VOLTAR

Lei de biodiversidade trava inovação

OESP, Vida, p. A31
24 de Out de 2010

Lei de biodiversidade trava inovação
Academia e indústria avaliam que a medida provisória que regula o acesso à biodiversidade, em vigor desde 2001, restringe a pesquisa

Afra Balazina
Com vasta riqueza em espécies de plantas e animais, o Brasil pouco avança na inovação científica a partir da biodiversidade. Para empresas e pesquisadores, o maior entrave é a atual legislação para coleta e exploração de recursos genéticos.
Ninguém envolvido com a questão defende liberdade absoluta para pegar e usar espécies da natureza em pesquisas ou para criar produtos, como remédios e cosméticos. Mas academia e indústria avaliam que a medida provisória que regula o acesso à biodiversidade, em vigor desde 2001, é problemática.
"A legislação atual é uma barreira à pesquisa aplicada e à pesquisa pura", diz Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura. O gerente técnico científico da Aché Laboratórios, Emerson Queiroz, considera a lei "de tamanha complexidade que desestimula o aproveitamento desses recursos, dada a dificuldade de se obter autorização para acessar e pesquisar os recursos genéticos".
Ele dá um exemplo concreto. A legislação exige que antes do desenvolvimento do produto se efetive um contrato de repartição de benefícios - para pagar comunidades tradicionais, como índios, que já utilizem a planta ou animal analisados.
"Ocorre que os estudos de desenvolvimento de fármacos são de longa duração, possuem elevado custo e apenas uma pequena fração chega ao mercado. Assim, o eventual pagamento deveria incidir apenas no produto efetivamente desenvolvido e comercializado", argumenta.
Segundo empresas, a situação não é muito melhor no resto da América Latina. "Apenas a Colômbia está interessada em aperfeiçoar seu marco regulatório", diz Gutilla. No Hemisfério Norte, as leis são mais simples - mas muitos países já não têm florestas nem diversidade de espécies. "Ainda não existe um país que conseguiu estabelecer um sistema jurídico adequado e justo", afirma Queiroz.
Biopirataria. Os cientistas reclamam que são vistos como biopiratas e criticam principalmente o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), que avalia e autoriza projetos que necessitam de coleta de materiais. "Da forma como está, somos todos ilegais", diz Vanderlan Bolzani, vice-diretora da Agência Unesp de Inovação. Ela desistiu do último projeto por não conseguir autorização para fazer novas coletas. "É mais fácil um estrangeiro vir ao País e levar pequenas amostras, que são suficientes para estudar, e patentear lá fora um composto da nossa flora."
Em 2008, o governo se comprometeu com os cientistas a resolver a questão. Um projeto de lei foi elaborado, mas nunca chegou ao Congresso. "Foi para a Casa Civil e não avançou. Fiz tudo o que estava a meu alcance para resolver", disse Luiz Antonio Barreto de Castro, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia.
O País acabou indo à COP-10 da Convenção sobre Diversidade Biológica, em Nagoya, com a lacuna. A reunião, que termina nesta semana, pretende firmar compromissos para garantir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade nos próximos dez anos. O Ministério do Meio Ambiente, que preside o Cgen, afirmou não ter resposta às críticas, pois a ministra Izabella Teixeira e o secretário de Biodiversidade e Florestas, Bráulio Dias, estão em Nagoya.

''Desafio é conectar a qualificada academia com o setor produtivo''
Ronaldo Mota, Secretário Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação
Para o secretário nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), Ronaldo Mota, as empresas que atuam no País ainda são acanhadas no que diz respeito à inovação. Mas tem havido avanços.

Quais são os maiores desafios para fazer inovação no País?

A ciência avançou muito no Brasil. No entanto, a inovação tecnológica em nossas empresas ainda é tímida. Essa situação decorre da carência de cultura de inovação no ambiente empresarial e da insuficiente articulação entre as políticas industrial e de ciência e tecnologia. O maior desafio é estabelecer pontes conectando nossa qualificada academia com o setor produtivo. Até recentemente, o principal instrumento para apoiar inovação era o crédito da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O quadro tem mudado rapidamente nos últimos anos.

O que mudou?

A Lei do Bem, de 2005, concedeu incentivos fiscais para empresas que realizem atividades de pesquisa tecnológica. Em 2006, 130 empresas declararam investimentos de R$ 2,2 bilhões. Em 2008, o número de empresas saltou para 460 e os investimentos atingiram R$ 8,8 bilhões. Em apenas três anos, o incremento do número de empresas é da ordem de mais de 250% e o aumento dos valores, de 300%. No ano passado, 635 empresas se apresentaram.

Em que áreas temos inovação relacionada à biodiversidade?

Temos investido em áreas como fármacos, medicamentos e nanocosméticos dentro da rede Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec). E há estudos sobre plásticos de cana-de-açúcar com promissor futuro.

Papéis de países ricos e pobres se invertem
Herton Escobar

Na geopolítica da biodiversidade, os papéis de ricos e pobres muitas vezes se invertem. Os países economicamente mais ricos são, em sua maioria, os biologicamente mais pobres. E os que possuem a maior biodiversidade são, tipicamente, os que têm menos dinheiro.
Na sua missão de promover a conservação da biodiversidade mundial, portanto, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) defronta-se com o sério problema de que as riquezas biológica e econômica necessárias para protegê-la pertencem a atores diferentes, com interesses e prioridades distintas.
E, se já é difícil conseguir dinheiro para combater a fome e a miséria humana, imagine para florestas, tigres e baleias.
Uma das premissas desta convenção é que os países mais desenvolvidos devem apoiar financeiramente e tecnologicamente a conservação da biodiversidade nos países menos desenvolvidos. Não se trata de uma doação, mas de uma obrigação.
A convenção determina que os países têm soberania sobre seus recursos biológicos, é verdade. Mas nem por isso a biodiversidade deixa de ser um patrimônio global. Quando uma espécie é extinta ou um ecossistema é destruído, quem perde não é apenas o país de origem; é o planeta inteiro.
Os países em desenvolvimento, portanto, têm a razão e o direito de cobrar apoio dos países desenvolvidos. Se o problema é global, os esforços para combatê-lo devem ser igualmente globalizados. Promessas e metas ambiciosas não servem de nada se não houver recursos para colocá-las em prática. Se os países desenvolvidos têm um interesse genuíno de preservar a biodiversidade global, a única maneira de fazer isso é investindo nos países em desenvolvimento.

OESP, 24/10/2010, Vida, p. A31

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101024/not_imp629010,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101024/not_imp629011,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101024/not_imp629012,0.php

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.