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Incentivo ao talento

CB, Trabalho & Informacoes Profissao, p.1 e 2
21 de Mar de 2004

Incentivo ao talento
Fundação Ford ajuda estudantes pobres, índios e negros a concluírem cursos de pós-graduação. Objetivo é apoiar projetos comprometidos com causas socias
CARMEN SOUZA
DA EQUIPE DO CORREIO
Em vez de lidos, os teóricos da Pedagogia eram ditados pelos colegas de faculdade. Preço da ousadia: por quatro anos, Lourival Ferreira do Nascimento enfrentou a deficiência visual. Formou-se pedagogo de ouvido. E tomou gosto pela academia. Com o diploma em mãos e 95% da visão comprometida desde os 14 anos de idade, decidiu se tornar mestre. "Disputei uma vaga na Universidade Estadual do Pará e fui aprovado em 2002", orgulha-se.
No meio da peregrinação pelo conhecimento, um anúncio chamou a atenção do paraense de 36 anos. Uma organização internacional prometia investir na pós-graduação de brasileiros menos aquinhoados financeiramente. "Consegui uma das bolsas e mudei minha vida acadêmica", conta Lourival. "Viajei para o exterior, comprei computador, software de leitura, livros, lupa eletrônica."
Mestre há quatro meses, Lourival faz parte do primeiro grupo de bolsistas brasileiros do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford. Desenvolvido em 23 países, o IFP está presente em terras tupiniquins desde 2002. De lá pra cá, 84 brasileiros foram beneficiados. A versão deste ano, com inscrições abertas até 28 de maio, irá selecionar outros 42 profissionais.
"Estamos à caça de novos líderes", diz Ana Toni, representante da Fundação Ford no Brasil. "Gente com potencial acadêmico e comprometida com as questões sociais." Cada país beneficiado tem uma instituição coordenadora e um perfil pré-determinado de bolsista. No Brasil, a Fundação Carlos Chagas privilegia os candidatos que atendam a pelo menos um dos seguintes requisitos: ser originário das regiões Centro-Oeste, Norte ou Nordeste; identificar-se como negros, indígenas ou integrante de família com baixo poder aquisitivo.
Segundo Fúlvia Rozemberg, coordenadora do IFP no Brasil, o processo de escolha dos bolsistas é parecido com o adotado por instituições de fomento brasileiras. A disputa pelo benefício é acirrada. "Tivemos 1.500 inscritos no programa de 2002 e 900 na seleção do ano passado", diz a professora da Fundação Carlos Chagas. Cristiano Guedes passou pelo último funil. Aos 27 anos, o assistente social é, desde segunda-feira, aluno de pós-graduação da Universidade de Brasília.
No Departamento de Sociologia, o brasiliense planeja discutir novas formas de assistência aos portadores de anemia falciforme, doença genética que afeta as hemoglobinas. "Hoje, os aconselhamentos são apenas biomédicos. Acho que o Serviço Social pode mudar essa visão fatalística da doença." Nascido e criado no Gama, engajado em questões sociais, Cristiano não tem dúvidas de que sua história o levou ao IFP "Sempre tive um pé na universidade e outro no terceiro setor. Essa coerência foi levada em consideração."

BOLSA VARIA DE ACORDO COM CUSTO DEVIDA
Dividida em quatro etapas, a seleção para o Programa Internacional de Bolsa de Pós-Graduação da Fundação Ford (IFP) terá duração de 10 meses. Depois de escolhidos, os bolsistas têm um ano para passar em um curso de pós-graduação no Brasil ou no,: exterior. Durante o período, o programa IFP financia cursos de idioma e redação acadêmica, compra de livros, paga viagens para as cidades de aplicação das provas. "Identificamos as dificuldades dos bolsista e os capacitamos. Aprovados, eles passam a receber outro tipo de benefício", diz Fúlvia Rozemberg, coordenadora do IFP no Brasil.
O valor da bolsa de estudo varia conforme o custo de vida da cidade escolhida pelo candidato. Fúlvia alerta, no entanto, que o auxilio é bem superior ao que é pago pelas instituições de fomento brasileiras. Os escolhidos também recebem auxilio para a compra de livros e de computador, têm direito a seguro saúde e a passagens aéreas para viagens previstas no cronograma de estudo.
Dijaci David de Oliveira planeja concluir o doutorado, iniciado há um ano, na França ou no Canadá. 0 paraibano de 36 anos, que mora em Brasília desde os dois, decidiu dar um toque internacional à tese depois que foi aprovado na última seleção do IFP. "Lá, os estudos sobre o desaparecimento de cidadãos comuns estão mais avançados", justifica.
Maria das Dores Pankararu preferiu não deixar o país. Desde o início do mês, ela trocou Maceió por São Paulo para complementar o doutorado em lingüística. "Estou descobrindo ume forma de manter vivo o.' ofayé", empolga-se. 0 dialeto é falado por 12 índios em uma tribo do Mato Grosso do Sul. Pela dedicação exclusiva à identidade do seu povo, Maria recebe US$ 850 mensais (em torno de R$ 2.500). Quando terminar os estudos, a guerreira nordestina provavelmente será a primeira índia doutora brasileira. E está orgulhosa disso. "Como meus antepassados, brigo pela questão indígena."

FIQUE POR DENTRO
O Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford (IFP)
Como funciona
O IFP oferece bolsas de estudo para a realização de cursos de pós-graduação em instituições de ensino do Brasil e do exterior. 0 programa é destinado a profissionais graduados que atendam a pelo menos uma das exigências a seguir: morar na região Centro-Oeste, Norte ou Nordeste; identificar-se como negro, indígena; ou provir de família com poucas oportunidades econômicas ou educacionais
As vagas
A versão 2004/2005 do IFP prevê a concessão de 42 bolsas. Os projetos devem se enquadrar em um dos três campos de atuação da Fundação Ford: formação de recursos e desenvolvimento comunitário; paz e justiça social; ou conhecimento, criatividade e liberdade
As inscrições
O Formulário de Candidatura, disponível no site www, programabolsa.org.br, dever ser enviado à Fundação Carlos Chagas, exclusivamente pelos Correios, até o dia 28 de maio. 0 endereço da fundação é Avenida Professor Francisco Morato, 1565-Jd. Guedala. Cep: 05513-900. São Paulo
Valor das bolsas
O valor do benefício varia conforme o custo de vida do local escolhido pelo candidato. A bolsa tem duração mínima de 18 meses e máxima de 24 meses, para mestrado, e 36 meses, para doutorado
Informações
Pelo telefone
(11) 3722-4404 ou pelo site wwwr programabolsa.org.br
Evolução
Desde o início do programa, 84 brasileiros foram beneficiados. Desses, cinco já defenderam suas teses. Entre os bolsistas da última seleção, 93% se identificam como negro e/ou indígena. Na seleção do ano passado, 76% das bolsas foram concedidas para cursos de mestrado

CB, 21/03/2004 p. 1 e 2

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