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Lei para organicos deve estimular o setor

OESP, Agricola, p.G4-G5
28 de Jan de 2004

Lei para orgânicos deve estimular o setor
Legislação aprovada em 23/12 foi bem recebida e elogiada quanto aos critérios de certificação
Niza Souza
Pela primeira vez será possível ter a dimensão exata que o setor de produtos orgânicos representa para a agricultura brasileira. No dia 23 do mês passado, o governo aprovou a Lei 10.831, que regulamenta a produção, certificação e comercialização da agricultura orgânica no Brasil. Assim, os orgânicos passam a ser reconhecidos oficialmente como uma categoria de produto específica, à parte da convencional, sendo, por isso, mais preciso o registro e, conseqüentemente, o controle e o volume da produção. Não que antes o setor de orgânicos não tivesse normas a serem seguidas. Elas estavam reunidas na Instrução Normativa IN07, que definia as regras para a produção, e na IN06, que trazia os requisitos a serem seguidos pelas certificadoras de produtos orgânicos. Não tinham, porém, poder de lei.
Normas - Para quem já seguia ambas as instruções, porém, a nova lei não obrigará a mudanças significativas. "Do ponto de vista das exigências, não muda muita coisa para os produtores e certificadoras que já atuavam seguindo os princípios das instruções normativas ou, ainda, segundo as normas da Ifoam, do Codex Alimentarius ou mesmo regras e procedimentos de alguns países ou blocos", explica o coordenador da Comissão Nacional da Produção Orgânica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Rogério Dias.
Segundo ele, a lei ainda precisa ser regulamentada e as normas detalhadas. "O passo agora é a elaboração do decreto regulamentador e dos atos complementares, que devem levar de três a quatro meses", diz. O Ministério deve, ainda, criar um setor para credenciar e fiscalizar as certificadoras. "Estamos organizando e estruturando o sistema de certificação. E, a partir desse momento, um produto que seja certificado dentro desse sistema poderá ser vendido por qualquer distribuidor."
Este é um dos pontos que vão beneficiar produtores que, atualmente, precisam obter certificação de mais de uma certificadora para vender seus produtos. "Hoje isso ocorre porque não existe uma certificação oficial e cada certificadora só reconhece os produtos que ela certifica ou de alguma certificadora com quem tenha um acordo de reciprocidade", explica Dias. "No mercado interno isso vai acabar. Mas no mercado externo vai depender de cada país, se vai reconhecer ou não as normas brasileiras."
Organização - Ele diz, ainda, que a regulamentação da produção orgânica visa a organizar e controlar o setor, dando mais garantias a produtores e consumidores. Segundo Dias, esse tipo de regulamentação já existe na maioria dos países nos quais a atividade agrícola tem importância e nos quais essas regras são consideradas base para a ampliação do comércio internacional de orgânicos. "Sem uma lei, seria praticamente impossível conseguir, dos países importadores, o reconhecimento de equivalência do nosso sistema de certificação de forma a facilitar as nossas exportações."
Para a engenheira agrônoma Araci Kamyama, integrante do Grupo de Agricultura Orgânica (GAO) e da Associação de Agricultura Orgânica, de São Paulo (SP), a aprovação da lei foi um grande avanço. "A partir de agora o setor dispõe de uma lei, que pode punir a quem quiser vender produtos orgânicos fora das exigências." Ela diz ainda que toda cadeia produtiva terá de se adequar, porque a lei define exatamente o que é considerado um produto orgânico. "Não basta apenas não usar agrotóxicos. Há outros princípios dentro do conceito de agricultura orgânica, incluindo os sociais e trabalhistas." Araci acredita também que, a partir de agora, haverá uma tendência de crescimento do setor, incluindo as exportações.
Disciplina - Os diversos segmentos do setor - de agricultores a varejistas - estão otimistas com a aprovação da lei e esperam que a normatização dê um novo impulso ao mercado de orgânicos, a exemplo de outros países que já possuem legislação específica. "A lei vai organizar melhor esse mercado. O reconhecimento oficial deve formentar consumidores e investidores. Com isso, a tendência do mercado orgânico brasileiro é crescer, e muito", acredita o diretor-financeiro da certificadora da Associação de Agricultura Orgânica (AAOCert), Tiago Biusse Ghion, da capital. Para ele, a lei deve servir como disciplinador do mercado. "O Brasil tem hoje cerca de 30 certificadoras e nem todas devem se enquadrar na nova lei."
Grande parte dos agricultores orgânicos recorre a distribuidoras para escoar sua produção. Essa é outra categoria na cadeia que deve se beneficiar com a aprovação da lei. "Era o que faltava. O produto orgânico hoje é quase informal porque não tem um reconhecimento oficial", defende o engenheiro agrônomo Luciano Grassi Tamiso, da Cultivar Orgânicos, distribuidora de São Roque (SP). A Cultivar distribui a produção de 70 produtores e é certificada por duas certificadoras brasileiras, a OIA e a AAO. "Antes era a certificadora que dava a garantia do produto. Agora, isso será feito por um órgão oficial que vai fiscalizar e punir. Isso é muito importante. Sem falar do reconhecimento da certificação de uma para outra certificadora credenciadas pelo Mapa."
No mercado varejista, que agregou produtos orgânicos em suas prateleiras, a expectativa também é de crescimento e aumento de produção. "Não oferecemos orgânicos em todas as lojas porque não há abastecimento suficiente", diz o diretor-comercial de Hortifruti Leonardo Miyao, do grupo Pão de Açúcar. Há cerca de dez anos a rede comercializa formalmente produtos orgânicos e, segundo Miyao, o setor vem ganhando impulso nos últimos anos. "Talvez seja porque o consumidor está buscando mais qualidade de vida."
Apesar de reconhecer o crescimento dos orgânicos no Brasil, a participação nas prateleiras da rede ainda é pequena, representando cerca de 3% dentro do contexto de frutas, legumes e verduras. "Antes era menor ainda." Mas a proposta, diz o diretor, é aumentar. "Mesmo porque a regulamentação deve melhorar a fiscalização da produção orgânica."
Não há números exatos. Mas estima-se que a produção orgânica no Brasil movimente de US$ 90 milhões a US$ 150 milhões por ano. A produção de hortaliças emprega o maior número de pessoas, enquanto açúcar, café e soja geram a maior fatia das receitas.

No campo, pouca mudança prática
Embora os produtores orgânicos tenham comemorado a aprovação da lei que regulamenta a produção orgânica no País, no campo pouca coisa muda. "O maior beneficiado será o consumidor, que terá mais garantias do produto que está comprando", diz o produtor de legumes e frutas orgânicas Fernando Ataliba, de Indaiatuba (SP). Para ele, a lei vai uniformizar e formalizar a produção orgânica. "Para nós, produtores, que já somos orgânicos e trabalhamos na IN07, não muda nada. Há certificadoras até mais exigentes que a lei." Em seu sítio, de 36 hectares, Ataliba cultiva frutas, legumes e hortaliças, sendo as principais tomate (50 toneladas/ano), vagem (40 toneladas/ano), cebola (30 toneladas/ano) e uva (7 toneladas/ano). O produtor entrou no ramo dos orgânicos há sete anos. Segundo ele, a maior dificuldade hoje é escoar a produção e fazer com que chegue ao consumidor por um preço justo. Ataliba entrega cestas em domicílio e também vende na feira de produtos orgânicos no Parque da Água Branca, na capital, às terças-feiras.
Distribuidoras - Só por esses meios, porém, não consegue escoar toda a produção. Por isso, também repassa seu produto para distribuidoras, que abastecem grandes redes varejistas. "Meus produtos vão para hipermercados como Pão de Açúcar, Wall Mart e Sé." Mas o produtor reclama que já chegou a ver seu produto encarecido em até 400% nas prateleiras. "Ano passado, lembro que o tomate saía daqui por R$ 2,80 o quilo e vi num supermercado por R$ 16,00. Isso elitiza o produto orgânico, o que não é bom."
Segundo dados da Ifoam, o preço do orgânico é, em média, 20% maior do que o produto convencional. "Enquanto a agricultura convencional busca tecnologia, a orgânica ainda gasta muito com mão-de-obra", diz. Outro item encarecedor no sistema orgânico, destaca Ataliba, é o transporte. "A produção e a comercialização ainda são pequenas e fica caro levar o produto a longas distâncias."
A alta margem de lucro imposta pelos hipermercados nos orgânicos também desanimou os produtores Carlos Adilson e Dorival Roncaglia, de Valinhos (SP). No sítio da família, de 7 hectares, 4 são destinados ao plantio de frutas orgânicas. O destino da produção, que alcança 30 toneladas por ano, já foi para o varejo, mas os produtores estão mudando o mercado. "Tentamos vender para hipermercados, mas eles pagam pouco e vendem caro para o consumidor", diz Dorival. Como a maioria dos produtos é perecível, o que não é vendido o produtor tem de repor. "Não compensa. Infelizmente, ainda somos um sistema alternativo."
Com a aprovação da lei, a expectativa dos produtores é a de que o governo crie mais incentivos para o produtor orgânico e para o consumidor. "Quem sabe agora teremos financiamento específico", destaca Ataliba. Aumentando a procura do consumidor pelo produto orgânico, estima, o preço também tende a baixar. Roncaglia concorda. "O mercado orgânico ainda é muito pequeno, mas acho que o crescimento é questão de tempo."
Perdas - Na produção em grande escala de orgânicos, os problemas não são diferentes. "Os grandes hipermercados aplicam uma margem muito maior do que a aplicada em produtos convencionais e acabam tornando inviável o orgânico para grande fatia do consumidor", diz o diretor-comercial da Native Orgânicos, Leontino Balbo Jr., de Sertãozinho (SP), que produz açúcar, café e sucos orgânicos. A Native produz cerca de 17 mil toneladas de açúcar orgânico por ano. Além disso, ele destaca que a aprovação da lei foi um pouco tardia. "Infelizmente, a lei está vindo tarde demais para nós. Já perdemos negócios por causa da falta de regulamentação."
Balbo diz que a falta de uma legislação para a produção orgânica estagnou a expansão da linha de sucos da Native. "Algumas embalagens, como as de suco, precisam de registro no Mapa, que não está aprovando. Faz um ano e meio que esse projeto está parado e não podemos vender os produtos", reclama. Para ele, o consumidor de orgânicos é muito exigente, mas o mercado tem potencial. "A Native cresceu 40% em vendas nos últimos anos, mas poderia crescer mais se tivéssemos conseguido lançar outros produtos."
As grandes redes varejistas, porém, se defendem. O diretor comercial de FLV (frutas, legumes e verduras) do grupo Pão de Açúcar, Leonardo Miyao, afirma que o produto orgânico já foi muito mais caro nos supermercados. "Somos o grande regulador de preço e chegamos a vender com margens mais baixas do que as do convencional." (N.S.)

OESP, 28/01/2004, p. G4-G5 (Agrícola)

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