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Inovação social

O Globo, Amanhã, p. 10-11
28 de Ago de 2012

Inovação social
Programa de apoio da Natura pretende ajudar pesquisas na Região Amazônica para beneficiar o meio ambiente e as comunidades ribeirinhas

Amelia Gonzales
Enviada especial a Manaus
Amelia@oglobo.com.br

Não é de hoje que Karime Bentes, pesquisadora da Universidade Federal da Amazônia (Ufam), incomoda- se com o hábito de garimpeiros de jogarem mercúrio nas águas dos rios para conseguirem achar ouro com mais facilidade. A prática é perigosa, põe em risco a vida dos próprios trabalhadores, polui os rios e ainda causa doenças graves, caso algum dos peixes contaminados venha a ser consumido à mesa. Só na cidade de Humaitá, que fica a 300 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, 50 balsas lançam mercúrio no Rio Madeira para garimpar ouro.
Usando sua habilidade e o espaço físico do Laboratório de Pós-Graduação Química Analítica da Ufam, Karime desenvolveu um sensor para medir a quantidade de mercúrio nos rios. Ela criou um método que usa carvão ativado para retirar o produto das águas. Mas, para que seus inventos sejam usados em escala industrial, é preciso dinheiro. Foi na tentativa de tentar uma chance de tirar do papel seu projeto que a pesquisadora se inscreveu no edital Natura Campus. Sua expectativa é ser uma das escolhidas da empresa, que vai destinar parte do seu faturamento líquido, de R$ 5,5 bilhões, para financiar projetos de inovação na Amazônia:
- Com cerca de R$ 300 mil eu consigo fazer o equipamento para atender duas comunidades. Mas é importante também fazer um trabalho com os moradores locais para que os ribeirinhos aprendam a trabalhar com o equipamento corretamente.
Até o dia 22 de outubro outros interessados poderão submeter seus trabalhos à Natura.
A empresa lançou, no último dia 16, um edital para projetos nas áreas de ciência, tecnologia e inovação voltados para a Região Amazônica. O lançamento do edital coincidiu com a inauguração do Núcleo de Inovação Natura, em Manaus. O objetivo da empresa é ampliar seu papel na Amazônia. A base dessas iniciativas começa com o compromisso de triplicar o uso de ativos de origem amazônica em suas fórmulas. O que é, para Guilherme Leal - que abandonou o cargo de presidente da Natura quando se candidatou à vice-presidência da República na chapa de Marina Silva nas eleições de 2010 -, "um desafio e tanto":
- A Natura hoje usa 10% de matérias primas da Amazônia e grande parte dos insumos é concentrado em óleo de palma. Vamos passar para 30% em 2020. Isso implica num esforço gigantesco, inclusive de relacionamento com os fornecedores locais.
Parceria com a academia
Para ampliar o uso das sementes e óleos nas fórmulas dos cosméticos, a Natura vai precisar de pesquisadores e seus projetos. E, como sempre se inseriu no mercado como uma empresa promotora do desenvolvimento sustentável, a Natura, por meio do Núcleo de Inovação, estimula pesquisas junto com instituições da Amazônia Legal. As áreas de interesse da empresa passam por cultura e sociedade; conservação e biodiversidade; floresta e agricultura; design de produtos e processos. Karime se insere na área de conservação e biodiversidade, já que, se conseguir despoluir os rios da região, estará contribuindo para o desenvolvimento local.
- Queremos ainda ampliar a extensão da nossa participação com as famílias da região.
Hoje trabalhamos com 3 mil famílias em 25 comunidades e nossa meta é atingir 12 mil famílias em 2020 - disse Marcelo Cardoso, vice-presidente de Desenvolvimento Organizacional e Sustentabilidade da empresa.
Fato é que a empresa, desde que abandonou os testes em animais para produzir seus cosméticos - o que aconteceu em 2006 -, ficou mais dependente de produtos típicos da Região Amazônica, como sementes, óleos e frutos. Para continuar alimentando a imagem de uma empresa preocupada com o desenvolvimento sustentável, o caminho natural trilhado pela Natura foi negociar com as comunidades diretamente envolvidas com a produção desses insumos. É um jogo de ganha-ganha, já que se beneficiam a empresa e as comunidades.
Esse trabalho social estimulou Pedro Leitão a se tornar parceiro do projeto desde o início.
Ex-presidente da ONG Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), ele atualmente preside o Instituto Arapyaú, criado por Guilherme Leal com o objetivo de promover a educação sustentável.
- A tecnologia hoje é de tal modo desenvolvida que a Natura poderia simplesmente sintetizar quase tudo o que ela consome de matéria-prima. Mas a empresa faz justamente o contrário. Esse desejo de valorizar não só os recursos naturais como os sociais e trabalhar mais fortemente com as comunidades é que me motivou a ficar próximo da empresa.
A diferença entre este e outros projetos é que aqui tem a garantia da demanda. Porque, em geral, quando se começa um programa como esse numa instituição como o Funbio, começa-se pela oferta, sem garantia de que alguém vai comprar o que se produz - explica Leitão
Mas existe um ponto sensível neste jogo do ganha-ganha: o saber tradicional. Trocando em miúdos, trata-se de tudo aquilo que as populações ribeirinhas e indígenas sabem de cor para fazer as vezes de remédios ou alimentos. Um saber que passa de pai para filho e, muitas vezes, por tradição oral. Como não há no Brasil uma legislação severa que delimite o papel das empresas na hora de fazer uso deste conhecimento, o jeito foi a Natura amparar-se em instituições oficiais.
Uma das principais parceiras da empresa neste processo é Socorro Chaves, pró-reitora de Inovação Tecnológica da Universidade Federal da Amazônia (Ufam). O relacionamento entre Socorro e a Natura já dura cerca de três anos. Acima de tudo, Socorro, que também já morou à beira de rio, procurou focar o tempo todo na proteção dos conhecimentos tradicionais.
- Antigamente aqui na Ufam tínhamos apenas a preocupação com o registro de patentes. Nosso objetivo era simplesmente proteger o direito dos pesquisadores. Mas há cerca de três anos mudamos de postura. Percebemos a importância de termos todo o cuidado e, sobretudo, muita preocupação não só com a proteção dos conhecimentos tradicionais como também com a justa repartição dos benefícios financeiros. Criamos para isso uma assessoria jurídica, que tem ajudado a aproximação da empresa com a comunidade na hora de sentarmos na mesa para negociar com as duas partes - diz Socorro.

A repórter viajou a convite da Natura

O Globo, 28/08/2012, Amanhã, p. 10-11

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