VOLTAR

Joênia Wapichana, exemplo de resistência

ISA - NSA
02 de Dez de 2004

A destruição de quatro aldeias indígenas na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, no último dia 23 de novembro, em Roraima, e a violência contra os índios fez a voz de Joênia Batista de Carvalho Wapichana soar mais forte. A assessora jurídica do Conselho Indigenista de Roraima (CIR) é uma das principais lideranças na defesa dos direitos territoriais dos povos indígenas da região. Por sua atuação, também marcada pela defesa de vítimas de ameaça de morte, tortura e discriminação racial, Joênia foi uma das finalistas do prêmio Claudia 2004, entregue ontem (2/12) em São Paulo,na categoria Trabalho Social. Leia entrevista que concedeu ao ISA sobre os últimos acontecimentos na Raposa-Serra do Sol.

Joênia Wapichana: reconhecida por sua luta.

O caso da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, área de 1,67 milhão de hectares onde habitam cerca de quinze mil índios, pertencentes a cinco etnias – Ingarikó, Patamona, Tauarepang, Macuxi e Wapixana –, se arrasta há mais de 20 anos. A homologação é esperada desde 1998, quando a área foi declarada de posse permanente dos índios. Enquanto isso, as tensões se acumulam e a violência cresce. De um lado, estão os índios favoráveis à homologação contínua. De outro, os fazendeiros de arroz – que ocuparam parte das terras ilegalmente - e alguns grupos indígenas que querem a homologação em ilhas, ou seja, deixando de lado uma sede de município, vilas, estradas e fazendas de arroz.

Em janeiro deste ano, fazendeiros e índios contrários à demarcação em área contínua incendiaram a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em Boa Vista, bloquearam estradas e fizeram três padres reféns. Poucos meses depois desses episódios, Joênia - primeira advogada indígena do Brasil - foi à Washington, nos EUA, denunciar a violação dos direitos indígenas no País, à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Sobre os últimos acontecimentos em Roraima, ela concedeu, no dia 25 de novembro, a seguinte entrevista ao repórter do ISA Oswaldo Braga de Souza.

ISA – Qual avaliação que vocês, do CIR, fazem da fala do ministro Márcio Thomaz Bastos? É possível fazer uma homologação em área contínua excluindo vilas, a sede do município e as estradas?

Joênia – Infelizmente, só podemos lamentar. O governo está se contradizendo ao afirmar que vai atender aos direitos indígenas e, ao mesmo tempo, excluir alguns trechos de território. Isso vai beneficiar grupos que estão envolvidos em ações criminosas como as ocorridas nos últimos dias. Temos informações de que moradores de Uiramutã teriam participado dos ataques. As vilas do município servem de apoio a garimpos clandestinos e a rotas de tráfico de drogas. Ainda que tenha acontecido um avanço na identificação e demarcação em área contínua, agora o governo está retrocedendo. Isso é totalmente inconstitucional e está tendo respaldo da administração federal. Excluir o município não é homologação em área contínua, é uma homologação retalhada. Não consigo prever uma convivência pacífica se as coisas acontecerem dessa forma. Não há problema quanto às estradas. Outras terras indígenas têm estradas e não foi preciso incluir um mecanismo diferente no decreto de homologação.

ISA – Qual a relação entre o discurso do governo federal e os acontecimentos recentes na Terra Indígena Raposa-Serra do Sol?

Joênia - Em 2003, o ministro da Justiça esteve em Roraima e ocorreram várias consultas e até audiências públicas com todos os interessados. O ministro fez declarações a favor da homologação em área contínua. Isso gerou os protestos e a grave crise política de janeiro de 2004, com bloqueio de estradas, invasão da sede da Funai, seqüestro de três padres e a intimidação de várias comunidades. Isso já havia acontecido antes.

ISA – Mas a que você atribui os ataques recentes?

Joênia - Em várias ocasiões, no curso dos processos judiciais, os fazendeiros admitiram que têm interesses nas áreas onde estão as comunidades que foram atacadas. Seriam áreas de expansão das plantações. Os fazendeiros vinham, inclusive, avançando as cercas, tentando ampliar as ocupações. Eles estão se sentindo muito poderosos. Estão agindo com muita audácia em praticar esses atos e têm a impressão de que a Justiça não fará nada, que continuarão impunes. Eles acreditam que a culpa será atribuída aos índios que estão cooptando. Os fazendeiros usam alguns índios como escudo. O estado de Roraima tem uma história de impunidade e de violências contra comunidades indígenas. Eles já fizeram isso antes, não aconteceu nada.

ISA – Por que existem grupos de indígenas contrários à homologação em área contínua?

Joênia – Existem investigações da Polícia Federal que comprovam que alguns fazendeiros estão manipulando setores indígenas. Eles estão bancando os bloqueios nas estradas e foram os seus tratores que destruíram as casas. Quem comanda são os não-índios. Também existem depoimentos que afirmam que muitos manifestantes contrários à homologação em área contínua agem obrigados. Às vezes, são enganados, nem sabem para onde estão indo ou acham que estão indo a alguma festa. A permanência dos invasores facilita este tipo de ação.

ISA – Qual o objetivo?

Joênia – Ao dividir os índios, os produtores rurais usam o velho discurso do governo estadual de que a homologação em área contínua vai acirrar conflitos entre as próprias comunidades.

ISA – Quem está contra a homologação em área contínua?

Joênia - Lula já conhecia o problema da Raposa-Serra do Sol. Esperávamos que ele homologasse a Terra Indígena conforme a sua demarcação original. Como isso era uma das promessas do novo governo, começaram a ocorrer uma série de protestos da parte dos grupos anti-indígenas que têm interesses econômicos na região. Foi organizada uma grande mobilização que juntou o governo estadual, políticos, parlamentares, grandes latifundiários e os rizicultores que atuam na área.

ISA – A ação do governo em relação aos ataques do dia 23 foi correta?

Joênia - A polícia poderia ter agido com mais rapidez... As outras três comunidades foram atingidas depois de fazermos a denúncia sobre o primeiro ataque. Os invasores também ameaçaram destruir outra comunidade – Pedra Branca. Há ainda muito receio em relação às comunidades mais próximas das plantações, como é o caso de São Francisco. Até agora, não temos notícia de prisões.

ISA – Como está a situação hoje na área?

Joênia – As comunidades ainda estão ameaçadas. Existe um clima generalizado de revolta. Imagine a cena: juntaram os alimentos, roupas, panelas, redes e recolheram os animais para botar fogo. Também destruíram as plantações. A intenção é a de que a comunidade não fique ali. Mas as pessoas não vão sair do lugar e já começaram a reconstruir as casas.

ISA – O que precisa ser feito pelo governo agora?

Joênia – Estivemos com o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda,com o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes e com a Polícia Federal. Queremos punição. Chega de impunidade! Não basta instaurar os inquéritos. Enquanto essas pessoas estiverem soltas, elas continuarão a comandar ações desse tipo. Queremos a prisão dos líderes desses atos. Se os culpados fossem indígenas, haveria uma caçada permanente. Pedimos uma proteção, uma força-tarefa permanente. Também precisamos reforçar o posto da Funai com policiais federais para garantir a proteção da comunidade. A questão ultrapassa o âmbito da Funai e até mesmo da Polícia Federal. É preciso o envolvimento da Presidência da República.

ISA – O que pode acontecer com a demora na homologação da Raposa-Serra do Sol?

Joênia - A indefinição e a morosidade só alimentam esse tipo de ações violentas contra os indígenas, além de fomentar novas divisões entre os próprios índios. Outros invasores podem achar que a Terra Indígena é terra de ninguém”. Já ouvi várias pessoas dizendo que na Raposa não existem índios coisa nenhuma. Também ocorre comércio de terras públicas na região.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.