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Mais diesel que bio

O Globo, O Globo, p.22
Autor: VIDOR, George
20 de Dez de 2004

Mais diesel que bio
Programas que envolvem fontes alternativas de energia geralmente encontram resistência nos setores que detêm a maior parcela da matriz energética, em parte com razão, pois tais empreendimentos têm boa dose de romantismo e esquecem uma coisa fundamental em economia que é o custo de produção e/ou de oportunidade. Com o biodiesel não está sendo diferente.
O governo espera adicionar 2% de óleo vegetal ao diesel, o que daria aproximadamente 800 milhões de litros por ano. Pode ser que o programa do biodiesel venha a ser um sucesso, como foi o Proálcool, mas os especialistas põem hoje em dúvida a capacidade de o país produzir tamanho volume de óleos vegetais a custos realmente competitivos em relação aos combustíveis já disponíveis.
As autoridades estão apostando na mamona cultivada na região do semi-árido, no Nordeste. A soja, que seria a opção de rápida resposta, sai bem mais cara do que o diesel (quase o dobro do preço).
Um hectare de soja produz cerca de três mil quilos, dos quais podem ser retirados 600 litros de óleo. Pelas taxas de retorno obtidas atualmente pelos produtores (considerando-se também o aproveitamento do farelo), o litro de óleo de soja teria de ser vendido por pelo menos um dólar como biodiesel. Em uma conta simplificada, o metro cúbico de óleo de soja sairia no mercado por US$ 1 mil (sem incluir impostos, custos de distribuição, etc.), enquanto para o consumidor o diesel fica na faixa de US$ 510 a US$ 520, já incorporados custos de distribuição.
Para substituir por óleo vegetal todo o diesel que hoje é importado, o Brasil precisará produzir quatro milhões de metros cúbicos por ano. Equalizando-se os preços, um programa dessa magnitude, utilizando-se a soja como biodiesel nas condições atuais, dependeria de subsídios da ordem de US$ 2 bilhões por ano, muito mais do que o país gasta com a importação do poluente diesel.
O Brasil ainda não produz óleo de mamona nessa escala, mas é pouco provável que esse produto seja mais competitivo que a soja (se o fosse, já teria conquistado outros mercados).
É claro que a simples existência do programa deve estimular ganhos de produtividade que reduzirão custos. O uso de fontes alternativas de energia depende de alguma dose de romantismo. Não toda, mas de alguma, até porque o planeta tem que reduzir rapidamente as emissões de CO2 para atenuar o efeito estufa.
A futura mina de carvão de Moatize, no Norte de Moçambique, que está na maior província carbonífera ainda não explorada no mundo, levará a Vale do Rio Doce a ser uma das grandes produtoras do mineral, o que é estratégico para a empresa.
O crescimento da siderurgia na Ásia e mais os planos da China para aumentar a sua potência instalada em 100 mil megawatts (quase a capacidade de geração de eletricidade do Brasil hoje) somente a partir de usinas termelétricas a carvão valorizaram tremendamente o mineral, cujos preços dobraram este ano no mercado internacional.
Nesse ritmo, nações que importam muito o produto, como o Brasil, poderiam ter o abastecimento comprometido, afetando as siderúrgicas, que são grandes compradoras de minério de ferro da Vale do Rio Doce.
A extração de carvão mineral em Moçambique não será imediata, pois a Vale precisará antes decidir se fará a exploração a céu aberto ou se a mina terá de ser subterrânea. O investimento, na casa do bilhão de dólares, envolverá ainda a recuperação da estrada de ferro até a cidade de Beira e a construção de um terminal portuário, o que certamente atrairá muitas outras empresas para Moçambique, cuja economia se depauperou com a guerra civil de anos atrás.
As refinarias da Petrobras foram estimuladas a produzir mais coque de petróleo (no lugar de óleo combustível) para que a indústria reduza sua dependência em relação ao carvão mineral importado. No entanto, é bem provável que a produção nacional de aço aumente de 32 milhões para 41 milhões de toneladas anuais até o fim desta década, o que ampliará consideravelmente a demanda por carvão metalúrgico, mesmo com toda a oferta de coque de petróleo.
A experiência positiva da Vale no cobre — o metal atingiu a maior cotação da sua história em 2004, exatamente quando a empresa começou a produzi-lo no Pará — deve se repetir agora no carvão. Não é por acaso que o valor de mercado da Vale já se equipara ao da Alcoa (saltou de US$ 8 bilhões, em 1998, para US$ 27,3 bilhões) e as projeções dos analistas indicam que ultrapassará nos próximos anos o de outras grandes companhias internacionais de mineração, como a BHP ou a Rio Tinto.
É possível que as instalações — ou parte delas — da futura siderúrgica da ThyssenKrupp fiquem no município do Rio, na área do distrito industrial de Santa Cruz que é colada ao porto de Sepetiba, cuja jurisdição é Itaguaí.
A decisão do Comitê de Política Monetária (Comitê de Política Monetária) de elevar os juros básicos para 17,75% pode ter duas interpretações, bem distintas. Uma é de que o Banco Central está agindo com toda a responsabilidade para controlar a inflação, e isso se refletirá positivamente no ânimo dos investidores, de forma que a economia continuará a ter bom desempenho em 2005 e 2006. A outra é que, ao trocar inflação por endividamento, as autoridades estão criando uma bomba de retardo que ameaça o futuro desempenho da economia, e nesse caso haveria o risco de os investidores darem meia trava, com a oferta de bens e serviços não se expandindo em volume suficiente para sustentar o almejado crescimento do consumo interno sem pressões inflacionárias.
Só os fatos é que darão a resposta sobre qual das duas interpretações é a mais correta.

O Globo, 20/12/2004, p. 22

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