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A Jaca de Lula

O Eco
Autor: PÁDUA, Maria Tereza Jorge
27 de Nov de 2006

A Jaca de Lula

Maria Tereza Jorge Pádua

O menos que se pode dizer é que Lula botou o pé na jaca, termo atualmente em moda, graças a nossa educadora televisão. Ninguém esperava, e muito menos a autora, que o nosso reeleito Presidente fosse ser mais prudente nas suas falas, nem, muito menos, que seu duro coração metalúrgico tivesse um pouco mais de simpatia ou compreensão pela natureza. Mas, seu rompante contra os ambientalistas, a legislação ambiental, o Ministério Público e, também, contra os índios e os quilombolas, superou todas as expectativas. Por fim, Lula mostrou inequivocamente o que na realidade sempre pensou com relação a esses temas.

Qualificando os ambientalistas, o licenciamento ambiental, os índios e os quilombolas de entraves para o crescimento, sem esquecer os membros do Ministério Público, fez questão de se comprometer a "destravar" esses obstáculos até o 31 de dezembro deste ano. Fez isso, lamentavelmente, numa localidade denominada "Barra dos Bugres", nome que faz referência pejorativa aos índios. Ademais, ironicamente, a palavra bugre também é usada para qualificar pessoas rudes ou incultas. Pois lá estava o Presidente, acompanhado do rei absoluto da soja mundial e Governador reeleito do Estado de Mato Grosso que como sempre reclamava maiores vantagens para seu negócio, especialmente com referência a energia e transporte.

Não me atrevo a pensar a classe de conselhos que o nosso Presidente recebeu na ponte sobre o rio Orenoco de seu colega, aprendiz de ditador venezuelano, que permitirão no pouco tempo restante até o fim do ano, destravar tantos assuntos tão complexos. "Destravar" sem passar acima da lei, não vai ser possível e, a Deus agradecemos por ter o Ministério Público e o Poder Judiciário para nos proteger do "destrave" violento anunciado. De outra parte, surpreende muito que Lula esteja vendo nos índios e nos quilombolas um entrave, quando seu partido político e seu plano de governo os consideram aliados indispensáveis do desenvolvimento.

Para nós, os ambientalistas, os índios e quilombolas são ótimos aliados da conservação dos recursos naturais, sempre e quando não invadam as unidades de conservação. Jamais teríamos pensado em chamá-los de "entraves" ao desenvolvimento. Muitos socioambientalistas, em especial os de linhagem petista, devem estar muito confundidos e grandemente frustrados. Diga-se de passagem, que a única concessão que o Presidente fez à sua colega e amiga, a Ministra Marina Silva, foi não incluir as populações tradicionais e os extrativistas, entre os "entraves". Ou será que simplesmente os esqueceu?

Falando do socioambientalismo é interessante a coincidência de que o Instituto Socioambiental (ISA) vem publicando, há alguns dias, uma série de excelentes artigos sobre o desmatamento na Amazônia, revelando que, apesar de muito papo, este tem aumentado no governo atual, em comparação com o anterior. O mais importante é que neles se confirma que é graças aos territórios indígenas e às unidades de conservação que o avanço do desmatamento e das queimadas vem diminuindo. Deve ser este fato que deixou o Governador de Mato Grosso muito chateado e que provocou o destempero do Presidente. Coincidência ou não, no mesmo dia, o comunista Aldo Rebelo, Presidente do Congresso, também, lançou uma diatribe contra as organizações não governamentais e os ambientalistas que se opõem ao avanço da soja e da pecuária na Amazônia. Declarou que não se pode privar o "direito" da população da Amazônia de ser operária das fazendas de soja e de gado e que não podemos atacar os produtores, como se fossem criminosos.
Os comunistas mudaram muito!

O que mais irrita aos governantes, da esquerda e da direita, é ter que respeitar um mínimo de regras para condicionar o desenvolvimento às necessidades do futuro. Eles nem parecem saber o que todas as notícias do mundo lembram todos os dias. O planeta está ameaçado pelo desenvolvimento selvagem, sem cuidados nem restrições. O Lula se conforma aceitando a criação de novas áreas protegidas, sem dar nem um centavo para se cuidar delas. E isso é tudo. Em compensação parece que pretende destruir todo o resto e as áreas protegidas, também, mais tarde. O pior é que, na verdade, nem pretende isso. Ele não pretende nada. Apenas escuta os interesses privados que permitiram sua reeleição.

Que fazia o Presidente em Barra dos Bugres? Pois inaugurava uma planta de biodiesel, que foi feita como parte de um programa nacional lançado por ele e que, como seu predecessor o Proalcool, foi aprovado e financiado, sem nenhum estudo de impacto ambiental estratégico. Os impactos ambientais prováveis do programa do biodiesel, como já foram descritos em colunas do "O Eco", podem ser piores que os do Proalcool. Este consolidou a eliminação da Mata Atlântica e de sua biodiversidade, secou rios, contaminou os solos, as águas e o ar e converteu em escravos autômatos milhares de brasileiros pobres. O programa biodiesel pretende, agora, fazer o mesmo com a Amazônia, apenas para dar uma ilusão de ambientalismo, através da redução da contaminação urbana e da sua suposta sustentabilidade. Mas, na realidade, apenas é feito para satisfazer os interesses do capital ou, se preferirem, fazer mais afagos aos que já são os mais ricos deste país.

Todos esses são fatos são muito tristes e, sinceramente, não teria gostado de ter que comentá-los. Tudo indica um retrocesso imenso de décadas, na já tão prejudicada área ambiental. O Governo Lula não estava fazendo um bom serviço quanto a temas ambientais, embora se mantivesse mais ou menos acima da média da região. Com esse pronunciamento e com essa atitude, nosso Presidente colocou o Brasil entre os países com o pior prognóstico possível, exatamente na contramão de tudo o que se espera do maior país da América Latina. Esquece, ainda, o Presidente que os ambientalistas não são burros e nem tampouco despreparados e que não queiram o desenvolvimento do país. Ninguém é contra a soja, a maior oferta de energia, a busca de combustíveis menos poluidores, a menos desperdício. Aonde e como fazer é a questão principal. Já temos 60 milhões de hectares desmatados na Amazônia.

A agricultura não precisa desmatar mais para que o país tenha uma excelente produção. Alternativas de geração de energia não passam necessariamente pela morte de todos os rios amazônicos. Há tecnologias em que o bom senso deve prevalecer para que se garanta a proteção de nossos recursos naturais. Há, sim, que se evitar o crescimento a qualquer preço, para atender demandas de políticos passageiros. A estratégia de um desenvolvimento mais equilibrado passa por decisões políticas de estadistas, que se preocupam verdadeiramente com o futuro do país, de seus recursos e das gerações vindouras e não com se fazer dinheiro para empresários já ricos, no curto prazo.

Apenas resta para os que acreditamos que o Brasil merece outra coisa, denunciar estes fatos e fazer todo o possível para evitar que venham a acontecer. Nossos protestos têm de superar aqueles de governadores recém eleitos cobiçados pelo partido do Presidente, em busca de uma maioria necessária para a governabilidade.

O Eco, 27/11/2006

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