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Madeira ou usinas nucleares?

CB, Opinião, p. 27
Autor: GOLDEMBERG, José
10 de Mai de 2007

Madeira ou usinas nucleares?

José Goldemberg
Professos da USP, foi presidente da Companhia Energética de São Paulo (Cesp)

Para forçar o Ibama a conceder a licença ambiental das usinas do Rio Madeira, o presidente da República ameaça autorizar a construção de usinas nucleares. A ameaça corresponde a simplificar enormemente um problema complexo, como é do seu feitio. Acostumado a resolver problemas com medidas provisórias, o presidente não se dá conta de que há algo estruturalmente errado com o atual modelo energético adotado no começo do seu primeiro mandato e não apenas má vontade ou preconceitos da área ambiental.

Comparar as usinas do Rio Madeira com usinas nucleares é como comparar laranja com batata. Nem uma nem outra - mesmo se sua construção começasse amanhã - ficaria pronta antes de 6 ou 7 anos. Além disso, o complexo do Rio Madeira poderia gerar cerca de 6,5 milhões de kilowatts e a usina nuclear de Angra dos Reis 3, apenas 1,3 milhão de kilowatts.

Talvez a única semelhança entre as usinas do Madeira e as nucleares seja que são obras extremamente caras. As do Rio Madeira, pela necessidade de construir linha de transmissão de milhares de quilômetros para levar a eletricidade aos grandes centros consumidores. A de Angra dos Reis, porque já custou US$ 700 milhões e serão necessários mais US$ 1,8 bilhão para terminá-la.

Considerar essas usinas como a única maneira de atender à demanda crescente de energia constitui visão totalmente equivocada. O Brasil precisa de 3 a 4 milhões de kilowatts adicionais de energia elétrica a cada ano que passa, e os leilões de energia não estão atingindo esse nível.

Já existem cerca de 7,3 milhões de kilowatts de usinas licitadas ou autorizadas em diversos estágios de implementação. Se fossem concluídas, deveriam resolver os problemas de abastecimento. Sucede que muitas nem saíram do papel, ou estão semiparalisadas devido a problemas não ambientais.

Além disso, existem os 3,3 milhões de kilowatts do Proinfa com energias renováveis (energia eólica, pequenas centrais hidroelétricas e bioenergia) que também estão atrasadas, isso tudo apesar de as tarifas de eletricidade terem subido extraordinariamente. Parece haver uma "indústria" de intermediação de concessões para construção que passam de mão em mão sem que investidores sérios se disponham a investir, por sentir insegurança no marco regulatório.

Por trás das obras do Rio Madeira e da usina nuclear há atuantes lobbies que apresentam suas soluções como mágicas, desorientando o trabalho árduo que é tocar centenas de outras obras mais viáveis e que ficariam prontas muito antes delas.

O que parece haver de errado com o modelo energético é que os planejadores da Empresa de Planejamento Energético confundem concessões e autorização para construir por meio de leilões com construção efetiva.

Fazer do Ibama o bode expiatório do insucesso do modelo energético pode ser confortável, mas não resolve o problema, porque a legislação ambiental é complexa e o Ministério Público pode barrar qualquer licença problemática. É claro que o Ibama poderia ser mais ágil e competente, mas isso o governo deveria ter visto há quatro anos, dando ao instituto os meios necessários para melhorar o desempenho. Junto com certo aparelhamento de um órgão que é essencialmente técnico, o custo para o país tende a ser enorme.

O que se impõe agora é fazer uma análise séria do que impede os 10 mil megawatts de obras que se encontram em andamento e as do Proinfa de serem concluídas. Essa potência corresponde a uma nova Itaipu. Na época do apagão no governo Fernando Henrique, o dr. Jerson Kellman, atual presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), fez brilhante avaliação das causas do problema.

Apontou a falácia dos planejadores de então (como dos atuais planejadores da Empresa de Planejamento Energético), que garantiram que não haveria problemas no setor. Seria o caso de fazer agora uma análise desapaixonada da situação. Não são puxões de orelha do presidente Lula que vão resolver o problema.

CB, 10/05/2007, Opinião, p. 27

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