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Lucro consciente

CB, Responsabilidade empresarial, p.3
12 de Out de 2005

Lucro consciente
Empresas adotam conceitos de ecoeficiência, fenômeno que busca produzir mais produtos, de melhor qualidade, gastando menos recursos naturais
Humberto Rezende
Poucas discussões são mais complexas do que a relação entre grandes negócios e preservação ambiental. Empresários reclamam da rigorosa legislação que engessa as empresas, ambientalistas alertam para os efeitos danosos que as indústrias do mundo todo têm causado ao planeta. Em meio a tudo isso, campanhas ecológicas realmente positivas convivem ao lado de iniciativas que mais servem para melhorar a imagem do produto do que para realmente proteger os recursos naturais. Uma coisa, porém, é certa e disso nem o mais ganancioso dos empresários pode discordar: o desenvolvimento econômico não pode consumir, na escala que tem feito, os recursos do planeta. Caso contrário, num futuro muito breve, toda a qualidade de vida das pessoas estará seriamente ameaçada.
Em meio a toda essa discussão, um termo começa a se tornar vez mais conhecido no mundo dos negócios: ecoeficiência. 0 conceito de ecoeficiência aliado à gestão de empresas foi proposto pela primeira vez em 1992, pelo empresário Stephan Schmidheiny, no livro Mudando o Rumo. Mesmo que não conte com a aprovação de todos os envolvidos na questão ambiental, a proposta de Schmidheiny é, sem dúvida, a que mais gera discussões e mais atrai empresários que por algum motivo desejam (ou precisam) ádotar práticas de gestão sustentáveis.
Mais do que uma receita de como fazer, a ecoeficiência é uma espécie de declaração de intenções que os empresários deveriam assumir, na visão do autor. 0 que se propõe é um processo que permita às indústrias aumentarem a sua produção e a qualidade de seus produtos, porém consumindo menos energia e matéria prima. Isso acontece, segundo o autor, se a empresa se concentrar em três focos de ação: reduzir o consumo de recursos, diminuir o impacto sobre a natureza e aumentar o valor dos produtos e serviços.
"A ecoeficiência se resume no conceito de que é possível produzir mais e melhor com menos", diz Fernando Almeida, presidente-executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebeds), uma coalizão de grandes empresas nacionais que representa no Brasil o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), que conta com a participação de 185 grupos multinacionais de todo o mundo.
Segundo Almeida, esse novo conceito rompe com a idéia antiga das empresas de se trabalhar com estações finais de tratamento de resíduos. Ou seja, no modelo antigo, apenas no final do processo a empresa iria se preocupar com a poluição. "A poluição é vista hoje como uma distorção causada por um processo de produção defeituoso" , explica. Assim, o que as empresas buscam hoje é criar uma linha de produção que reduza o consumo de materiais, de energia e a dispersão de substâncias tóxicas, ao mesmo tempo em que promove a reciclagem de materiais, o melhor uso de recursos renováveis e a durabilidade dos produtos. Tudo isso com a vantagem de agregar valor aos bens e serviços, que se mostram mais atraentes para o consumidor.
Na pratica
Algumas empresas no Brasil já estão adotando, há alguns anos, os conceitos de ecoeficiência na sua gestão. A AmBev, maior cervejaria da América Latina, por exemplo definiu sua gestão ambiental com base em três principais ações: reaproveitamento de resíduos sólidos, maior economia de água e energia e diminuição na emissão de poluentes. Para isso a empresa fez uma série de adaptações em seu processo produtivo, atingindo bons resultados.
As ações incluem o uso de biogás em algumas de suas fábricas, a separação da polpa formada dos rótulos das garrafas retornáveis para destiná-los a empresas de reciclagem (o que diminui a emissão de resíduos na natureza) e distribuição de uma cartilha, conhecida internamente como Mandamentos da Água, onde são destacadas práticas como a manutenção de equipamentos para impedir vazamentos e o acompanhamento constante dos índices de cada uma das fábricas.
Com ações desse tipo, a indústria conseguiu, no ano passado, economizar 6% no consumo de gás natural, atingir um índice de 96% de reaproveitamento de resíduos e ficar abaixo do consumo de água considerado ideal para a produção de bebidas (que é de quatro litros de água para cada litro do produto produzido). "Hoje é fundamental para a AmBev conjugar desenvolvimento com sustentabilidade , afama o diretor para assuntos corporativos da companhia, Milton Seligman.
Apesar de estar mais disseminado nas empresas de grande porte (até mesmo porque elas são as mais exigidas pela legislação e pelo mercado), começam a surgir projetos que estimulam a adoção dos conceitos de ecoeficiência nas pequenas empresas. Uma dessas iniciativas é o Projeto de Rede de Produção Mais Limpa, realizado em parceria pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional) e pelo Cebeds.
0 projeto atualmente apóia empresários de 11 estados brasileiros a adotarem medidas que signifiquem redução de gastos, maior produtividade e maior respeito à natureza. 0 trabalho é feito por consultores que fazem junto às empresas uma avaliação e acham soluções para os problemas que identificam no processo de produção.
Em cada caso, as modificações no procedimento de trabalho da empresa e os investimentos são diferentes. Mas uma pesquisa concluída recentemente com empresas que aderiram ao programa mostrou que, em média, para cada real investido, a empresa lucra outros R$ 9. "E com a vantagem de ter sua imagem melhorada e um produto diferenciado no mercado', explica Paulo Alvim, gerente de inovação do Sebrae Nacional.
Acordo
Mas mesmo que os avanços sejam consideráveis, o conceito de ecoeficiência não conta apenas com simpatizantes. E os motivos devem ser, sim, considerados. Ambientalistas chamam a atenção para o i fato de que a idéia de ecoeficiência pode deslocar a atenção para o verdadeiro problema: o nível de produção e consumo hoje no mundo, que está num ritmo muito acelerado e predatório.
"0 que é eficiência?", questiona a socióloga Elisabeth Grimberg coordenadora da área de meio ambiente urbano do Instituto Polis, ONG que atua na área ambiental e de desenvolvimento sustentável.
"Eficiência do ponto de vista dos negócios não é a mesma coisa que do ponto de vista social, diz. 0 que Elisabeth e outros especialistas dizem é que hoje as empresas trabalham com a venda de produtos facilmente descartáveis, pouco duráveis, que precisam ser rapidamente substituídos. Isso gera a produção constante de materiais que vão se
acumulando na natureza, sem que se faça uma dis
cussão aprofundada sobre os atuais padrões de
consumo, onde dois, três carros por família ou um
novo modelo de telefone celular se tornam necessidade. Da mesma forma, algumas medidas como a reciclagem mascaram o problema. `A questão não é só transformar uma garrafa de plástico em vassoura. É diminuir a quantidade de garrafas plásticas produzidas", exemplifica Elisabeth.
0 consumo mais consciente, dizem esses especialistas, precisa ser incentivado, assim como a divulgação de informações a respeito da quantidade de recursos naturais gastos na elaboração de cada produto. Para Elisabeth, a indústria poderia parar de reagir e se adaptar apenas às exigências da sociedade. "As empresas deveriam se antecipar e buscar formas de embalagens menos poluentes e sistemas de reutilização de embalagens. Deveriam também adotar o rótulo ambiental, informando aos consumidores o quanto de água, energia e recursos não renováveis estão gastando para fabricar seus produtos", defende.

Para saber mais
Certificação de sistema de gestão ambiental
Sistema de gestão ambiental é a parte do sistema de gestão de uma organização responsável pelo planejamento e execução de uma política ambiental da empresa. Essa política, por sua vez, é uma declaração da organização expondo suas intenções e princípios em relação ao seu desempenho ambiental, expondo quais são suas ações e quais os resultados a serem alcançados.
Como o mercado e a sociedade estão cada vez mais atentos à política ambiental das empresas, existem hoje alguns certificados concedidos por instituições externas e independentes das empresas que têm o papel de comprovar se as ações e responsabilidades assumidas pela empresa são de fato cumpridas. Esses certificados representam hoje um diferencial competitivo e agregam valor ao produto de uma empresa.
O mais conhecido desses certificados na área ambiental é o ISO 14000, conjunto de normas formuladas pela Organização Internacional pela Padronização, cuja sigla em inglês é ISO, e que tem a ABNT como única representante no Brasil. As normas da ABNT ISO 14001 e 14004 são documentos que contêm os requisitos necessários para a certificação. Dizem o que devem ser feitos, mas não especificam como, cabendo à própria empresa elaborar e documentar todos os procedimentos adotados.

CB, 12/10/2005, p. 3

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