2008, o setor elétrico local já havia apresentado sinais de estrangulamento.
O tempo, contudo, não foi aproveitado para sanar as deficiências, critica o executivo. "Não houve por parte do setor público o devido cuidado para preparar a rede de energia para atender o polo industrial de Manaus e o crescimento da região."
Périco afirma que, para evitar ainda mais prejuízos, boa parte da indústria se equipou com geradores elétricos e "nobreaks".
Apesar disso, as perdas têm sido grandes. "Cada vez que a rede cai, um processo de produção é interrompido e, na maioria dos casos, perdido. Mesmo que seja por minutos."

Falta de energia atinge todas as classes sociais
Dos condomínios às casas da periferia, todos sofrem com o vaivém da eletricidade e com os apagões

Liege Albuquerque - O Estado de S.Paulo

Os apagões em Manaus não discriminam classe social. Dos condomínios fechados às casas da periferia da capital, qualquer morador da cidade sofre com a rotina do vai e volta da energia elétrica e com os apagões localizados, que podem durar 5, 10, 20 minutos ou até horas. Independentemente do período no escuro, os prejuízos são reais para boa parte da população, como é o caso do taxista Roberto Oliveira.
"A geladeira tem pouco mais de seis meses e queimou na noite do feriado do dia 12, quando a energia foi e voltou umas cinco vezes", diz ele, morador de um condomínio na zona oeste da capital. Além da geladeira, um aparelho de ar-condicionado também queimou.
Como a geladeira é seminova, a assistência técnica vai fazer o conserto sem ônus. Em dias de apagão, como não dá para estocar comida, a família usa isopores e compra gelo para armazenar água e refrigerantes e compra comida pronta. "É muita despesa por causa de uma geladeira queimada", diz ele. No caso do ar-condicionado, ele afirma que vai mandar arrumar e depois vai levar a conta para a Amazonas Energia.
A dona de casa Maria Auxiliadora Melo, de 50 anos, moradora da zona leste, nem acende mais as velas que comprou para essas emergências. "Ultimamente a luz vai e volta em no máximo 15 minutos, parece que é só para queimar as coisas e não deixar a gente assistir ao fim da novela", reclama. O chuveiro elétrico do quarto do casal queimou numa dessas quedas de energia.
O sistema de som do home theater e dois aparelhos de ar-condicionado da casa da comerciária Isabel Maria Cristina de Albuquerque, de 44 anos, queimaram na semana passada. "O técnico disse que um dos aparelhos de ar-condicionado não tem mais conserto, tenho de comprar outro", disse. Apesar disso, ela não deve pedir ressarcimento pelo prejuízo. "É só dor de cabeça e tempo perdido."
Para o dono da Eletrônica Amadeu, João Amadeu de Oliveira, de 34 anos, na zona leste, os apagões trouxeram lucro por causa do aumento de consertos de aparelhos de ar-condicionado e de TV danificados durante as quedas de energia.

Regiões Norte e Nordeste são as mais atingidas

A qualidade da energia elétrica entregue aos brasileiros tem piorado sistematicamente no último ano. Depois da onda de apagões que atingiu o Sudeste entre o fim de 2009 e o início deste ano, o movimento seguiu para as Regiões Norte e Nordeste.
Além do Amazonas, o Acre também viveu nas últimas semanas uma série de interrupções regionais e, a exemplo de Manaus, a capital acreana, Rio Branco, ganhou de Brasília um plano emergencial para resolver o problema. Nesse caso, o governo entendeu que a causa dos desligamentos era a queda de galhos de árvores na rede de distribuição e transmissão de energia. A solução foi aumentar as podas de árvores, afirmou o presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz.
Os problemas começam a ocorrer menos de um ano após a inauguração da linha de transmissão entre Porto Velho (RO) e Rio Branco, que colocou parte do Acre no sistema interligado nacional. Primeiro houve um apagão por causa da interligação, em julho. Depois vieram as interrupções locais. "Ficamos preocupados, mas agora sabemos que tudo será resolvido com a poda de árvores", diz o secretário de Planejamento do Acre, Gilberto Siqueira.
Mas o problema pode estar além das podas de árvores. Na última reunião do Comitê de Monitoramente do Setor Elétrico (CMSE), na semana passada, o governo discutiu a possibilidade de reativar a termoelétrica de Rio Branco para que ela funcione como uma espécie de backup para evitar apagões gerais.
Desde que entrou no sistema interligado, boa parte do Estado depende de apenas uma linha de transmissão. Se essa linha cair, o Acre inteiro fica sem energia. As obras da segunda linha estão atrasadas por causa de problemas com o licenciamento ambiental em Rondônia.
No Nordeste, o Maranhão e o Piauí também sofreram desligamentos de mais de uma hora nos últimos meses. Para especialistas, a explicação está na falta de investimento na distribuição. Por enquanto, não há problemas na geração de energia.

OESP, 17/10/2010, Economia, p. B6

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101017/not_imp625789,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101017/not_imp625790,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101017/not_imp625791,0.php

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.