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A humanidade vista pelas lentes de Sacha Biyan

OESP, Caderno 2, p. D10
03 de Dez de 2003

A humanidade vista pelas lentes de Sacha Bïyan
Fotógrafo canadense, com larga experiência no campo da moda, exibe pela primeira vez em São Paulo o resultado de sua vasta pesquisa com povos primitivos, que preservam uma relação de respeito com a natureza

MARIA HIRSZMAN

Um projeto grandioso, que já rendeu belas imagens de populações primitivas nos quatro cantos do planeta, pode ser visto a partir desta noite na Galeria Marta Traba, nome oficial do espaço expositivo do Memorial da América Latina. Trata-se da mostra Ouroboros: Spiritus, uma seleção de 150 fotos realizadas por Sacha Dean Bïyan nos últimos seis anos e que refletem seu desejo de resgatar uma certa inocência e pureza das culturas ancestrais, profundamente e misticamente sintonizadas com a natureza.
"Fico profundamente desanimado ao ver nossos jovens fascinados por essa cultura moderna, pelo dinheiro. É isso que me dá medo", afirma Bïyan, fazendo referência ao fato de já ter enfrentado momentos de forte tensão em suas incursões pela selva, como quando o barco em que estava virou e ele perdeu na água material que custara vários milhares de dólares. "Me deprime profundamente o desrespeito pela vida, pelas coisas", afirma.
Apaixonado por fotografia desde criança e profissional reconhecido no campo da moda - profissão que adotou depois de ter se formado em engenharia com especialidade em aeronáutica -, Bïyan quase interrompeu seu projeto logo no início, depois de sua primeira estadia numa tribo selvagem da Indonésia. Foi uma viagem dura, cheia de atribulações e a empreitada só teve continuidade graças à parceria com duas organizações, a Fundación Amazonica de Ecuador e a Survival International.
No entanto, mais de 2.500 rolos de filme depois e tendo registrado de 50 a 60 comunidades mundo afora - o que exige um grande esforço, já que para conquistar a confiança de pessoas que em alguns casos jamais haviam visto uma máquina fotográfica o obriga a ficar pelo um mês entre eles -, ele afirma que jamais deixará de lado esse mergulho no universo simples, mas verdadeiro, das comunidades indígenas do mundo.
A peregrinação ao redor do mundo também diz muito sobre sua história pessoal. Indiano como seu pai, filho de peruana e naturalizado canadense, Bïyan vive atualmente entre o Rio e Nova York. Tem relações importantes também com o Japão, onde realizará a segunda etapa da mostra Ouroboros, em meados de 2004. Fala cinco idiomas e, mesmo assim, necessitou de intérpretes em cada incursão que realizou.
Dentre os contatos mais ousados que realizou, Bïyan cita aquele feito numa tribo que até cinco anos atrás vivia totalmente isolada, na selva amazônica do Equador, mas que já dá sinais de aculturação acelerada nos últimos tempos. "Não se pode impedir isso", lamenta ele, afirmando que é necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre essas tensões, entre a dita civilização e a tradição desses povos.
A decisão de mostrar seu trabalho pela primeira vez no Brasil decorre de uma série de fatores: sua crescente presença no País, a importância da América Latina em seu trabalho e seu encantamento com o espaço da galeria. Todo o conceito da mostra foi desenvolvido a partir do formato circular da sala desenhada por Oscar Niemeyer, que lhe sugeriu a idéia de explorar uma mitologia comum a várias culturas: a cobra que morde seu próprio rabo, num ciclo de vida e morte que tem muito da singeleza que ele buscou captar.
Apesar da importância etnográfica de sua pesquisa, Bïyan esclarece que não há nenhuma intenção do gênero em seu trabalho. Também não identifica mestres que o tenham guiado nessa empreitada, apesar de ser admirador de vários fotógrafos. O trabalho com o qual talvez tenha maior sintonia seja o de Edward Curtis, que consagrou sua vida a registrar os índios norte-americanos.
"A foto para mim é como poesia; não são fotos antropológicas", diz ele. Nem tampouco pertence ao mesmo universo das de moda - curiosamente foi a moda que o trouxe ao Brasil, onde vive parte do ano, pois aqui existem bons profissionais da área a um custo bem mais convidativo do que no primeiro mundo. Mas em alguns momentos chega a incomodar a relação entre o trabalho mais comercial e as imagens desse projeto pessoal. Apesar da aparente contradição entre esse mundo selvagem e o mundo glamouroso e "ególatra" com o qual convive da sintonia entre a linguagem mais estilizada usada em trabalhos para revistas como Marie Claire e Photo e uma imagem singela porém rebuscada - às vezes pousada de maneira um tanto artificial - como aquela que mostra duas meninas saindo de um banho de lama num afastado local da América Latina, Bïyan não vê isso como uma contaminação.
Segundo ele, essa relação decorre de uma questão de estilo. Diz que está preocupado em explorar questões relacionadas à luz e forma e que a moda o ajudou muito a compreendê-las melhor. Dessa busca do que define de "pureza da luz" decorre também o uso preferencial pelo preto-e-branco. "Assim obtenho mais impacto, mais emoção", justifica.

OESP, 03/12/2003, Caderno 2, p. D10

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