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Lula garante a índios demarcação da reserva

O Globo, O País, p. 10
19 de Abr de 2008

Lula garante a índios demarcação da reserva
Presidente recomenda a caciques que procurem o STF, que suspendeu a operação de retirada dos arrozeiros da área

Luiza Damé e Chico de Góis

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem a líderes indígenas que o governo manterá a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em terra contínua, como prevê o decreto assinado em 2005. Lula ressaltou, no entanto, que o governo já fez o que tinha de fazer, e que o assunto está agora sob a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele se dispôs a procurar ministros do Supremo para defender a posição do governo.
Lula orientou os líderes indígenas e o presidente da Funai, Márcio Meira, a também conversarem com os ministros do Supremo. O STF suspendeu a ação da Polícia Federal para a retirada de arrozeiros da reserva indígena, no Nordeste de Roraima. O assunto acabou dominando o encontro do presidente com líderes de índios que participam do movimento "Abril Indígena - Acampamento Terra Livre 2008", no Palácio do Planalto.
- É uma posição de governo que seja cumprido o decreto homologatório de 2005, assinado pelo presidente Lula, de terra contínua - afirmou Meira, depois da reunião.
Para indígenas, não há risco
Segundo líderes indígenas, na reunião, o presidente deixou claro que manterá a decisão sobre a reserva indígena. O cacique Apurinã, vicepresidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), disse que Lula manterá o teor do decreto.
Pelo que senti hoje, o presidente está com firmeza.
Ele já homologou e vai manter - afirmou o cacique macuxi, Jaci José de Souza, da Raposa Serra do Sol.
Meira e líderes indígenas reagiram às críticas do comandante militar da Amazônia, general Heleno Ribeiro, que atacou a política indigenista brasileira e a homologação da reserva em terra contínua. Para eles, não há risco à soberania do Estado brasileiro, porque muitos índios servem ao Exército.
- O movimento indigenista não é ameaça à soberania do país. É preciso que os militares revejam essa posição equivocada sobre as áreas de fronteira. Eles estão querendo jogar a sociedade contra os indigenistas - afirmou o cacique Marcos Xucuru.
Meira evitou responder diretamente ao general, dizendo que essa é uma questão do Ministério da Defesa e não da Funai. Segundo ele, a política indigenista brasileira - que completará 100 anos em 2010 - tem cumprido o seu papel, inclusive com o aumento da população índia no país. Meira disse que, na década de 70, eram 250 mil índios em território brasileiro, e hoje esse número chega a um milhão.
- Não há nenhum risco à soberania brasileira o fato de nós termos terras indígenas demarcadas, nas áreas de fronteira ou em qualquer outra - disse.
No encontro, Lula assinou o projeto de lei que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista, substituindo a comissão. O presidente também anunciou que participará da próxima reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista, marcada para maio, acompanhado de todos os ministros envolvidos no assunto.
Ontem, além do presidente da Funai, os ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Fernando Haddad (Educação) participaram da reunião.

General Heleno se explica a Jobim
Ministro diz que Lula se satisfez com relato da reunião e afirma que crise acabou

Jailton de Carvalho

Por exigência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o comandante do Exército, Enzo Martins Peri, se reuniram ontem à noite para cobrar explicações do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, sobre suas declarações contra a demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol e a política indigenista do governo.
A conversa demorou mais de uma hora. O Ministério da Defesa não informou o conteúdo das explicações. Segundo auxiliares de Jobim, o ministro fez um relato ao presidente e Lula entendeu as justificativas do general.
- As explicações foram dadas. A questão está superada - disse Jobim, por sua assessoria.
Segundo a assessoria, Heleno não será punido. A crise começou quarta-feira, quando o general fez, no Clube Militar do Rio de Janeiro, duras críticas à demarcação da reserva em terras contínuas. Para o general, a política indigenista do governo é caótica. Heleno disse ainda que o Exército serve ao Estado e não ao governo. As declarações foram consideradas um ato de indisciplina e afronta ao presidente, comandante supremo das Forças Armadas.
Irritado, Lula convocou Jobim e Enzo Martins para uma reunião no Palácio do Planalto na quinta-feira e cobrou uma posição em relação à suposta insubordinação de Heleno. O assunto ganhou ontem novos contornos na solenidade de comemoração do Dia do Exército, no Setor Militar Urbano. Lula acompanhou o desfile das tropas ao lado de Jobim e dos três comandantes militares. O presidente, o ministro e os chefes militares quase não conversaram e deixaram o quartel sem dar entrevistas. A nota do presidente em homenagem ao Exército foi protocolar, com elogios à atuação da Força.
À noite, o general Heleno e Enzo Martins, chamados a Brasília, se reuniram com Jobim das 19h20m às 20h30m.
Após a conversa, Jobim fez um relato ao presidente Lula. O presidente, segundo auxiliares do ministro, entendeu as explicações, e Jobim deu o episódio por encerrado.

Entidades militares apóiam general
Clube da Aeronáutica pede a Heleno que 'não recue'

Flávio Tabak

Três clubes de militares da reserva e reformados divulgaram ontem notas de solidariedade ao comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, e a suas declarações sobre a atuação do governo em relação aos povos indígenas e à Reserva Raposa Serra do Sol.
Com o título de "Não recue, general Heleno", o comunicado do Clube da Aeronáutica, assinado pelo tenente-brigadeiro Ivan Frota, pede que o presidente "não se atreva a tentar negar o sagrado dever de defender a soberania e a integridade do Estado brasileiro". O militar diz ainda na nota que está pronto para apoiar o comandante até "as últimas conseqüências" em defesa da liberdade de expressão.
Um tom parecido foi usado na nota do Clube Militar, assinada pelo general Gilberto Barbosa de Figueiredo. O militar diz que "é estranho o presidente da República pedir explicações sobre o caso", pois isso não acontece quando ministros do PT contestam a política econômica. A mais comedida foi a nota do Clube Naval, subscrita pelo Almirante José Julio Pedrosa, que classifica como "patrióticas" as palavras do comandante da Amazônia. A carta diz ainda que as afirmações representam o pensamento dos militares e de todos os brasileiros.
Os textos foram divulgadas no último dia do seminário "Brasil, ameaças à sua soberania", realizado no Clube Militar. Segundo homem na hierarquia do Ministério da Defesa, o almirante Marcos Marfins. Torres compareceu, mas preferiu não comentar as declarações de Heleno:
- O processo sobre a Raposa Serra do Sol está no Supremo Tribunal Federal, e temos

Declarações dividem oposição

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti

As críticas públicas do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, à política indigenista do governo Lula dividiram a oposição.
Enquanto o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), divulgava ontem nota em apoio ao general, o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM), usou a tribuna do Senado para criticar o fato de um militar da ativa fazer pronunciamentos de caráter político, por mais que concorde com o conteúdo de seu discurso:
- Não estou defendendo o governo Lula, que não tem autoridade e se péla de medo das casernas. O general Heleno tem razão, porque a política indigenista do presidente Lula é caótica. Mas embora tenha razão, não acho que devesse ter falado, porque não é papel dele falar. Lutei muito por democracia no país e não considero justo que voltemos ao tempo dos pronunciamentos militares de caráter político. Se está na reserva, tem liberdade de fazer isso. Mas, se está no serviço ativo, não.
O DEM, em nota assinada por Rodrigo Maia, apoiou o general, que teria sido "ameaçado e intimidado" por ter alertado que a política indigenista do governo teria se transformado em ameaça interna à soberania brasileira na Amazônia. Para o partido, "ao mesmo tempo que sinaliza com punições contra quem age com seriedade, moderação e respeito às leis, o governo atua com permissividade e leniência ante as ilegalidades de grupos que investem contra a democracia, o estado de direito e a segurança pública", em referência ao MST.

Secretário de Direitos Humanos critica Supremo
Para Vannuchi, decisão do STF interrompe ato jurídico perfeito

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, considerou "gravíssima" a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a operação de retirada de arrozeiros da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Ao comentar decisões recentes que afetaram comunidades indígenas, Vannuchi acusou o Judiciário de ser a instância de poder "mais defasada em relação aos direitos humanos". Os comentários foram feitos ontem, durante seminário sobre povos indígenas na Universidade de São Paulo (USP).
Vannuchi considerou "surpreendente" a decisão do STF sobre a reserva. Frisou que a homologação da área cumpriu os requisitos legais e, portanto, a retirada dos arrozeiros deveria ser concluída, para garantir a permanência exclusiva dos índios:
- Com todo o respeito que é obrigatório a um cidadão em relação ao STF, a intervenção interrompe um processo de mais de três anos, com todas as fases de convencimento postergadas, e que é um ato jurídico perfeito.

O Globo, 19/04/2008, O País, p. 10

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