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Jardim botânico na serra do Mar vai 'engolir' bairro

FSP, Cotidiano, p. C1 e C4
19 de Out de 2010

Jardim botânico na serra do Mar vai "engolir" bairro
Criado pelo governo de SP, projeto prevê desapropriar 1.400 casas em Cubatão
Prefeita diz que Estado não discutiu proposta e ameaça ir à Justiça; objetivo é preservar espécies da região

José Benedito da Silva
Guto Lobato

A criação de um jardim botânico na serra do Mar, em Cubatão (Baixada Santista), com área igual à de 441 campos de futebol, fará desaparecer um bairro inteiro, com 1.400 casas, e já desencadeia uma queda de braço entre o governo, dirigido pelo PSDB, e a prefeitura, pelo PT.
O Jardim Botânico de Cubatão, formalizado neste mês pelo governador Alberto Goldman (PSDB), tem 364 hectares, é o maior do Estado em área total e superior aos de São Paulo (164) e Rio (137).
A área de visitação deverá ter 38 hectares. O objetivo é conservar, pesquisar e expor espécies de flora da mata atlântica, principalmente as que só existem na região.
O projeto prevê estacionamento, lanchonete e área de convivência. A obra, de R$ 40 milhões, será financiada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
O jardim será onde hoje está o Água Fria, um bairro ilegal erguido principalmente por migrantes às margens da via Anchieta antes mesmo da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, em 1977.
"Eu não conheço [o projeto] nem o meu povo conhece", afirma a prefeita Márcia Rosa (PT), que critica o governo por não discutir a proposta e não ter feito audiência pública no local. O governo diz ter feito audiência em São Paulo. A proposta foi aprovada pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente.
A prefeita diz não ser contra o jardim, que melhoraria ambientalmente a imagem da cidade, famosa pela poluição industrial nos anos 70.
Mas afirma que a área não é adequada por ser a mais plana da região e por abrigar famílias há mais de 70 anos.
Bem estruturado, o bairro possui luz, telefonia fixa, posto de saúde, igrejas, linha de ônibus e três acessos, mas falta rede de esgoto. A maioria das casas é de alvenaria e não está em área de risco.
O decreto de Goldman, que não fixa prazo para as desapropriações, levou à criação do "Movimento Água Fria Urgente", formado por moradores e entidades e que prevê um protesto hoje.
A prefeita diz que não descarta a via judicial, mas vai priorizar uma negociação para alterar o projeto. Mesma posição defendida por Elza Jordão, 52, dona de uma casa de dois andares no bairro.
"Tenho fé de que o governo vai repensar essa decisão e cogitar deixar nosso bairro onde ele sempre esteve", diz.
"De jeito nenhum", afirma o coronel Elizeu Eclair, coordenador-geral do Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar.

Fim de bairro em Cubatão é fundamental, diz governo
Coordenador de programa afirma que retirada dos moradores é legal
Prefeita diz que vai tentar negociar depois do término da eleição à Presidência; moradores pretendem ir à Justiça

O governo de SP diz que a retirada dos moradores da área do Jardim Botânico de Cubatão será feita dentro da lei, que ela é fundamental para a recuperação ambiental da região e que não pode ser alterada porque é exigência de um acordo firmado com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
"Nada foi feito contra a lei", diz o coronel Elizeu Eclair, coordenador-geral do Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar. É nesse programa, criado em 2007, que está o Jardim Botânico. A área integra o programa "21 Projetos Ambientais Estratégicos", uma espécie de plano de metas do governo para o setor.
O governo tem, segundo Eclair, duas justificativas para tocar o projeto mesmo com a oposição da prefeitura e dos moradores: uma ambiental e outra judicial.
"O bairro Água Fria está totalmente no Parque da Serra do Mar, ao lado do rio Cubatão, onde são captados 70% da água que abastece a Baixada Santista." O bairro não tem rede de esgoto.
A retirada das famílias foi determinada por decisão judicial de 1991 -quando o Estado ganhou ação de reintegração de posse- e outra de 1999 -ação da Promotoria.
No total, o programa deve retirar cerca de 5.500 famílias do parque, a maioria nos bairros-cota (que estão acima de determinada altitude). Até agora, 512 já saíram de forma voluntária. As famílias retiradas irão para imóveis da CDHU, com parte do financiamento subsidiado.
Há programas habitacionais em andamento em Cubatão e outras cidades.

REUNIÕES
Eclair afirma que, além de ser conhecido desde 2007, o projeto foi alvo de "vários" encontros com moradores e com a gestão anterior da prefeitura. "Conheço cada um dos moradores da área."
Ele criticou a oposição ao projeto da atual gestão, comandada pela prefeita Márcia Rosa (PT). "Acho um absurdo pessoas públicas, que são réus como o Estado, serem contra o projeto."
A prefeita diz que suas críticas são vistas com ressalvas por conta da eleição presidencial. "Tudo o que digo é encarado como se tivesse motivação eleitoreira." Ela afirma que vai procurar o governo para conversar assim que terminar a eleição.
Ivan Hildebrando, presidente da Sociedade de Melhoramentos de Água Fria, diz que o "Movimento Água Fria Urgente", que integra, pretende ir à Justiça. "Somos legítimos moradores."

Casa abrigou 4 gerações da mesma família

A casa de três cômodos e aparência simples, porém bem cuidada, não transparece os 82 anos desde a sua construção.
O imóvel abrigou quatro gerações de uma das primeiras famílias a se instalar no bairro Água Fria. Hoje, o casal Noé Lourenço, 60, e Maria Helena Jordão Costa, 54, vive o drama de ter de deixá-lo.
"Reformamos, ampliamos, cuidamos. Agora, vão demolir tudo e vamos morar em miniapartamentos que nem são nossos", diz Maria Helena.
"Adoro o bairro, o contato com a natureza", afirma a comerciante Marianita dos Santos Silva, 57, que há 22 chegou de Recife.
"Nada impede que o bairro seja urbanizado e integrado ao Jardim Botânico. Só ocupamos 10% do terreno do parque", alega. Ivan Hildebrando, presidente da Sociedade de Melhoramentos do bairro.

FSP, 19/10/2010, Cotidiano, p. C1 e C4

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1910201001.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1910201002.htm

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