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Incra tem culpa maior em desmatamentos

O Globo, O País, p. 4
23 de Mar de 2009

Incra tem culpa maior em desmatamentos
Auditoria pedida por Lula comprova que derrubada de florestas é maior em áreas de assentamentos no MT

Catarina Alencastro

Em setembro último, quando o Ministério do Meio Ambiente divulgou a lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia, caiu como uma bomba a inclusão de seis assentamentos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Para acalmar ânimos acirrados, o presidente Lula pediu auditoria para checar se os dados estavam corretos, já que o Incra alegava existirem "erros crassos" no documento. O GLOBO teve acesso ao resultado da auditoria, que revela ser a situação ambiental dos assentamentos do Incra no Mato Grosso ainda mais grave: o desmatamento total nos assentamentos listados é 18% maior que o que apareceu nas autuações originais.

O Incra foi multado pelo desmatamento de 292.070 hectares em oito assentamentos. Mas o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), com imagens do satélite Prodes, descobriu que o desmatamento foi de 330.290 hectares da Floresta Amazônica, 57.890 hectares a mais que o calculado antes.

Acordo para recuperar áreas
As multas impostas ao Incra chegaram a R$ 265,5 milhões.
Segundo o Ibama, os assentamentos desmataram sem autorização de órgão ambiental, impediram a regeneração de floresta primária e não tinham licença ambiental. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, diz que foi feito acordo para que, no lugar de pagar em dinheiro, o Incra recupere áreas degradadas nos assentamentos e doe áreas destinadas à reforma agrária para unidades de conservação.

- A ideia é fazer, começando por esses assentamentos do Mato Grosso, planos de recuperação e doação de terras a unidades de conservação. É a primeira vez que implementamos a conversão de multa nessas duas áreas - disse Minc.

A auditoria diz que os 330.290 hectares desmatados representam 59% do total dos sete assentamentos autuados. Oito assentamentos do Incra constavam da lista dos 100 maiores desmatadores da Amazônia. No entanto, o Lenita Noman, no município de Nova Bandeirantes (MT), ficou fora do levantamento do Ibama porque havia divergências sobre a exata localização e delimitação de sua área.

O Itanhangá-Tapurah, que aparecia na 43aposição, saltou para o primeiro lugar após a auditoria porque a lista original tinha um erro: os 2.820 hectares desmatados eram, na verdade, o passivo ambiental herdado pelo Incra e que este deixou de recuperar, incorrendo aí em crime ambiental. Na realidade, o assentamento foi autuado em 2006 pelo desmatamento de 68.744 hectares. Técnicos do Ibama descobriram, via satélite, que o desmatamento foi ainda maior: 76.616 hectares, 72% da área do assentamento.

Desflorestamento cresceu a partir de 2002
O laudo também derruba um dos principais argumentos do presidente do Incra, Rolf Hackbart, à época, de que os desmatamentos eram antigos.

Apesar de os assentamentos terem sido criados na década de 90, o Ibama concluiu que 5 9 % dos desmatamentos aconteceram depois de 2002.

O Boa Esperança I, II e III, por exemplo, teve 80% de seus 15.620 hectares desmatados entre 2002 e 2007.

"Através da análise da dinâmica do desmatamento ocorrido no interior dos assentamentos, foi observado que a supressão da vegetação nativa ocorreu após o ano de 2002 (59%). A dinâmica também indicou, para a soma total das áreas de assentamento, tendência no crescimento do desmatamento nos anos de 2002 e 2005, ocorrendo diminuição consecutiva nos anos 2006 e 2007", diz o texto. A redução no ritmo do desmatamento nesses últimos anos deve-se ao esgotamento dos recursos florestais, sugere o Ibama.

O documento é claro em dizer que o Incra é responsável pelos crimes ambientais cometidos nos assentamentos, já que os assentados estão sob tutela do órgão até receberem os títulos das terras. Segundo o órgão ambiental, o Incra falhou em não comunicar os danos ao meio ambiente. O levantamento também identificou outros crimes, como desmatamento e ocupação de Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Instituto volta a desqualificar estudo
Diretor do Incra diz que denúncia é superficial e cita 'ações criminosas'

O Incra, que criticara o primeiro levantamento, voltou a desqualificar os novos dados do Ibama. Para o diretor de Obtenção de Terras, Celso Lisboa de Lacerda, o trabalho é superficial.

A principal crítica é que o Ibama não teria verificado o que é desmatamento legal e o que é ilegal nos assentamentos. Segundo ele, os problemas estão no Arco do Desmatamento, onde unidades de conservação sofrem com a ação de criminosos. Lacerda cita os entornos de Marabá (PA), Santarém (PA) e o norte do Mato Grosso como áreas mais vulneráveis à ação do crime ambiental.

- Com certeza absoluta, houve desmatamentos legais, autorizados pelo Ibama e o órgão ambiental do estado. Não pode ter autuação numa coisa autorizada. A gente não vai conseguir achar nunca todas essas autorizações, até porque muitas pessoas que as receberam já não estão mais lá - reclamou.

- O Chico Mendes (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) tem de mostrar o desmatamento dele.

Outro problema, disse, é que na região os grileiros se apossam dos assentamentos e praticam irregularidades.

- Grileiros começam a tomar conta das terras para desmatar, explorar madeira ilegalmente e plantar pasto para criar gado - afirmou. Para Lacerda, o governo terá que decidir o que quer nessa região da Amazônia: expandir a fronteira agrícola ou preservar a floresta.

- Temos que retomar essas áreas e redistribuir para as pessoas da região que têm cultura preservacionista.

O Incra tem 2.530 assentamentos na Amazônia Legal, ocupando área de cerca de 59 milhões de hectares e abrigando meio milhão de famílias. Do total, 314 assentamentos são projetos que levam a questão ambiental em conta. São cinco Projetos de Assentamento Florestal (PAF), 223 Projetos de Assentamento Extrativista (PAEs) e 86 Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS). Lacerda diz que desde 2008 o Incra começou a monitorar o desmatamento nos assentamentos. (C.A.)

Documento comprova erros

Na segunda semana de março, a área ambiental do governo discutiu o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. Na pauta, um relatório encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente a uma consultoria externa para avaliar a evolução do projeto, que está completando cinco anos. O documento é categórico ao assinalar os problemas causados pelos assentamentos de reforma agrária.

Em amostragem sobre 170 assentamentos criados até 2002, metade foi erguida em áreas com 50% ou mais de cobertura florestal nativa. Cinco anos depois, cerca de 45% deles tinham menos de 20% de floresta primária. Outra amostragem, com 207 assentamentos criados no governo Lula entre 2003 e 2006, revela a tendência de aumento no desmatamento.

Já o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, evitou polemizar com o Incra e minimizou os resultados da avaliação referendada por sua pasta.

- É importante que se frise que esses assentamentos, entre 2000 e 2002, foram criados no governo FH. De lá pra cá, esses assentamentos mais recentes são bem melhores. Você tem quatro tipos diferentes de assentamento: os do horror da ditadura, os do semi-horror do Fernando Henrique, as melhorias do (Guilherme) Cassel e a quarta geração, que é esse acordo de demarcação prévia - disse.
O Globo na internet A devastação da Amazônia em números oglobo.com.br/pais

O Globo, 23/03/2009, O País, p. 4

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