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Inflação dos alimentos é motivo de alegria, diz Lula

FSP, Dinheiro, p. B3
11 de Abr de 2008

Inflação dos alimentos é motivo de alegria, diz Lula
Para presidente, preços sobem porque os pobres do mundo estão comendo mais
Brasil vai resolver problema do encarecimento dos alimentos com "muita facilidade" ao aumentar a produção, afirma Lula

Clóvis Rossi
Enviado especial a Haia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que o Brasil vai resolver "com muita facilidade" o problema da inflação no setor de alimentos, porque o atribui, exclusivamente, ao fato de que os pobres do mundo todo estão comendo mais.
Logo, "aumenta a pressão por alimentos", o que faz "com que a inflação suba em alguns países". Por extensão, produzir mais alimentos resolveria o problema.
No caso do Brasil, Lula acredita que o problema é fácil de resolver porque, "dos 851 milhões de hectares de terra que há no Brasil, 400 milhões são terras agricultáveis". Mais: "Só de terras que eram pasto e estão degradadas, mas podem ser recuperadas para a produção do que quisermos, temos aproximadamente 60 milhões de hectares, mais do que muitos países têm em sua totalidade".
O presidente afirma que a inflação no caso dos alimentos não é um problema, mas motivo de alegria. Explica: "Primeiro, todos nós temos que dar graças a Deus que o povo está comendo mais. E, quando pobre está tendo acesso à comida, é uma alegria imensa. A segunda é uma outra alegria. É que, se todo mundo voltar a produzir um pouco mais, a agente vai ter mais riqueza, mais emprego e menos inflação".
A receita de Lula vale para todo o mundo porque, diz o presidente, "têm mais chineses comendo no mundo, têm mais indianos comendo no mundo, mais brasileiros comendo no Nordeste e na periferia do país. Têm mais latino-americanos comendo. Tem mais gente na África comendo, e tudo isso aumenta a pressão por alimento".

Feijão e e leite
No caso específico do Brasil, Lula vê dois vilões, o feijão e o leite. Representam 0,7 ponto percentual de uma inflação de 4,5%, pelos cálculos do presidente. Completa: "São dois produtos que temos competência para produzir em maior escala. Agora mesmo tivemos problema de seca em Irecê (BA), que vai nos dar problema no feijão. Mas é um produto que, em 90 dias, você planta e colhe. Portanto, um produto que nós podemos ter e que não pode continuar causando problemas à inflação brasileira".
Lula fez seus comentários ao lado do primeiro-ministro holandês, Jan Peter Balkenende, depois de se reunirem no Binnenhof, o complexo de prédios que abriga tanto o Parlamento como o Executivo.
Lula tratou de afastar, antes de ser questionado, a hipótese que os europeus chamam de "food x fuel", ou seja, de que a produção de alimentos está sendo afetada por plantios destinados a combustíveis.
"Não me venham com o discurso de que são os biocombustíveis que estão causando aumento do preço do alimento."

Commodities e energia
Balkenende não veio exatamente com esse discurso, mas fez questão de dizer, assim que Lula terminou sua fala, que "é preciso estar consciente de que há uma relação entre inflação e preço de commodities e preço da energia".
O premiê holandês lembrou que, além de comer mais, há países que consomem também mais energia. "Temos que levar em conta que há novos países que estão crescendo rápido, como Índia e China, e isso também é relevante para a necessidade de energia."
Para Balkenende, é necessária uma "estratégia internacional" para "falar de biocombustíveis, de sustentabilidade e combustíveis renováveis".
Antes, em conversa com jornalistas brasileiros à porta do Binnenhof, o primeiro-ministro já havia mostrado menos entusiasmo com os biocombustíveis do que costuma fazer seu colega brasileiro.
Disse: "Nós vemos as possibilidades dos biocombustíveis, mas temos que levar em conta os aspectos ambientais. De um lado, tem a ver com energia, mas, do outro, tem a ver com a maneira como reduz a produção e as necessidades da agricultura. Necessitamos uma boa combinação de avaliação em termos de biocombustíveis".
A "boa combinação" não é "obrigatória", como diz Balkenende, apenas para o governante. Também o é para a pessoa física: o premiê contou que mora em uma casa que fica sete metros abaixo do nível do mar -e que, portanto, será facilmente tragada se houver uma subida do nível dos mares como conseqüência do aquecimento global.
Nuances à parte nos biocombustíveis, o primeiro-ministro fez questão de ressaltar o bom relacionamento entre os dois países, tão bom que a Holanda investe no Brasil quatro vezes mais que na China, a menina-dos-olhos do planeta.

Preço será alto por até 6 anos, diz Rodrigues

DA REUTERS

Os preços mundiais dos alimentos não deverão recuar dentro dos próximos quatro a seis anos, até que a produção global de grãos se recupere para atender à nova demanda dos países emergentes, afirmou o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.
A adoção de produtos como milho e trigo na produção de biocombustíveis tem sido apontada como a principal razão para a disparada dos alimentos.
É essa elevação que tem gerado protestos e distúrbios e levado governos a impor restrições a exportações e controle de preço.
Mas o ex-ministro brasileiro, que é produtor de cana-de-açúcar, afirmou à Reuters que, embora os biocombustíveis contribuam para a inflação de alimentos, eles têm sido culpados injustamente.
Ele argumentou que a alta dos preços tem sido causada por uma demanda "explosiva" de mercados emergentes como a China e a Índia.
"É o equilíbrio entre oferta e demanda que irá resolver esse problema que temos hoje. Mas a solução não virá no curto prazo", afirmou Rodrigues. "Isso poderá levar quatro, cinco, seis anos."
A demanda cresce 4,8% ao ano em média na Ásia, na África e nos países da América Latina, enquanto aumenta 2,6% ao ano nos países desenvolvidos, disse Rodrigues.

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Produção cresce, mas demanda aumenta mais

Gitânio Fortes
Da Redação

Estimativas do Usda (Departamento de Agricultura dos EUA) mostram que a produção mundial cresceu em 2007/08 -à exceção da soja-, mas num ritmo insuficiente para saciar a demanda puxada pelos emergentes, com China, Índia e Brasil à frente. Isso se comprovou pelo recuo dos estoques finais -exceto para o arroz, que apontaram ligeira alta.
As previsões vão ao encontro da análise do FMI (Fundo Monetário Internacional), que define o atual boom de commodities como mais amplo e mais duradouro que outras fases de alta desde 1960. A valorização atual dos alimentos se estende desde novembro de 2004. A média de movimentos anteriores ficou em apenas 18 meses.
Além de durar mais tempo, o boom atual tem se caracterizado por um aumento mais expressivo dos preços. O FMI calcula essa alta em 30,4% até o fim de 2007. As valorizações anteriores apresentaram média de 21%. O Banco Mundial prevê que os preços permaneçam elevados até 2009. As cotações não devem retornar ao patamar de 2000 antes de 2015.
O FMI destaca que a demanda cresce também pelo plantio para biocombustíveis, em ascensão por causa dos custos maiores do petróleo. Fatores financeiros turbinam as altas -dólar fraco e juros baixos aumentaram o peso das commodities nos mercados internacionais.
O Banco Mundial, a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e o FMI concluíram que os investimentos em cultivos não seguiram o ritmo de crescimento da demanda nos países em desenvolvimento. Estão em risco avanços recentes contra a pobreza mundial.

Custo social
As crises de abastecimento geram tumultos nos países mais pobres. No Haiti e na Costa do Marfim, os protestos contra preços de alimentos em alta se multiplicam. Distúrbios com dezenas de mortos se relatam em Camarões. Cenas parecidas se viram no Senegal e em Burkina Fasso. Multidões foram às ruas na Mauritânia e em Moçambique. No México, houve "o levante da tortilha". Camponeses na Índia e na Indonésia se chocaram com policiais. Na Argentina, fazendeiros se mobilizaram contra elevação de impostos.
Os governos reagem por toda parte. Recentemente a Índia proibiu a exportação de arroz, com exceção da variedade basmati, de alto preço. Suspendeu tarifas de importação para milho e óleos comestíveis. Terceiro maior exportador mundial de arroz, o Vietnã anunciou corte de 11% dos embarques de produto neste ano. Contra a especulação, nas Filipinas, o governo realizou buscas em armazéns. A Arábia Saudita reduziu impostos de importação de trigo, frango, laticínios e óleos vegetais. O Peru anunciou programa de doação de alimentos.
Os biocombustíveis podem não ser necessariamente um mal ao fornecimento de comida. No Brasil, que obtém álcool a partir da cana, governo e especialistas insistem na "triangulação" com a pecuária. Com a intensificação da criação de gado, pode-se aproveitar áreas antes usadas como pastagens para os canaviais. No caso dos EUA, o álcool de milho estampa frontalmente a disputa entre o tanque e o prato.

Especulação explica alta de preços internacionais, diz ministro

O ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) atribuiu a alta de cotações a "uma crise de especulação de um modelo voltado à exportação". Cassel esteve no lançamento da 30ª Conferência Regional da FAO, que se realiza em Brasília na próxima semana. Um dos objetivos da reunião será traçar meios para que países de América Latina e Caribe ofereçam segurança alimentar às suas populações.

FSP, 11/04/2008, Dinheiro, p. B3

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