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Índios buscam influencia na América Latina

O Globo, O Mundo, p. 48
01 de Mai de 2005

Índios buscam influencia na América Latina
No centro das principais turbulências políticas do continente, comunidades indígenas lutam para representar a si mesmas

Com suas vestes coloridas, eles costumam ser vendidos para turistas como a imagem de seus países. Uma imagem apenas, que até algum tempo atrás não tinha voz política. Mas tão freqüente quanto sua presença nos cartões-postais está se tornando a participação dos índios latino-americanos nas principais manifestações que derrubam presidentes, exigem direitos e ajudam a mudar a História de seus países.
Em março, aliados a líderes sindicais e cocaleros, eles formaram bloqueios que pararam a Bolívia, abrindo uma nova crise no governo do presidente Carlos Mesa. Dois anos antes, lideraram os protestos em La Paz que derrubaram Gonzalo Sánchez de Lozada. Dias atrás, no Equador, cruzaram os braços diante das manifestações pela destituição de Lucio Gutiérrez - o presidente que haviam ajudado a eleger e que depois lhes virou as costas.
- Os índios, no caso da Bolívia, formam uma massa eleitoral, mas sem possibilidade de participação efetiva porque o sistema político e de partidos é excludente - diz ao GLOBO o historiador boliviano Carlos Mamani Candori, um índio aimara. - Há uma confrontação, às vezes violenta, entre os setores indígenas organizados com os grupos no poder.
Maioria nas ruas, minoria nos parlamentos
Considerado um dos principais intelectuais indígenas de seu país, Mamani acredita que a grande mobilização indígena nos últimos anos, principalmente na região dos Andes, é o resultado do maior acesso à educação, que abriu caminho a uma tomada de consciência, e da percepção de que embora representem boa parte da população, os índios ainda não têm a representação política devida:
- Somos 62% na Bolívia segundo o censo, mas não chegamos a um terço dos parlamentares no Congresso - observa.
Até 40 anos atrás, comunidades indígenas de muitos países latino-americanos sequer tinham direito a voto. Esse direito veio em 1961 na Bolívia; em 1964 no Equador; e em 1969 no Peru, por exemplo. Isso, no entanto, não garantiu plena participação no processo político, observa o americano Marc Becker, professor de história da Truman State University e que pesquisa o movimento indígena equatoriano.
- Raramente um integrante do governo vai dizer: "Índios não são cidadãos." Mas os direitos de cidadania são restringidos por outros fatores, como analfabetismo, que automaticamente os excluem - diz.
Essa massa de eleitores exerce uma forte atração sobre os políticos. No caso do Equador, Gutiérrez - deposto no dia 20 - foi eleito com a ajuda da Conaie, a Confederação das Nacionalidades Indígenas, que reúne a maioria das organizações do país. Seu governo chegou a ter membros da confederação, mas o pacto durou apenas sete meses e acabou gerando uma crise interna na organização. Gutiérrez, por sua vez, perdeu uma fonte de sustentação política.
- Em países onde a população indígena é numericamente relevante, acaba constituindo uma força política importante - explica Sidnei Peres, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense. - No Brasil, os índios se aliam a outros movimentos para terem visibilidade.
A chegada ao poder nem sempre garante avanços. Primeiro presidente de ascendência indígena no Peru, Alejandro Toledo teve sua cerimônia de posse em Machu Picchu, a cidade sagrada inca. Mas seu governo se vê às voltas com denúncias de desvio de verbas numa organização para povos indígenas presidida pela primeira-dama Eliane Karp. Para Mamani, Toledo prejudicou o movimento, mas ele vê um "renascimento indígena".
- Toledo se aproveita dos elementos simbólicos do passado, mas seus feitos frearam e corromperam o movimento. Vemos agora um forte movimento das organizações indígenas para se livrarem dessa tutela da Presidência - diz o historiador.

Opinião
Para onde?
Os presidentes Hugo Chávez e Fidel Castro estão convidando outros países do Hemisfério a desistirem da Alca e criarem em seu lugar a Alternativa Bolivariana para as Américas, área de livre comércio que, dizem seus idealizadores, teria a dupla vantagem de ser genuinamente latino-americana e escapar do controle hegemônico dos EUA.
DIFICIL IMAGINAR iniciativa mais pateticamente estéril. O que os dois revolucionários bolivarianos estão propondo é que a América Latina se isole do mercado mais desejado do mundo, o americano, e fique para sempre com o que tem de mais indesejável: a instabilidade política, personificada pela Venezuela de Chávez, e a penúria crônica, representada pela ilha de Fidel.

Intifada nos Andes
Em dois anos, dois presidentes latino-americanos foram substituídos, de uma forma que tenta passar por legal, por seus vices. Sánchez de Lozada, na Bolívia, sucedido por Carlos Mesa, e poucos dias atrás, Lucio Gutiérrez, no Equador, substituído por Alfredo Palacio. Mas, à margem da maior ou menor legalidade do golpe, foram as massas nas ruas que forçaram o Exército e a classe política a aprovarem em ambos os países a nomeação de um líder interino. E haveria ainda um terceiro caso: o da Venezuela, onde uma massa superior em número à contrária, em vez de tirar, manteve no poder Hugo Chávez por meio de um referendo que, impelido a convocar, no final acabou não revogando seu mandato.
Esses movimentos de massa não são as clássicas quarteladas ocorridas entre os anos 50 e 70, que, com alguma exceção, ocorriam com plena satisfação de Washington para impedir que as oligarquias fossem desafiadas. Mas tampouco são matéria-prima para insurreições guerrilheiras como as que ocorreram, sobretudo na América Central, até a desaparição da União Soviética. Hoje se inspiram num novo e agressivo nacionalismo, tingido de indigenismo, que, se também exige o fim da submissão aos Estados Unidos - e, em geral, de tudo o que cheira a exploração pós-colonial - o faz a partir de uma perspectiva ideológica indeterminada. O essencial é proceder contra o que nos tempos da colônia se chamava de malgovernar.
Seus líderes são, além disso, fruto de uma certa geração espontânea, facilitada pelo uso de internet e do rádio, como numa intifada nos Andes.
Os novos ocupantes do poder, extraídos da burocracia política, são, no fim das contas, tampas de uma garrafa em cujo interior cresce a pressão, e, sem uma clara posição estabelecida, tentam somar-se ao protesto para moderá-la, atrasá-la, ou mesmo liquidá-la.
Mas as ruas se agitam na América andina. E os governos, em que elas votaram um dia, experimentam cada vez maior dificuldade em controlá-las.
M. Á. Bastenier é colunista do El Pais

O Globo, 01/05/2005, O Mundo, p. 48

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