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Mais rigor, por favor

O Globo, Sociedade, p. 25
09 de Out de 2018

Mais rigor, por favor
Relatório conclui que combate ao aquecimento global requer adoção de políticas mais severas

RENATO GRANDELLE E SÉRGIO MATSUURA
sociedade@oglobo.com.br

Pouco tempo atrás, os climatologistas acreditavam que, se a temperatura global avançasse menos de 2 graus Celsius, boa parte do caos ambiental previsto para as próximas décadas poderia ser domado.
Agora, um relatório lançado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) exige metas mais ambiciosas, "rápidas" e "sem precedentes", que restrinjam o aumento dos termômetros a 1,5 grau Celsius em relação aos níveis pré-industriais. Se políticas adequadas não forem estabelecidas, no entanto, esse marco pode ser atingido entre 2030 e 2052.
Se o aquecimento global ultrapassar esse patamar, haverá consequências para a saúde humana e a biodiversidade. As emissões de dióxido de carbono( CO 2) precisam ser zeradas até 2050, o que exigirá o desenvolvimento de tecnologias capazes de remover o gás da atmosfera. Essas iniciativas, assim como o crescimento das fontes renováveis de energia e a produção de biocombustíveis, exigirão um investimento médio anual no sistema energético de aproximadamente US$ 2,4 trilhões entre 2016 e 2035.
O documento "Aquecimento global de 1,5o C" foi encomendado pelos 195 países signatários do Acordo de Paris durante a Conferência do Clima na capital francesa, em 2015. Segundo o relatório, se o planeta aquecer 1,5o C, a elevação do nível domar será dez centímetros menor do que a constatada caso os termômetros aumentem 2o C.
Com isso, dez milhões de pessoas que vivem em regiões baixas e vulneráveis a alongamentos não precisariam ser deslocadas.
A probabilidade de o Oceano Ártico descongelar completamente durante o verão seria de uma vez por século, contra pelo menos uma vez a cada década com o mundo 2o C mais quente. Se a temperatura atingir esse marco, é possível que todos os recifes de coral desapareçam, impactando profundamente a biodiversidade marinha. Com um aumento de 1,5o C, seria possível salvar entre 10% e 30% desse ecossistema.
- Cada pequeno acréscimo no aquecimento importa, especialmente porque superar 1,5o C aumenta os riscos associados de mudanças de longo prazo ou irreversíveis, como a perda de alguns ecossistemas - alerta Hans-Otto Pörtner, coautor do relatório, elaborado por cientistas de 40 países com base em mais de 6 mil estudos sobre o tema.
A perda de territórios irá gerar uma onda de refugiados climáticos. Secas e enchentes mais frequentes levarão destruição a regiões do planeta antes não afetadas por esses fenômenos. Com temperaturas mais altas, vetores de doenças tropicais vão avançar para regiões de clima mais ameno, com impacto direto na saúde pública. Hoje, segundo o relatório, o mundo já superou a barreira de 1o C, e eventos extremos são cada vez mais comuns.
- Os cientistas queriam escrever em letras garrafais:
"AJAM AGORA, IDIOTAS", mas eles precisavam dizer isso com fatos e números - comenta Kaisa Kosonen, que participou das negociações pelo Greenpeace.
Os cientistas reivindicam mudanças rápidas nas fontes de energia e no uso da terra e transformações nas cidades e nas indústrias. Mas acrescentam que o mundo não alcançará essas metas sem mudanças no estilo de vida das populações. Todos somos responsáveis pelo futuro do planeta, ao tomar medidas como usar carros, em vez de bicicletas e transporte coletivo.
- O relatório fornece aos formuladores de políticas as informações necessárias para que tomem as decisões que barrem a mudança climática, enquanto considera contextos locais e as necessidades das pessoas-explicou Debra Roberts, também participante do estudo. - Os próximos anos serão provavelmente os mais importantes na História.

'Tenho que fingir que estou otimista'

Roberto Schaeffer, PROFESSOR DE PLANEJAMENTO ENERGÉTICO DA COPPE/UFRJ

Os países que assinaram o Acordo de Paris, em 2015, apresentaram metas que, se cumpridas, provocarão um aumento da temperatura global de 3 graus Celsius. É possível adotar compromissos mais ambiciosos?
Sim, e também é necessário, porque o novo relatório mostra os possíveis impactos à agricultura e à integridade dos oceanos. E as ações devem ser imediatas -quanto mais demorarmos, mais difícil e custosa será qualquer operação. O ideal é adotarmos as políticas necessárias, como nos desvencilhar de térmicas a carvão, entre 2020 e 2025.
Este é o primeiro grande relatório climático sem a presença dos EUA, já que o presidente Donald Trump afirmou que quer se retirar do Acordo de Paris. Como garantir o seu sucesso?
Mesmo sem Trump, diversas cidades e estados americanos, como Nova York e Califórnia, estão interessados em cumprir metas contra o aquecimento global. Juntos, eles têm mais poder do que o governo federal.
Ainda assim, a saída dos EUA não desanima outros países?
Não. A União Europeia já reafirmou seu compromisso com o combate às mudanças climáticas. A China também investe pesadamente no setor, com medidas como a promoção de energia solar e o incentivo aos carros elétricos. Também há outros aspectos importantes que podem inibir a adoção de combustíveis fósseis: o Banco Mundial, por exemplo, cortou o financiamento da construção de térmicas a carvão. E países que dependem muito de petróleo terão seus campos envelhecidos nas próximas décadas. É o caso do Oriente Médio.
O senhor acredita que o novo relatório despertará a comunidade internacional sobre a importância de estabelecer novas metas contra as emissões?
Tenho de fingir que estou otimista. Foi bom saber que ainda dá tempo de fazer um avanço expressivo. O ponto negativo é que temos pouco tempo. Adotar medidas sai caro. Mas será ainda mais custoso se nada for feito.
A bancada ruralista do Congresso brasileiro, tradicionalmente oposta a políticas ambientais, aumentou nesta eleição. Será um problema?
Vimos declarações assustadoras sobre a questão ambiental. Mas já provamos que lutar contra a mudança climática não impede o crescimento da agropecuária. Vamos esperar a eleição do presidente para ter mais definições. Vale lembrar que o Brasil é um dos países mais vulneráveis do mundo ao aumento da temperatura global.

O Globo, 09/10/2018, Sociedade, p. 25

https://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/meio-ambiente/onu-da-ultimo-…

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