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Licença de Simplício atropelou trâmites da lei

O Globo, Rio, p.18
26 de Set de 2007

Licença de Simplício atropelou trâmites da lei
Fragmentação da obra permitiu que Ibama autorizasse Furnas a iniciar a construção de complexo hidrelétrico

Rolland Gianotti e Túlio Brandão

O licenciamento do Complexo Hidrelétrico de Simplício, que está sendo construído na Bacia do Rio Paraíba do Sul, atropelou os trâmites da legislação ambiental. O Ibama concedeu no dia 15 de janeiro uma Licença de Instalação (LI) - que permite o início da obra - apenas para a abertura do Túnel 3 e infra-estruturas associadas. Ao fazer isso, o órgão federal fragmentou o licenciamento, violando princípios jurídicos que determinam que uma obra sempre seja licenciada na sua totalidade, e não em partes.

A manobra permitiu que as obras do empreendimento, que vão custar R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos, fossem iniciadas mesmo com o não cumprimento de duas exigências que tinham sido estabelecidas na Licença Prévia (LP), emitida em setembro de 2005, e que impediriam a emissão da LI.

Furnas adiantou 12% da obra com licença parcial
Desde a autorização das obras até hoje, Furnas Centrais Elétricas, responsável por Simplício, já construiu cerca de 12% de todo o complexo.

A hidrelétrica é um dos quatro grandes projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal no Estado do Rio.

Segundo a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) 237/97, a LI só pode ser concedida depois de atendidas as exigências estabelecidas na LP. Furnas não conseguiu cumprir a tempo duas condicionantes impeditivas da LP: a outorga do direito de uso dos recursos hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA) e a anuência dos órgãos responsáveis por rodovias e ferrovias em relação aos projetos de relocação de vias.

A Diretoria de Licenciamento do Ibama, em Brasília, reconhece que os trâmites normais não foram atendidos, mas alega que isso aconteceu porque havia a certeza de que as exigências pendentes seriam cumpridas.

- A LI só estaria condicionada ao cumprimento dessas duas exigências se o Ibama entendesse que o cumprimento delas não seria possível. No caso de Simplício, segurar a licença seria um ato puramente burocrático, já que sabemos que as exigências serão atendidas. Estaríamos atrasando uma obra importante por questões pequenas. A boa lógica foi no sentido de se agilizar um processo - disse o diretor de Licenciamento do Ibama, Roberto Messias.

Segundo o Ibama, Furnas já enviou a outorga da ANA e a anuência de entidades rodoviárias e ferroviárias, mas os documentos ainda não foram analisados pelo órgão ambiental.

A fragmentação do licenciamento, no entanto, é contestada por especialistas. Para o jurista Paulo Affonso Leme Machado, autor do livro "Direito Ambiental", a medida é um claro atropelo da legislação.

- A fragmentação cria fatos consumados e faz com que toda a obra já esteja previamente autorizada, mesmo sem a licença integral. Do contrário, o túnel não faria sentido naquele local. Isso tira qualquer possibilidade de uma discussão mais ampla sobre a validade do empreendimento.

OAB vai abrir sindicância para avaliar fragmentação
O presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio (OAB-RJ), Flávio Ahmed, reagiu à notícia da fragmentação do licenciamento. Ele disse que vai abrir uma sindicância interna para avaliar a medida tomada pelo Ibama.

- A fragmentação não pode significar o sobrepasso da exigência legal. Vamos estudar o caso na comissão.

Um especialista do Ministério Público, que não quis se identificar, disse que a estratégia de licenciar às pressas empreendimentos é rotineira:
- É um atropelo ao procedimento do Conama, talvez para acelerar as obras. Jamais vi, na lei, a figura da LI parcial.

O Complexo de Simplício contribuirá, a partir de 2011, com 5% da produção de energia do estado. Para gerá-la, serão alagados 11,8 quilômetros quadrados de terra e desalojados cerca de 1.100 moradores do Médio Paraíba. As usinas abrangem quatro municípios: Sapucaia e Três Rios, no Rio; e Chiador e Além Paraíba, em Minas Gerais.

O Globo, 26/09/2007, Rio, p.18

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