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Indios vao recorrer a Lula

A Critica, Cidades, p.C11
15 de Jan de 2004

Índios vão recorrer a Lula
Grupo de 16 Tuxauas irão a Brasília protestar contra proposta de homologação de reserva em terra contínua
Uma assembléia realizada ontem, na comunidade do Contão, em Pacaraima (RR), decidiu que 46 tuxauas de aldeias localizadas na, Raposa/Serra do Sol irão a Brasília na próxima semana tentar uma audiência com o presidente Luís Inácio Lula da Silva. Eles querem mostrar diretamente a Lula os prejuízos que os índios terão com a homologação em terras contínuas da reserva, que tem 1,75 milhão de hectares (7,7% do território do Estado), como querem o Ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos, e a Fundação Nacional do índio (Funai).
De acordo com o presidente da Associação das Lideranças Indígenas das Comunidades de Roraima (Aleidicir), Anízio Pedrosa Lima, quatro organizações contrárias a homologação da Raposa/Serra do Sol em área contínua estão buscando fontes de financiamento para a compra das passagens, , pois a Fundação Nacional do Índio (Funai) não apóia o movimento. "Temos tempo para conseguir isso, pois o presidente ainda está viajando", disse Anizio, acrescentando que as organizações estão tentando apoio do Governo do Estado para a compra das passagens.
Ontem, o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), criado por Lula e integrado por representantes de nove ministérios, cancelou pela terceira vez a visita que faria a Roraima, transferindo-a para o dia 22. 0 cancelamento foi encarado pelos indígenas contrários a homologação como sendo mais um ato de má vontade do Governo Federal para com a reivindicação deles.
0 grupo tem por missão encontrar soluções técnicas e legais para a disputa entre os grupos favoráveis e contrários a homologação da reserva em área contínua. Ele tinha prazo até o dia 31 de janeiro para entregar um relatório conclusivo sobre o assunto, documento que iria subsidiar a decisão do presidente Lula. Os trabalhos, contudo, foram atropelados pelo anúncio feito por Thomas Bastos de que o governo homologaria a reserva. Conforme o jornal Brasil Norte, de Boa Vista, a agenda do GTI em Roraima prevê apenas encontros com donos de cartórios de registro de imóveis e representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Funai, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RR). Os membros do GTI sequer cogitam ir a comunidades indígenas.

Versões contraditórias
Morte de índio acirra clima de tensão na região
Bebedeira teria provocado assassinato, mas lideranças revoltosas dizem que discussão sobre homologação foi a causa
0 assassinato do índio Conrado Macuxi, domingo, na localidade conhecida por Pé da Serra, no município de Pacaraima, continua envolta em mistério e causando tensão entre os indígenas da área da Raposa/Serra do Sol, onde vivem aproximadamente 15 mil deles.
De acordo com Anisio Pedroza Lima, Conrado Macuxi era associado da Aleidicir e lutava contra a homologação da reserva em área contínua. Conrado estava voltando de Pacaraima, onde participou do bloqueio da BR-174, quando foi assassinado a facadas por um índio identificado apenas como Jadir, o "Didi", num ramal que fica distante aproximadamente 5 horas de viajem a pé da aldeia Mato Grosso,' onde ele vivia. No confronto também foi ferido por Didi o agente de saúde da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Francisco Antonico, que levou uma facada no estômago. "Ao contrário do que estão dizendo, o pessoal da área me garantiu que a briga foi por causa da homologação e não devido ao consumo de bebida alcoólica ou pajuru (bebida alcóolica indígena)", acusa Anizio. "É o resumo desta situação criada pelo governo".
Ao contrário do filho Conrado, o tuxaua Geraldo Idelfonso Macuxi, da aldeia Lilás é defensor da homologação da Raposa/Serra do Sol em área contínua, sendo uma importante liderança do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
A versão do presidente da Aleidicir é contestada por Francisco Antonico, que em depoimento a polícia de Boa Vista, contou que ele, Conrado e Jadir voltaram de Pacaraima de carro até o marco BV-7 (fronteira do Brasil com a Venezuela) e pegaram uma trilha até a aldeia Mato Grosso. Antonico disse que na metade do caminho Didi e ele desentenderam-se por conta de uma rixa pessoal antiga e começaram a brigar. Na luta corporal Didi aplicou uma facada nele, que pediu ajuda de Conrado.
A vítima chegou a desferir golpes com um pedaço de madeira em Didi, que reagiu esfaqueando Conrado com vários golpes e depois fugiu.
Ferido, Antonico conseguiu caminhar duas horas e meia até a aldeia Mato Grosso, onde conseguiu ajuda. Antonico confirma a versão do Conselho Indigenista de Roraima segundo o qual o conflito foi motivado pelo consumo de bebida alcoólica e pajuru.
Para o coordenador do CIR, Jacir José de Souza, a morte de Conrado é lamentável e só vai acirrar os ânimos dos grupos em conflito. Ele aproveita o episódio para denunciar a venda e o consumo de bebida nas vilas instaladas dentro da Raposa/Serra do Sol, ressaltando que isso só terá fim com a homologação da reserva em área contínua.

Contão ainda é palco de protesto
0 último centro de protestos dos indígenas e agricultores contrários a homologação da Raposa/Serra do Sol em área contínua permanece em Contão, comunidade Macuxi localizada em Pacaraima, quase fronteira com o município de Uiramutã. Os indígenas de Contão, que somam aproximadamente mil indivíduos, continuam bloqueando a estrada estadual RR-202 na altura da ponte sobre o rio Cotingo. Estes índios são os mesmos que na semana passada sequestraram os padres Ronildo França, amazonense, César Avellaneda, colombiano, e o irmão franciscano espanhol João Carlos Martinez, que ficaram presos na casa do tuxaua local, Genival da Costa Silva, por três dias.
Com o bloqueio, que já dura dez dias, o abastecimento de Uiramutã, na fronteira com a Guiana, baixou a níveis críticos. A cada dia que passa o período coberto pelo abastecimento de energia elétrica é diminuído, estando atualmente em 15 horas, em sistema de racionamento. O abastecimento de combustível também é crítico. Alimentos não faltam, mas se o protesto prosseguir por mais alguns dias faltará alimentos básicos, como óleo e arroz.

A Crítica, 15/01/2004, p. C4

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