OESP, Vida, p. A11
29 de Dez de 2009
Lula sanciona lei do clima com vetos
Um deles é o que previa eliminação do uso de combustíveis fósseis; corte de emissão por setor ficará para decreto
Leonardo Goy e Lígia Formenti
Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve sancionar hoje, com três vetos, a lei que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima. O texto formaliza o compromisso do País de reduzir entre 36,1% e 38,9% a emissão de CO2 até 2020, assumido na Conferência das Nações Unidas em Copenhague. Para alcançar a meta, a lei prevê a criação do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, que concentrará recursos para investimentos na área. A lei prevê ainda linhas de crédito e medidas fiscais e tributárias para estimular o uso de tecnologias limpas, como eólica e de fonte solar.
O texto que será sancionado por Lula representa o primeiro passo para implementação da meta assumida em Copenhague. Para ser colocado em prática é preciso que a lei seja regulamentada - uma tarefa árdua, diante da falta de consenso no próprio governo sobre quanto cada setor da economia deverá cortar nas emissões de CO2.
Os vetos foram decididos em reunião do presidente com os ministros do Meio Ambiente, Carlos Minc, e de Minas e Energia, Edison Lobão. Das 10 sugestões de veto à lei apresentadas pelos ministérios, 3 foram aceitas. Uma das alterações, pedida pelo ministério de Minas e Energia, suprime a determinação de o País "abandonar" paulatinamente o uso de combustíveis fósseis. Minc justificou a mudança: "A proposta é estimular fontes limpas e não necessariamente deixar de usar por completo fontes não renováveis."
Outro veto, solicitado pela Advocacia Geral da União (AGU), consiste em dispositivo que estava previsto na lei que proibia contingenciamento de recurso para o combate a mudanças climáticas. "Essa foi uma interpretação técnica. Uma lei ordinária não pode tratar de contingenciamentos ao orçamento", disse Minc.
Também foi determinada uma alteração ampla no artigo 10 da lei, que tratava das estratégias de incentivo a tecnologias limpas. O alvo principal da mudança foi estender às usinas hidrelétricas de grande porte o acesso a políticas de incentivo, até então restritas às pequenas.
As mudanças no texto não agradaram ambientalistas, mas, mesmo assim, as críticas foram comedidas. A estratégia é concentrar forças para a regulamentação, etapa fundamental. A recomendação é que ministérios comecem a trabalhar as suas sugestões a partir de janeiro. "A lei traça diretrizes gerais, é um plano de voo. Nossa preocupação é como fazer com que tais compromissos sejam materializados", disse a secretária do Ministério do Meio Ambiente, Suzana Kahn. Minc gostaria que a regulamentação saísse rapidamente, antes que ele deixe o ministério para disputar as eleições de 2010.
Além da falta de entendimento dentro do próprio governo, há questões que ainda precisam ser amadurecidas. Entre elas está a forma como a política será colocada em prática. Suzana considera essencial, por exemplo, que as atribuições para a condução da política fiquem concentradas em uma entidade nacional. Ela ficaria encarregada de gerir recursos da do fundo criado pela lei - com dinheiro proveniente da exploração do petróleo. O ministério já começou a avaliar as possibilidades. "Há vários formatos possíveis: uma agência específica, uma comissão, uma secretaria. Mas essa discussão ainda é bastante recente, há muito o que se caminhar para que cheguemos a uma proposta, e, principalmente, que ela seja consensual."
Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o pesquisador Carlos Nobre considerou previsível a retirada do texto da expressão "abandono paulatino" do uso de combustíveis fósseis por causa do pré-sal. Para ele, a mudança é um sinal de que a troca de energia fóssil por fontes mais limpas deve ocorrer num ritmo mais lento do que o desejado. Nobre considera essencial que investimentos em fontes limpas sejam prioritários. "Em menos de 50 anos, combustíveis fósseis terão de ser abandonados. É uma tendência mundial."
Há cerca de dois meses, São Paulo foi o primeiro Estado a aprovar e sancionar sua própria lei de mudanças climáticas, prevendo um corte de 20% nas emissões em relação aos níveis de 2005.
Saiba mais
Para combater as ações do homem que contribuem para o aquecimento global, a lei que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima cita como princípios a prevenção, a participação cidadã, o desenvolvimento sustentável e, no âmbito internacional, "responsabilidades comuns, porém diferenciadas"
As medidas a serem tomadas devem ser motivadas por "razoável consenso por parte dos meios científicos e técnicos" e considerar "os diferentes contextos socioeconômicos", distribuindo os ônus "de modo equitativo e equilibrado". Ações de âmbito nacional devem integrar as ações no âmbito estadual e municipal"
Entre os objetivos estão conservar e recuperar recursos ambientais e consolidar e expandir áreas legalmente protegidas, além de incentivar o reflorestamento. Também prevê o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE)
Prevê a promoção de pesquisas e difusão de tecnologias para reduzir emissões, o uso de instrumentos financeiros para ações de mitigação e adaptação e a "promoção da conscientização pública e da cooperação internacional"
Cita "medidas fiscais e tributárias" para estimular ações, como alíquotas diferenciadas e isenções, além de dar preferência, em licitações e concorrências públicas, a projetos que propiciem economia de recursos naturais e redução de emissões de gases-estufa. Também prevê metas "quantificáveis e verificáveis" para reduzir emissões
Para ONG, lei limita-se a declaração de boas intenções
Alexandre Gonçalves
O diretor de campanhas do Greenpeace no Brasil, Sérgio Leitão, classificou ontem a lei que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima de uma declaração de boas intenções. "Inventamos uma lei cujo cumprimento é voluntário", afirma Leitão. "É mais uma bobagem para o velho festival de besteira que assola o país."
Ele considera um erro a decisão do presidente Lula de retirar a menção ao abandono paulatino de combustíveis fósseis. O diretor do Greenpeace pondera que os países desenvolvidos investem na substituição da matriz energética, enquanto o Brasil coloca suas esperanças no pré-sal.
"O Brasil costuma adotar um bom discurso no cenário internacional, como ocorreu na Dinamarca", considera Leitão. "Infelizmente, a prática não condiz com o discurso."
FUTURO
O conteúdo da lei sancionada constituiu um bom cartão de visitas na Conferência do Clima de Copenhague, há dez dias. Mas Leitão acredita que, no próximo ano, nas discussões durante a conferência que será celebrada na Cidade do México, o Brasil deverá mostrar algo mais do que boas intenções.
Em primeiro lugar, precisará apresentar números mais concretos de redução das emissões de carbono e um plano que demonstre a viabilidade real das metas. Depois, terá de mostrar - também com números - que o desmatamento ficou no passado.
Além disso, segundo Leitão, os bancos públicos de fomento deverão atuar de um modo mais incisivo na promoção de investimentos para tornar a matriz energética mais limpa. O governo deverá também privilegiar as atividades de pesquisa voltadas a viabilizar uma economia de baixo carbono.
Presidente pede esforço para obter acordo
Lula conversou por telefone com secretário da ONU sobre debate do clima
Leonencio Nossa e L.G., Com Reuters, Brasília
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que mantenha os esforços para que avancem as negociações de um acordo de combate ao aquecimento global. Segundo o governo brasileiro, o pedido foi feito durante telefonema de Ban a Lula que durou cerca de 10 minutos.
O diálogo ocorreu dez dias após o fim da reunião da ONU em Copenhague, que terminou sem um novo pacto climático para substituir o Protocolo de Kyoto. No telefonema, Lula teria dito ao coreano que considera a ONU o fórum ideal para tratar a questão climática.
Na avaliação da equipe do presidente Lula, o Brasil saiu da conferência como um participante ativo e não como um vilão na discussão sobre mudanças climáticas, ao apresentar uma meta na redução da emissão de gases de efeito estufa, o que causou uma boa impressão na comunidade internacional.
Glossário
Convenção do Clima da ONU:Tratado internacional assinado em 1992, no Rio, por 192 países, que tem o objetivo de estabilizar a concentração de gases-estufa na atmosfera em um patamar que evite o desequilíbrio do clima no planeta
Protocolo de Kyoto: Acordo de 1997, complementar à Convenção do Clima, estipula meta obrigatória de redução de 5,2% das emissões de gases-estufa para países desenvolvidos. O primeiro período de vigência vence em 2012
Fundo de adaptação: Recursos para ajudar os países em desenvolvimento a se adaptarem às mudanças climáticas
Ratificação: Aprovação formal - pelo parlamento ou equivalente - de convenção, protocolo ou tratado. A ratificação ocorre após um país assinar um acordo. Os EUA, por exemplo, assinaram, mas não ratificaram o Protocolo do Kyoto
OESP, 29/12/2009, Vida, p. A11
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