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Inflação de alimentos causa reação global

FSP, Dinheiro, p. B1
11 de Abr de 2008

Inflação de alimentos causa reação global
Alta nos preços complica políticas econômicas em momento de crise e põe em risco ganhos recentes no combate à fome
Biocombustíveis são vistos como vilões, e G8 deve discutir medidas em breve; analistas não esperam recuo nos preços em curto prazo

Da Redação

Líderes de diferentes regiões colocaram ontem a disparada no preço dos alimentos no centro das prioridades globais.
E tentam articular alguma forma de ação conjunta, que, se concretizada, pode ter repercussões importantes no Brasil, um dos principais produtores de alimentos do mundo. O país também sofre com a inflação mais alta, mas lucra com o aumento de preço das commodities que exporta.
Segundo a ONU e ONGs de ajuda humanitária, a alta de alimentos já ameaça ganhos no combate à fome nos últimos anos, o que levou o premiê britânico, Gordon Brown, a pedir que o G8 (grupo dos países mais industrializados e a Rússia) discuta o assunto.
O álcool combustível, prioridade do agronegócio brasileiro, é visto por alguns como vilão da cena porque o uso do milho para a fabricação de etanol nos EUA é um dos principais responsáveis pela inflação alimentar, ao tirar terra de outros cultivos, reduzindo sua oferta.
A alta dos alimentos ocorre ainda num momento de crise financeira e retração do crédito, mas os bancos centrais temem cortar juros para elevar a liquidez, pois isso pode alimentar ainda mais a inflação.
Com países emergentes superpopulosos como China e Índia consumindo cada vez mais alimentos, analistas vêem pouca chance de queda dos preços no curto prazo.

"Superinflação" ameaça combate à fome, diz Banco Mundial

Fernando Canzian
Enviado especial a Washington

A economia global enfrenta explosão geral no preço dos alimentos. Essa onda inflacionária acumula alta de 83% nos últimos 36 meses e vem reduzindo os estoques de alimentos no mundo ao seu menor nível em mais de duas décadas e meia.
Além de estrutural, a rápida expansão dos preços já compromete as metas internacionais de erradicação da fome e miséria em vários países e ameaça levar algumas economias a crises externas.
Em 2007, a conta com a importação de alimentos nos países em desenvolvimento subiu 25%, ao mesmo tempo em que os preços atingiram o seu maior nível em mais de uma geração.
"Enquanto alguns estão preocupados em encher o tanque de seus carros com um petróleo cada vez mais caro, muitos ao redor do mundo se debatem para forrar seus estômagos. E isso fica mais difícil a cada dia", disse Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial.
"Em Bangladesh, um saco de arroz de dois quilos consome hoje quase a metade da renda diária de uma família pobre. Já o preço do trigo subiu 120% no ano passado, o que significa uma duplicação no preço do pão", disse em Washington.
O diretor do Departamento para Redução da Pobreza na América Latina, Marcelo Gingale, qualificou como uma "tempestade perfeita" o atual cenário para o setor de alimentos. A explosão de preços ocorre por vários motivos:
1) Aumento da produção de biocombustíveis e manutenção de subsídios nessa área entre os países ricos, como os EUA.
2) Incremento nos custos no setor agropecuário com alta do petróleo e dos fertilizantes.
3) Enriquecimento e mudança na dieta em países como China, Índia e Brasil. Ao ter mais renda disponível, esses consumidores passam a comer mais proteína (carnes), cuja produção exige carboidratos (grãos).
4) Mau tempo e quebra de safra em vários países.
5) A crise e a insegurança atual nos mercados de ações estariam levando muitos investidores a apostar em Bolsas de mercadorias que negociam contratos futuros, muitos lastreados em preços de commodities, como alimentos e metais, inflando os preços.
O Banco Mundial citou a necessidade de expansão de programas sociais como o Bolsa Família brasileiro em outros países para mitigar o problema.
Nesse novo cenário de demanda global e preços em alta, Gingale diz que o grande desafio (e oportunidade) para países produtores como o Brasil é aumentar o valor agregado das exportações (vender carne industrializada em vez de "in natura", por exemplo) e reduzir os custos logísticos.
O banco calcula que esses custos logísticos na América Latina consumam US$ 0,30 de cada dólar exportado. Nos países europeus, a perda média seria de US$ 0,19.
Em relação aos biocombustíveis, o FMI estima que mais da metade do aumento da demanda por milho em todo o mundo nos últimos três anos teve como causa o crescimento da produção de álcool nos EUA.
Zoellick também citou o Brasil como produtor de biocombustível, mas ressaltou que o álcool a partir da cana-de-açúcar é o que traz mais "benefícios em termos de produção de energia e em relação a questões ambientais".
O americano também disse que o Brasil deverá ajudar técnicos do Banco Mundial a transferir tecnologia na área de produção agrícola para programas em outros países em desenvolvimento.
Nos países asiáticos, por exemplo, onde a base da alimentação é o arroz, o preço do cereal vem consumindo cada vez mais a renda disponível das famílias. O grão subiu quase 150% nos últimos 12 meses.
Alguns países já enfrentam distúrbios sociais por causa da alta dos alimentos.
Zoellick afirmou que a recente explosão nos preços dos alimentos deve provocar o não-cumprimento de uma série das chamadas Metas do Milênio, um conjunto de objetivos para melhorar os indicadores sociais de vários países até 2015.
Também pediu a colaboração dos países-membros do Banco Mundial para levantar mais US$ 500 milhões para cobrir o rombo que a inflação de alimentos já provocou no programa da ONU destinado a combater a fome no mundo.
Segundo Zoellick, ao menos 33 países (onde mais da metade da renda das famílias é comprometida com alimentos) correm hoje o risco de instabilidade social e institucional por conta desse aumento de preços.

FSP, 11/04/2008, Dinheiro, p. B1

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