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Indígenas se mobilizam contra o marco temporal em diversas partes do país

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05 de Jun de 2023

Indígenas se mobilizam contra o marco temporal em diversas partes do país
Enquanto têm seus direitos atacados no Congresso, povos originários se manifestam visando o julgamento no STF

Por Ayla Tapajós e Fábio de Castro
05 junho 2023

As organizações indígenas preparam uma grande mobilização nacional entre 5 e 8 de junho contra o marco temporal, tese que restringe o direito dos povos originários à demarcação de suas terras. O objetivo da mobilização, convocada pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), é chamar a atenção do STF (Supremo Tribunal Federal), para que faça valer os direitos constitucionais dos povos indígenas e a rejeite o argumento, em julgamento marcado para ser retomado nesta quarta-feira (7/6).

Em Brasília, a mobilização ocorrerá na Praça da Cidadania e, segundo estimativa da Apib, deve contar com a presença de cerca de dois mil indígenas. Nos três dias, serão realizadas plenárias, vigílias e atos "pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário e ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já: Não ao Marco Temporal". Espera-se também que ocorram manifestações em diversas partes do país no mesmo período.

A tese do marco temporal, defendida principalmente por ruralistas, pretende determinar que os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial nesta época. Na prática, o argumento permite que indígenas sejam expulsos de terras que ocupam, caso não comprovem que estavam lá antes de 1988, e não autoriza que os povos que já foram expulsos ou forçados a saírem de seus locais de origem voltem para as terras.

A iminência do julgamento no STF levou a Câmara dos Deputados a confrontar a Corte e a aprovar às pressas, em 30 de maio, o Projeto de Lei 490/2007, uma proposta anti-indígena que tramita no Congresso Nacional há anos, da qual também consta a ameaça do marco temporal, além de inúmeros outros retrocessos.

Diante de uma Câmara composta por maioria de oposição, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva tem sofrido uma série de derrotas em votações importantes, especialmente naquelas relacionadas à retomada da proteção ambiental e aos direitos indígenas. Os objetivos da bancada ruralista e de setores conservadores parecem ser, simultaneamente, fragilizar o governo e consumar retrocessos socioambientais promovidos pela administração anterior.

O PL 490 é um dos exemplos mais claros, pois tramitava havia anos no Congresso antes de ser aprovado às pressas e sem debate com a sociedade. No dia da votação, grupos de indígenas foram agredidos enquanto se manifestavam pacificamente contra o projeto que ameaça sua existência e suas terras. Em São Paulo, por exemplo, forças policiais atiraram com balas de borracha e lançaram bombas de gás lacrimogêneo. Na Bahia, no território de Barra Velha, Pataxós foram atacados por pistoleiros. O texto do Projeto de Lei, que representa uma das investidas mais violentas contra os povos originários, deve seguir para análise do Senado Federal, onde ainda não tem data para ser votado.

Também em 30 de maio, a Câmara dos Deputados acatou mudanças na Medida Provisória 1154, que estrutura os ministérios do governo Lula. O texto, aprovado no Senado no dia seguinte, retira importantes instrumentos de política ambiental do Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), transferindo-os para ministérios sem a competência técnica necessária, além de esvaziar as atribuições do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Uma delas é a mudança da responsabilidade pela demarcação de Terras Indígenas da Funai, ligada ao MPI, para o Ministério da Justiça.
Mas nem tudo está perdido
Após a aprovação do PL 490 na Câmara, o governo federal aposta no Senado e no julgamento do STF para frear o marco temporal. De acordo com Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, a expectativa é de que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, dê à pauta tramitação lenta, passando por comissões temáticas e novas análises técnicas. "Com isso, ele não seria apreciado antes do retorno do julgamento pelo STF sobre o tema, no dia 7 de junho", diz. A tendência é que a Corte derrube o marco temporal, mas para isso muita mobilização será necessária, acrescenta Terena.

"A mobilização é fundamental. Considerando que a pauta ganhou visibilidade nacional e internacional, muito por conta do protagonismo do MPI, temos que marcar presença e os indígenas precisam acompanhar esse julgamento no STF de forma muito próxima aos ministros. É preciso mostrar as violações aos direitos humanos que o marco temporal carrega e declarar essa tese inconstitucional de uma vez por todas", declara Terena.

De acordo com ele, tanto o STF quanto o Senado têm independência para tratar da matéria, mas a pressão popular tem grande poder de influência. "A Apib está atenta a todas essas esferas e fazendo uma incidência específica para cada uma delas. No STF já pedimos audiência, já nos reunimos com ministros e encaminhamos memoriais. No Senado e no Congresso de forma geral, temos acompanhado de perto, elaborado notas técnicas e temos informado os indígenas", afirma ele.

Em parceria com a Apib, a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), a Conectas Direitos Humanos, a Comissão Arns e o ISA (Instituto Socioambiental) fizeram um apelo à (ONU) Organização das Nações Unidas pedindo apoio para barrar o PL 490 e a tese do marco temporal. O tema também foi tratado em reclamação enviada à ONU no ano passado pelo WWF-Brasil, Apib e outros parceiros.
Danos imensuráveis
Segundo a Coiab, além de também representar uma medida contrária ao enfrentamento à emergência climática, a tese do marco temporal significa a perpetuação de práticas discriminatórias e racistas contra os povos indígenas pelo Estado. "O marco temporal vai abrir precedentes para questionar todos os processos de demarcação, por isso irá afetar a todos os povos. Nós somos contra o marco temporal, porque vai contra nossos direitos originários", afirma Cristiane Beré, advogada e assessora jurídica da Coiab.

Há estimativas de que a decisão do STF possa definir o rumo de mais de 300 processos em aberto de demarcação de terras indígenas no país. O dano causado por uma eventual decisão favorável do Supremo à tese do marco temporal é imensurável, pois, além de colocar em risco a segurança dos indígenas que vivem em terras ainda não demarcadas atualmente sob disputa, pode abrir precedentes para o questionamento de territórios já homologados.

O marco temporal também facilitaria que áreas que não deveriam ter titularidade, por pertencerem aos indígenas, protegendo física e culturalmente povos originários, possam ser privatizadas e comercializadas.
Situação do julgamento no STF
O julgamento no STF trata de uma ação possessória de 2016, envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o Estado de Santa Catarina. Essa ação ganhou importância decisiva em abril de 2019, quando o Supremo reconheceu seu status de "repercussão geral", isto é, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.

A apreciação do caso foi paralisada na Corte em setembro de 2021, após um pedido de vista feito pelo ministro Alexandre de Moraes. O magistrado liberou a ação em outubro daquele ano e a continuidade do julgamento foi marcado para junho de 2022, mas o então presidente do STF, ministro Luiz Fux, o retirou da pauta.

Em abril deste ano, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, anunciou a retomada para o dia 7 de junho. De acordo com ela, o assunto foi pautado por reivindicação de Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas. No momento, o placar está empatado: o relator do processo, ministro Edson Fachin, votou contra o marco temporal, enquanto o ministro Kassio Nunes Marques divergiu e votou a favor.

De acordo com nota técnica publicada pela Apib no dia 25 de maio, as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são a principal condição da manutenção de sua sobrevivência física e cultural. O texto afirma também que a tese do marco temporal é inconstitucional, pois o direito dos indígenas ao usufruto exclusivo dos recursos naturais das terras tradicionalmente ocupadas está previsto na Constituição Federal, no parágrafo 2o do artigo 231.

"Sa~o reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens", diz prega o artigo. O texto é claro ao afirmar que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".
Durante o Acampamento Terra Livre (foto), realizado em abril de 2023, em Brasília, indígenas também protestaram contra a perda de direitos dos povos originários.
© Edgar Kanaykõ / WWF-Brasil

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