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Indigenistas dizem que projeto de mineração na Câmara é um 'x-tudo'

Valor Econômico, Política, p. A8
Autor: CHIARETTI, Daniela
09 de Mar de 2022

Indigenistas dizem que projeto de mineração na Câmara é um 'x-tudo'
Requerimento de urgência para votação de projeto de lei deve ser votado pelos deputados Por

Daniela Chiaretti
De São Paulo 09/03/2022

A base governista está requerendo regime de urgência para votar na Câmara dos Deputados o PL 191/2020 que pretende autorizar pesquisa e lavra de recursos minerais em terras indígenas - e, na análise de indigenistas abre a possibilidade de exploração de petróleo e gás, construção de pequenas centrais e grandes hidrelétricas, além de liberar os territórios para o cultivo de transgênicos.

A justificativa da urgência seria a vulnerabilidade do país à falta de fertilizantes em função da guerra na Ucrânia. Na segunda-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a urgência dará "uma oportunidade de discutir o que tem na reserva indígena". Ele disse defender o pagamento de royalties à indígenas "em terras que podem ser exploradas corretamente, ecologicamente com todas as garantias". Com a exploração mineral nessas terras, Lira disse acreditar que a autossuficiência do país em produção de fertilizantes seria atingida.

Uma análise feita pelo Instituto Socioambiental dos requerimentos minerários cadastrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) mostra que atualmente existem apenas 25 pedidos para sais de potássio e fosfato incidentes sobre Terras Indígenas (TIs) em uma área total de pouco mais de 76 mil hectares. Fora dessas áreas, contudo, há 4.336 requerimentos cadastrados na ANM para esses minerais, totalizando mais de 10 milhões de hectares - o equivalente ao Estado de Pernambuco.

"É uma falácia dizer que é preciso liberar a mineração em terras indígenas para resolver a questão dos fertilizantes", disse ao Valor Adriana Ramos, sócia do ISA.

O PL 191/2020 apresentado pelo Executivo pretende regulamentar o que diz a Constituição, no artigo 231 parágrafo 3o: "O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei."

Segundo Juliana de Paula Batista, advogada do ISA, o teor do projeto de lei seria inconstitucional. "Dizemos que é um x-tudo: permite exploração de petróleo e gás nas TIs, pequenas e grandes hidrelétricas e tira a proibição do plantio de transgênicos", diz ela.

O primeiro ponto, diz Juliana, é que "no caso da exploração em terras indígenas, o Congresso tem que autorizar cada requerimento de pesquisa mineral, cada projeto, cada aproveitamento hidráulico. E garantir que as comunidades indígenas sejam ouvidas".

Na sua análise do PL, Juliana observa que o texto fala sobre ter autorização do Congresso e ter oitivas indígenas apenas para terras indígenas homologadas. "A Constituição não faz esta distinção. Hoje há pelo menos 237 terras indígenas não homologadas no país", diz Juliana.

No caso de terras indígenas não demarcadas, segundo o entendimento da advogada do ISA, o texto do PL prevê liberar a mineração ou uma hidrelétrica em caráter provisório. "Isso se daria sem a autorização do Congresso e sem a oitiva indígena, contrariando a própria disposição constitucional", diz a advogada. "Sem estudo, sem nada. Depois, como se tira uma hidrelétrica de lá?", questiona.

Outro ponto, destaca Juliana, é que o Congresso teria quatro anos após a homologação da terra indígena poder para decidir sobre os projetos. Se não ocorrer avaliação neste prazo, os projetos seriam automaticamente aprovados.

"Outro ponto gravíssimo é que o PL não diz que é preciso garantir a sobrevivência física e cultural dos indígenas, em primeiro lugar", aponta Juliana. "A guerra na Ucrânia é uma cortina de fumaça para aprovarem este projeto de lei", alerta ela. "Na prática, o PL acaba com as terras indígenas. Porque se vierem grandes mineradoras, hidrelétricas, exploração de petróleo e gás, como os indígenas irão existir?", questiona.

Valor Econômico, 09/03/2022, Política, p. A8.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/03/09/indigenistas-dizem-…

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