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Ibama vê falhas em projeto de usina na Amazônia

OESP, Economia, p. B3
05 de Jun de 2015

Ibama vê falhas em projeto de usina na Amazônia
Conceito de 'usina plataforma', que minimizaria danos ambientais na Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, foi rejeitado pelo órgão

André Borges

O governo vai ter de recorrer a outros argumentos se quiser comprovar a viabilidade de seu plano para construir a última grande hidrelétrica do Brasil em plena Floresta Amazônica. Depois de se debruçar sobre as quase 20 mil páginas do estudo de impacto ambiental da Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, prevista para ser erguida no meio do Parque Nacional da Amazônia, em uma das regiões mais conservadas do País, o Ibama derrubou o principal argumento usado pelo governo para tentar liberar o empreendimento: o conceito de "usina plataforma".
Para demonstrar a viabilidade socioambiental do projeto, o governo bancou a ideia de que havia criado um modo revolucionário para construir a hidrelétrica. Inspirada nas plataformas de petróleo, que ficam isoladas no oceano, São Luiz do Tapajós teria baixíssimo impacto, porque não seria necessário erguer vilas e abrir estradas para construí-la. O transporte de pessoas e equipamentos seria feito sempre por rios e céus, evitando a agressão ao meio ambiente e a migração populacional que costumam acompanhar esse tipo de empreendimento. Mas a história não colou.
Em parecer concluído em março por um grupo de analistas do Ibama, ficou demonstrado que, na prática, as ideias propostas para reduzir os impactos negativos da obra já são velhas conhecidas de qualquer outro grande projeto instalado na Amazônia. Paralelamente, promessas como o controle de migração de população para a região são, na prática, impossíveis de serem cumpridas pelo construtor da usina.
"O que não se espera nesse empreendimento é a divulgação do 'conceito de usina plataforma' como metodologia que resolverá os problemas causados pela chegada de um grande empreendimento em uma região com carência de infraestrutura de atendimento aos serviços sociais", afirma o parecer ao qual o Estado teve acesso. "O empreendedor não dispõe de ingerência que possibilite evitar o surgimento de aglomerações externas às áreas do empreendimento, ou a migração de trabalhadores à região em busca de oportunidades de trabalho."
Com cerca de 120 mil habitantes, a região, carente em serviços de saúde, educação, segurança e saneamento básico, tem previsão de receber até 30 mil pessoas com as obras.

Sem inovações. Em sua conclusão, a equipe de analistas declara que o uso do conceito é prematuro, já que não foram apresentadas inovações no tratamento dos impactos se comparado a outros empreendimentos do mesmo porte na Amazônia. "Foi desconsiderado o uso do conceito. A análise será conduzida conforme realizada em outros empreendimentos de mesma magnitude na Amazônia, avaliando-se os impactos causados e as medidas de controle", conclui o parecer.
Responsáveis pela contratação dos estudos, a Eletrobrás e o Grupo de Estudos do Tapajós, que reúne uma série de empresas privadas, dependem de uma licença prévia do Ibama para que o empreendimento possa ser leiloado pelo governo. O governo pressionou para que a licença fosse dada no ano passado, o que não aconteceu. A se basear pelas diversas "incertezas e falhas indicadas ao longo da análise" feita pelo Ibama, ainda há muito o que ser discutido sobre o empreendimento.
Os técnicos do órgão ambiental declararam que simplesmente não conseguiram aprofundar a análise de muitos temas, por conta da precariedade das informações. "Foram identificadas diversas lacunas e inconsistências técnicas no estudo de impacto ambiental (EIA), tanto no diagnóstico quanto na avaliação de impactos, o que fragilizou a avaliação dos impactos e das medidas propostas", declaram analistas.
O parecer resultou em aproximadamente 180 pedidos de complementações e ajustes no estudo, para que então o material seja submetido à nova análise. A posição da área técnica não é conclusiva, mas serve de subsídio fundamental para a decisão final do Ibama. "O diagnóstico ambiental evidencia a riqueza extraordinária da bacia, caracterizada por sua altíssima diversidade biológica aquática e terrestre, ainda bastante preservada, recursos minerários abundantes e presença maciça de populações tradicionais e povos indígenas", afirmaram os analistas.
A comprovação da viabilidade ambiental do projeto depende ainda da realização de audiências públicas e de pareceres de outros órgãos, como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Empresas negam problemas nos estudos

Apesar de todos os problemas apontados pelo Ibama, o Grupo Tapajós, liderado pela estatal Eletrobrás, negou que o estudo de impacto ambiental de São Luiz do Tapajós tenha falhas.
"Não existem falhas, há complementações que estão sendo integradas", declarou o grupo. Segundo os empresários, trata-se de "pontos importantes que, na opinião dos analistas, geraram dúvidas ou não tiveram suficiente argumentação por parte dos especialistas contratados para elaborar os estudos".
De acordo com a empresa, não serão necessários novos estudos, mas apenas informações complementares. "Temos 70% das respostas e pretendemos prestar todos os esclarecimentos ao Ibama até o fim de junho", informou o Grupo Tapajós, que trabalha com a expectativa de obter a licença prévia da hidrelétrica em novembro.
Questionado sobre o fato de que o conceito de "usina plataforma" foi descartado pelos analistas e que o projeto terá o mesmo tratamento dado a empreendimentos como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, hidrelétricas em construção na região amazônica, o grupo declarou que São Luiz "é uma usina de pequeno impacto" e que tem "características diferenciadas em relação a outros empreendimentos hidrelétricos de grande porte na região".
Segundo os empresários, trata-se de um modelo "com foco no respeito e no mínimo impacto ao meio ambiente e nas populações, e na maior recomposição ambiental possível, pois vai preservar as características existentes". Eles afirmaram ainda que o rio será o meio de transporte principal durante a construção, que será feita "sem a instalação de vilas operárias, cidade e centros comerciais no entorno, reduzindo a possibilidade de grandes migrações".
Os estudos da usina foram apresentados em junho de 2014 e, segundo o Grupo Tapajós, resultou em "informações pioneiras" para o País. Além da Eletrobrás, o grupo é formado pelas empresas Electricité de France (EDF), Copel, Endesa Brasil, Cemig, Camargo Corrêa, GDF Suez e Neoenergia.
Prevista para custar R$ 31 bilhões, São Luiz prevê potência máxima de 8.040 MW, o suficiente para atender até 20 milhões de residências. A área do reservatório atingiria 729 km² de mata virgem, com uma barragem de 7,6 km, de uma margem à outra do Tapajós

Lula defendeu conceito

O primeiro e principal defensor do conceito de "usina plataforma" foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em fevereiro de 2010, Lula foi a público para dizer que o Complexo Tapajós, que na realidade é alvo de até cinco projetos de hidrelétricas, seria palco de uma revolução da engenharia moderna.
"Vamos também apresentar ao Brasil uma coisa chamada hidrelétrica plataforma, que é um novo modelo de hidrelétrica em que a gente vai apenas fazer o desmatamento para construir a hidrelétrica. Depois vai fechar o desmatamento, não vai permitir a entrada de ninguém para não ter casa, não ter nada, e os trabalhadores que forem trabalhar na hidrelétrica, eles vão trabalhar como se fossem trabalhar numa plataforma da Petrobrás, em alto-mar", declarou Lula, que ainda deu detalhes de como isso seria possível. "Eles vão de helicóptero, descem lá na hidrelétrica, trabalham, ficam um certo tempo e voltam para casa, sem ter estrada, sem ter nada na hidrelétrica." O modelo inovador, segundo o ex-presidente, iria "deixar o mundo boquiaberto de conhecer o que é o nosso projeto plataforma para fazer hidrelétrica".
Desde então, o Ministério de Minas e Energia tem se esforçado para explicar a ideia, recorrendo a animações de computador para ilustrar o plano. O governo queria leiloar as usinas ainda em 2011. Nenhuma, entretanto, saiu até hoje. Para abrir o caminho para as hidrelétricas, o governo reduziu as áreas de florestas protegidas no entorno do Tapajós.

OESP, 05/06/2015, Economia, p. B3

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