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Indígenas brasileiros denunciam na ONU 'violação frontal' com Marco Temporal no Congresso e cobram veto de Lula

g1 - https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/29/indigenas-denuncia-onu-marco-temporal.ghtml
29 de Set de 2023

Indígenas brasileiros denunciam na ONU 'violação frontal' com Marco Temporal no Congresso e cobram veto de Lula
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil critica projeto que determina o Marco após derrubada em julgamento no STF. Entidades entregam carta destinada a Lula para vetar "atentado à democracia".

Por Arthur Stabile, g1 - São Paulo
29/09/2023 05h06

Indígenas brasileiros denunciaram nesta sexta-feira (29) na ONU (Organização das Nações Unidas), na Suíça, a "violação frontal aos direitos dos povos indígenas" com a discussão do Marco Temporal no Congresso Nacional brasileiro, após o STF (Supremo Tribunal Federal) barrar a tese. A denúncia foi feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Conectas Direitos Humanos.

O Marco Temporal previa que indígenas poderiam reivindicar somente terras ocupadas por eles antes da Constituição de 1988. O Supremo julgou e derrubou o Marco Temporal no dia 20 de setembro por 9 votos a 2.

No entanto, o Senado aprovou na quarta-feira (27) urgência em Projeto de Lei (PL, de número PL 2.903/2023) que estabelece o Marco Temporal para Terras Indígenas.

Caso o projeto avance, indígenas e especialistas apontam que o Marco traria dificuldades para a demarcação de nova terras indígenas e interferiria em locais já ocupados atualmente pelos povos originários, que podem ser retirados de suas terras. Os indígenas cobraram o veto integral em carta enviada ao presidente Lula (leia abaixo o documento na íntegra).

"Enquanto a Suprema Corte avança no rechaço à tese discriminatória do Marco Temporal, o Congresso Nacional discute o Projeto de Lei 2903 de 2023 para aprovar atividades incompatíveis com a proteção das terras indígenas", diz a denúncia que será lida na 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizado em Genebra, na Suíça.

Denúncias feitas por entidades na Organização das Nações Unidas funcionam como um aviso à comunidade internacional sobre questões locais que precisam ser observadas pelo mundo -de acordo com a visão desses grupos.

A ONU pode emitir avisos ao Brasil -e outros países- e cobrar respostas, como solicitar que o país preste informações de ações para a proteção dos direitos indígenas, por exemplo.

O alerta na ONU cita como exemplo a repressão feita pela Polícia Militar de São Paulo a um protesto de indígenas do povo Guarani Mbya, em maio deste ano, como forma de violência contra a livre manifestação. À época, a PM usou bombas de efeito moral, balas de borracha e jatos d'água contra os indígenas.

"Solicitamos que a comunidade internacional inste o Estado brasileiro a responsabilizar os agentes envolvidos na repressão ao povo Guarani Mbya, a reparar danos individuais e coletivos e a desenvolver um protocolo de atuação das forças policiais com relação aos povos indígenas e seus territórios", pedem.

Marco Temporal no Senado

O Senado aprovou nesta quarta-feira (27), por 43 votos a 21, o projeto que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas. A proposta seguirá para sanção do presidente Lula (PT).
Policiais militares usaram bomba de gás, balas de borracha e jato de água contra indígenas Guarani para liberar Rodovia dos Bandeirantes - Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Policiais militares usaram bomba de gás, balas de borracha e jato de água contra indígenas Guarani para liberar Rodovia dos Bandeirantes - Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Pela proposta, os povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam, de forma permanente, em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Na prática, se as comunidades não comprovarem que estavam nas terras nesta data, poderão ser expulsas.

O projeto no Senado, que tem o parlamentar Marcos Rogério (PL-RO) como relator, prevê também:

autorização para garimpos e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas;
flexibilização da política de não-contato de povos em isolamento voluntário;
possibilidade de realização de empreendimentos econômicos sem que os povos afetados sejam consultados;
celebração de contratos, entre indígenas e não-indígenas, para exploração de atividades econômicas nos territórios tradicionais
que a regra será revista, em caso de conflitos de posse pelas terras. Nesses casos, as comunidades poderão ter dificuldade de provar na Justiça o conflito ou a expulsão;
que o governo indenize a desocupação das terras e valide títulos de propriedade em terras das comunidades indígenas.

Veja a carta a Lula na íntegra:

"Apelo por veto presidencial

Nova ameaça de inviabilização das demarcações de terras indígenas e destruição de direitos fundamentais e humanos dos povos indígenas no Brasil diante de flagrante inconstitucionalidade da aprovação do PL 2903

As organizações listadas endereçam respeitosamente ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva este apelo por veto presidencial integral do PL 2903/2023. O texto aprovado às pressas pelo Senado Federal na última quarta-feira, 27 de setembro, representa uma flagrante inconstitucionalidade, um atentado à democracia e separação dos poderes e pode impor, se promulgado, sérias violações de direitos fundamentais e humanos aos povos indígenas do Brasil.

O apelo pelo veto presidencial tem fundamento jurídico no art. 66, § 1o da Constituição Federal que reputa ao Presidente da República o veto integral em casos de inconstitucionalidade do texto aprovado pelo Congresso Nacional. O PL 2903 contraria expressamente decisão do Supremo Tribunal Federal que, em decisão proferida no âmbito do Recurso Extraordinário 1.017.365/SC no dia 21 de setembro, rejeitou a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A rejeição à tese do marco temporal foi confirmada, inclusive, na tese de repercussão geral definida pelo STF no dia 27 de setembro.

Vale destacar que, no último ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU) em 2022, a necessidade de demarcar territórios indígenas e rejeitar a tese do marco temporal foi lembrada por 25 países, com adesão voluntária pelo Estado brasileiro em março de 2023.

Além da questão do marco temporal, o projeto apresenta uma série de retrocessos que destituem direitos constitucionais e levariam a danos ambientais irreparáveis, inviabilizando o compromisso feito pelo governo de zerar o desmatamento até 2030. São estes:

I.Estabelece que a demarcação poderá ser contestada em todas as fases do processo administrativo, o que dificultaria sua finalização;

II.Dispensa atividades altamente impactantes (construção de estradas, hidrelétricas, linhas de transmissão, outros) da realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas afetadas, contrariando determinação da Constituição Federal e de legislação internacional ratificada pelo Estado brasileiro;

III.Legaliza o arrendamento de terras indígenas ("parcerias rurais") para o plantio de grandes extensões de monocultura, sem qualquer regra de proteção ambiental, estimulando um aumento significativo do desmatamento no país, sobretudo na Amazônia, onde se concentra 98% dos territórios indígenas;

IV.Abre brechas para o fim da política de não contato com indígenas isolados, permitindo o contato em casos de "interesse público", que poderia ser realizado por empresas e, inclusive, por associações de missionários.

V.Permite a retirada das terras dos indígenas caso se considere que houve "alteração de seus traços culturais" ou por "outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo".

Em síntese, além de inconstitucional em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal, o PL 2903 destitui direitos constitucionais; inviabiliza demarcações de terras indígenas; ameaça os territórios homologados; ignora a consulta e o consentimento livre, prévio e informado; e contraria os esforços de proteção ambiental e enfrentamento às mudanças climáticas. Ao proceder ao veto integral do texto, o Presidente estaria cumprindo seus deveres constitucionais e garantindo o reestabelecimento dos direitos fundamentais e humanos dos povos indígenas.

Assinam este apelo:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Aty Guasu Guarani Kaiowá
Conectas Direitos Humanos
Instituto Socioambiental
Kunhangue Jeroky Guase Marangatu
Observatório do Clima
Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas - FIAN Internacional
Retomada Aty Jovem Guarani Kaiowá - RAJ"

https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/29/indigenas-denuncia-onu…

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