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Indígenas são vitais para preservação da Amazônia, dizem especialistas

Valor Econômico, Capa e Brasil, p. A1 e A2.
Autor: CHIARETTI, Daniela; VASCONCELOS, Gabriel
05 de Mai de 2022

Indígenas são vitais para preservação da Amazônia, dizem especialistas
Candido Bracher (Itaú Unibanco), Adriana Ramos (Instituto Socioambiental) e Sineia Wapichana, (Conselho Indígena de Roraima) debateram rumos da região na Live do Valor

Por Gabriel Vasconcelos e Daniela Chiaretti - Do Rio e São Paulo

05/05/2022 05h02 Atualizado há 19 horas

A solução para a Amazônia passa obrigatoriamente pela preservação e suporte dos povos indígenas, disse ontem o ex-presidente do Itaú Unibanco Candido Bracher na Live do Valor. Ele, que ocupa assentos nos conselhos de administração do banco que chefiava, além de Mastercard e Instituto Acaia, também disse que o mundo não percebeu a finitude da capacidade de armazenar gases-estufa da atmosfera.

Assim como a terra, os minérios e os alimentos, afirmou, o carbono deve ser precificado, mas de forma verdadeiramente global, o que ainda não aconteceu, a despeito de esforços regionais como o da União Europeia. Bracher participou da live ao lado de Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), e de Sineia Wapichana, liderança que atua no Conselho Indígena de Roraima.

"Não haverá solução para a Amazônia sem que se cuide dos povos da floresta. O ESG não cuida da questão ambiental sem cuidar da questão social. Elas são indissociáveis", resumiu Bracher. Adriana Ramos, que coordena o Programa de Política Socioambiental do ISA, exemplificou com dados a tese.

"A presença indígena no Brasil é ponto importante nesse debate. Hoje 13% do território brasileiro é reconhecido como terra indígena e responde por 20% de toda a vegetação nativa do país. Essas áreas protegidas têm papel na manutenção das florestas. Nos últimos 30 anos, enquanto o desmatamento atingiu 20% das terras privadas, o percentual nas terras indígenas foi de apenas 1%, disse Adriana.

Terras indígenas abrigam 305 povos, com 817 mil pessoas segundo dados do IBGE de 2010. Adriana lembrou, no entanto, que estimativas de especialistas apontam que a população indígena seria hoje de cerca de 1 milhão de habitantes. São mais de 270 línguas indígenas e grande diversidade cultural que inclui conhecimentos sobre esses territórios - do combate a queimadas à preservação de espécies nativas.

Sineia Wapichana citou que em 2008 teve início a estruturação de uma política local de enfrentamento às mudanças climáticas - que indígenas denominam "mudança do tempo". Ela afirmou que as transformações do tempo e vegetação são bastante evidentes em Roraima, porque o território tem vegetação diversa com florestas e áreas com características parecidas com as do cerrado (conhecidas por lavrado) em regiões de maior altitude. O lavrado se assemelha às savanas, com vegetação mais baixa, por vezes rasteira. Em razão dessa variedade, as mudanças se tornam mais evidentes em Roraima e passaram a ser monitoradas por agentes ambientais e territoriais indígenas.

No programa, disse Sineia, também há um banco de sementes vivas, o que na prática significa o armazenamento de sementes de espécies mais resistentes ao inverno e verão para uso futuro em aldeias. Os indígenas têm feito levantamentos sistemáticos que identificaram o aquecimento da temperatura das águas, extinção de espécies de peixes de água doce e perturbação no comportamento dos pássaros. Há também a formação de brigadas indígenas de combate a incêndio e queimadas ilegais, com treinamento e aquisição de equipamentos.

"Dentro das florestas há povos indígenas e quilombolas. É necessário um olhar para essas comunidades. Se atuam como barreira para queimadas e desmatamento, por que não ter políticas efetivas de auxílio para esses povos manterem a floresta em pé?", questionou a líder indígena.

Bracher e Adriana Ramos lembraram que o combate ao desmatamento é central nos compromissos de descarbonização assumidos pelo governo brasileiro nas conferências da ONU. As emissões ligadas a desmatamento respondem por 46% do total de emissões do país, disse Bracher. Adriana apontou a contradição que são as investidas protagonizadas pelo governo ou sua base no Congresso Nacional para abrir as terras indígenas a atividades, como mineração e arrendamento para o agronegócio. Para ela, essas tentativas buscam legalizar, veladamente, práticas de desmatamento hoje vedadas por lei.

"Ao chegar na comunidade internacional e assumir compromissos de zerar o desmatamento ilegal para atender a meta de redução de emissões, o governo brasileiro está enganando a comunidade internacional. É fácil acabar com o desmatamento ilegal numa 'canetada' que vai transformar o ilegal em legal. Não acaba com emissão nenhuma, mas fica, do ponto de vista formal, como um país que cumpriu seu compromisso", criticou ela.

Bracher também se disse preocupado com a lentidão do processo de precificação do carbono em nível global. "A coisa evolui muito devagar. É muito difícil colocar uma taxa para todos os países", disse. Ele elogiou o sistema europeu de "cap and trade" (captura e troca), que estabelece um teto para as emissões com obrigação de pagamentos ou compensações para quem ultrapassá-lo.

"No sistema europeu, o mais rigoroso que existe, o preço da tonelada de carbono atingiu 95 euros na semana passada. Mas, se uma região faz isso e outras não, as produções mais poluentes migram para onde o mecanismo não é aplicado. Por isso tenta-se aplicar uma taxa de fronteira de carbono, que obriga o pagamento de imposto pelo carbono envolvido na fabricação dos produtos importados para evitar a fuga de empresas a locais não regulados."

Devido às limitações do receituário regional, Bracher defendeu a proposta do ex-presidente do Banco Central da Índia, Raghuram Rajan, que dividiu as emissões mundiais - estimadas em 50 bilhões de toneladas de carbono equivalente - pela população mundial (cerca de 7 bilhões de pessoas), de modo a definir a emissão média anual de cada habitante: pouco mais de 7 toneladas per capita. Com isso, deve-se fazer o inventário de emissões de cada país e, aqueles que emitirem acima da média per capita devem pagar, aos que estiveram abaixo dessa média, taxas em torno de US$ 50 ou US$ 60 por tonelada excedente.

"Todos os países do mundo seriam estimulados a reduzir emissões, seja para pagar menos, seja para receber mais, e com a vantagem de se preservar a soberania de cada um com relação às medidas para se alcançar metas climáticas", disse Bracher.

Valor Econômico, 05/05/2022, Capa e Brasil, p. A1 e A2.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/05/05/indigenas-sao-vitais-…

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