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Índios diante de um impasse

JB, País, p. A6
30 de Nov de 2003

Índios diante de um impasse
Turismo e venda de artesanato colocam tribos em conflito com Funai e Ibama

BRUNO AGOSTINI

Em condições precárias, muitas tribos brasileiras apostam no turismo e na venda de artesanato para gerar renda e sustentar as comunidades. A caixa registradora indígena, contudo, é vista como ameaça ao ambiente cultural das aldeias. Aliada à resistência do governo federal em implantar políticas assistencialistas, a reação da Funai e do Ibama cria um impasse para os 700 mil índios brasileiros.
A Funai é contra visitas turísticas às tribos e exige autorização em diversos lugares, como em Londrina (PR). O Ibama, por sua vez, luta contra o comércio do artesanato e alega que as peças são feitas de penas, dentes, sementes e toda a sorte de elementos retirados da fauna e da flora.
Para a conferência do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que termina hoje na Universidade de Brasília, os índios formularam uma proposta oficial ao governo para a criação de uma política de ecoturismo indígena.
- A intenção é abrir a discussão. Não queremos ser carregadores de mala de visitantes, e sim gerenciar as visitas, pegar os turistas na cidade e levá-los até a aldeia - explica Escrawen Sompre, da nação Xerente, representante dos povos indígenas no Conama.
Sompre tem consciência de que a proposta vai criar artritos com a Funai:
- Eles acham que podemos ficar sem fazer nada, que devemos viver numa redoma. Não é esse o desejo dos índios.
O documento pede a criação de um fundo indígena específico para a proteção da biodiversidade das áreas demarcadas, como compensação pela conservação do meio ambiente.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Antropologia, Antônio Carlos de Souza Lima, faz coro com a proposta:
- Nas áreas indígenas está a grande riqueza da biodiversidade brasileira. Eles têm direito a 12% do nosso solo, segundo dados do último censo, em terras demarcadas. São justamente essas terras as áreas mais preservadas do país.
Algumas tribos, como os caiapós, largaram na frente na exploração do turismo.
- Em uma das aldeias, os índios construíram uma maloca especial para receber turistas - conta Eleonora de Paula, da Funai, descendente dos mundurucus e especialista em avaliação de impacto ambiental.
No que diz respeito ao comércio de artesanato, Eleonora lembra que algumas tribos trabalham com selos que indicam a procedência, o produtor e o tipo de material. A ''ficha técnica'' inibe falsificações.
- Quanto ao fato de o Ibama ser contra o comércio de artesanato, não conheço nenhum caso de um índio ter matado uma ave só para extrair as penas. Eles comem e aproveitam quase tudo - afirma a especialista da Funai.
Eleonora acredita que, em vez de destruir o patrimônio cultural, o turismo e a venda de produtos podem resgatá-lo:
- O trabalho pode incentivar o resgate de peças que não são mais produzidas. Vai haver interesse crescente em manter as tradições.
Eleonora observa que o turismo em terras indígenas é proibido, mas praticado sem normas. Segundo ela, para que a prática seja benéfica, é preciso, em primeiro lugar, que haja consentimento dos índios.
- As tribos mais isoladas, com pouco contato com os brancos, devem ser poupadas nesse processo - opina.
O índio Antônio Apurinã (PCdoB-AC), segundo suplente da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, carrega no sobrenome a referência tribal e defende um controle legislatório.
- O ponto crucial é a legalidade. Nessa questão, considero fraca a atuação da Funai.
Diretor de Assistência da Funai, Apurinã acha que a instituição deveria trabalhar em sintonia com o Ibama e com as agências de turismo.
- Do contrário, o turismo continuará ilegal. Há uma expectativa entre os índios quanto a isso, seria uma forma de entrar dinheiro - ressalta.
Uma técnica em lingüística da Funai, que pediu anonimato, alega que a liberação poderia causar conflito entre as próprias tribos:
- Quem receberia os dividendos? Os que abrem as portas de casa? Os que cobram mais barato? Os que moram mais perto de portos, estradas e aeroportos? A entrada de dinheiro desta forma tende a alterar a cultura da coletividade. Além do mais é uma invasão. Eles vão ficar como bichinhos no zoológico?
Antônio Carlos Souza Lima julga que a discussão chega ao Brasil na hora certa. No início do mês, a Unesco promoveu, em Cuba, o Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural e Turismo, que estabeleceu diretrizes para que as visitas não afetem a diversidade cultural dos povos.
- Os índios não querem políticas assistencialistas, mas algo deve ser feito pelo governo com urgência - conclui o antropólogo.

JB, 30/11/2003, País, p. A6

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