VOLTAR

Mais dinheiro, mais lixo

O Globo, Rio, p. 13
02 de Jun de 2013

Mais dinheiro, mais lixo
Estudo da Comlurb em 21 comunidades aponta aumento do poder aquisitivo

NATANAEL DAMASCENO
natand@oglobo.com.br

Desde que descobriu o valor do lixo, Severino Gomes Pedrosa, comerciante do Morro Dona Marta, passou a recolher parte do que seus vizinhos não queriam mais para transformar em dinheiro. Desde 2011, o paraibano de 60 anos converte papelão, plástico, vidro e outros materiais em descontos na conta de luz. Com isso, passou a perceber que o lixo na favela está mudando: há mais resíduos de uma maneira geral. A percepção do comerciante está correta, segundo a Comlurb. A empresa divulgou um estudo, realizado pela primeira vez no Dona Marta e em outras 20 favelas que receberam Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), sobre a composição do lixo produzido por seus moradores. O levantamento, feito através da análise gravimétrica (do peso) dos detritos, mostra não só que houve um aumento do volume do lixo nas comunidades, como aponta a elevação no poder aquisitivo dos moradores. Sugere ainda, segundo os técnicos da empresa, que o sistema de coleta seletiva pode estar se aperfeiçoando em parte das comunidades pacificadas.
- Este é um trabalho que já fazemos há algum tempo nos bairros formais da cidade como ferramenta de planejamento. Se você consegue estimar qual é a quantidade de lixo per capita, consegue estimar a quantidade de lixo total de uma determinada região. Assim, dimensionamos os recursos para fazer a coleta de forma mais adequada. Para as favelas, no entanto, existiam poucos dados. Quando não havia UPPs, era muito difícil fazer este tipo de estudo nas comunidades - diz o presidente da Comlurb, Vinícius Roriz.
Segundo Antonio Fernando Magalhães, gerente de pesquisas aplicadas da Comlurb, o estudo foi feito a partir de uma amostra de domicílios que leva em consideração a área territorial, a densidade demográfica e o quanto de lixo é coletado nas comunidades avaliadas. Ele explica que as amostras foram recolhidas diretamente dos imóveis e levadas ao laboratório de caracterização de resíduos sólidos da empresa, onde foram pesadas e tiveram seus componentes devidamente separados e identificados. A partir desse material, o estudo constatou que houve um aumento no volume de lixo gerado diariamente por habitante - a média saltou de 0,49 quilo por habitante/dia, em 2011, para 0,53 quilo por habitante/dia em 2012.
- Usamos uma amostra maior de cada comunidade, relativamente ao que se usa neste tipo de pesquisa, para compensar a falta do rigor científico. Constatamos que, entre 2011 e 2012, houve um aumento de 8,16% em termos de quantidade de lixo domiciliar produzido em cada um dos domicílios acompanhados. Quando você tem um acréscimo assim, num pequeno intervalo de tempo, pode concluir que houve um aumento do poder aquisitivo das pessoas. Quem ganha mais compra mais e produz mais lixo - explica.
Percentual de papel e plástico caiu
Houve ainda uma redução no percentual de plástico e papel recolhidos, o que pode ser atribuído aos incentivos à coleta seletiva em parte das comunidades pacificadas. Caso do programa Light Recicla, que dá oportunidade aos moradores das comunidades contempladas de trocar lixo por descontos na conta de luz. É através desses descontos que Severino Gomes passou a transformar papelão e vidro em dinheiro para ele e para os amigos.
- Tenho um bar ao lado de um dos postos de troca, e recolho tanto lixo reciclável na favela que hoje zero a minha conta, que costuma custar em torno de R$ 70. Ultimamente, como tenho conseguido juntar muito mais lixo reciclável na favela, passei a zerar a conta de luz de três vizinhos, que chegam a custar R$ 120 cada. É um dinheiro que deixamos de gastar - diz Gomes, também conhecido como Bill.
Lançado em agosto de 2011 no Morro Dona Marta, o programa tem postos de troca em outras três favelas pacificadas (Babilônia, Rocinha e Chácara do Céu) e na Cruzada São Sebastião, e deve inaugurar seu primeiro ecoponto no Morro dos Cabritos no dia 10 de junho. Desde o lançamento, trocou 1.388 toneladas de detritos recicláveis e 5.670 litros de óleo de cozinha usado por descontos na conta de luz. Segundo Fernanda Mayrink, gerente de atendimento a comunidades da Light, o projeto conseguiu, através dos descontos e de constantes ações educativas, conscientizar os moradores do valor do lixo.
Especialista destaca reciclagem
E é justamente no Dona Marta e no Morro da Babilônia que o percentual de papelão e plástico diminuiu de forma mais significativa entre 2011 e 2012, segundo o estudo da Comlurb. Foram registradas quedas de 48,8% e 45%, respectivamente, para o caso do papelão, e de 33,8% e 26,8%, para o plástico. De modo geral, houve uma pequena queda no percentual de papelão (de 13,4% para 12,1%), um pequeno aumento no de plástico (de 21,5% para 23,2%), e um aumento significativo no de matéria orgânica (de 47% para 56%) no lixo recolhido nas 21 comunidades. Já o percentual de outros materiais (como vidro, metal, madeira, pano, borracha, couro, osso, coco e parafina de vela) encontrados nos detritos diminuiu, caindo de 17,7%, em 2011, para 8,63% em 2012.
Elisabeth Ritter, professora da Uerj e especialista em engenharia sanitária e de meio ambiente, concorda com a análise feita pelos técnicos da Comlurb. Ela comparou os números divulgados pela companhia de limpeza este ano com uma pesquisa realizada em 2004, pela própria Comlurb, no lixo recolhido nas caçambas de algumas favelas da cidade. Segundo a especialista, o aumento do volume dos detritos realmente indica que os moradores dessas comunidades estão comprando mais. Mas ressalta outras informações que aparecem numa análise mais profunda do estudo.
- Comparando com o estudo de 2004, o percentual de papel e plástico cresceu em 2011 e voltou a diminuir em 2012. Isso é um indicativo de que os moradores estão encontrando formas de reciclar esse tipo de material - afirma a professora.
Na lixeira:
Cocos: O Morro do Borel, na Tijuca, bateu recorde no recolhimento de cocos em 2011. A fruta representou 7,78% do total de lixo da comunidade - percentual muito superior à média de 0,9% das 21 favelas pesquisadas. Em 2012, a liderança foi do Morro dos Macacos, com 4,95% contra uma média de 0,24%.
Panos e trapos: Os Morros do Vidigal e Chácara do Céu, no Leblon, foram os campeões no recolhimento de panos e trapos no ano passado, com 11,23% do total. O segundo colocado foi o Morro dos Macacos, com 9,66%. Foram índices muito superiores à média de 3,39%, que leva em conta este lixo no resto das comunidades. Segundo a professora Elisabeth Ritter, este é um indício que as pessoas nas favelas podem estar comprando mais roupas.
Computadores: Em 2011, os locais onde mais se encontrou componentes de aparelhos foram os morros da Mangueira e do Tuiuti, em São Cristóvão, com 4,87% do total de resíduos, superando em muito a média de 0,35%. No ano passado, o maior percentual foi verificado no Jardim Batan, 2,81%, contra uma média de 0,35%.

O Globo, 02/06/2013, Rio, p. 13

http://oglobo.globo.com/rio/estudo-aponta-aumento-do-poder-aquisitivo-e…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.