VOLTAR

As hidrelétricas

Valor Econômico, Opinião, p. A15
Autor: LEITE, Antonio Dias
21 de Mai de 2013

As hidrelétricas

Por Antonio Dias Leite

Não se pode esquecer que a energia hidráulica é, no Brasil, a principal fonte de geração de eletricidade, serviço considerado indispensável pelas sociedades organizadas segundo o modo de vida dominante no mundo atual. Em contrapartida, as usinas hidrelétricas, como qualquer obra de grande dimensão, provocam danos à natureza e inconvenientes ou prejuízos materiais e morais à sociedade local. São por esses motivos submetidas a licenciamento prévio em cujo processo tomam parte inúmeras organizações publicas e privadas.
O melhor aproveitamento do recurso natural se faz mediante usinas geradoras, dotadas de reservatórios de regularização do fluxo das águas, cujo projeto depende da existência de local adequado para a construção da necessária barragem. A engenharia nacional se especializou nessas construções e, não obstante alguns erros, conquistou prestígio interno e no exterior em virtude de sua eficaz contribuição para a alta proporção de energia renovável na matriz energética do país.
Na passagem do século, os reservatórios de hidrelétricas, que ocupam 40 mil km2, área inferior a 0,5% do território nacional, tornaram-se alvos prediletos de críticas de diversas correntes de opinião sem distinguir projetos, pela sua eficiência, no que se refere à extensão da área atingida por unidade de potência instalada. Esse indicador está no nível médio de 0,45 km2 /MW com um mínimo de 0,1 em Itaipu, que se beneficia de inúmeros reservatórios à montante, e o máximo, inadmissível, no péssimo projeto de Balbina (AM), com 10.
Licenciamento de projetos hidrelétricos se concentra nos danos que provocam, sem ver os benefícios que trazem
Os planos plurianuais de energia elétrica sempre tiveram como base hidrelétricas com reservatórios que, operando junto com termelétricas em proporções adequadas, assegurassem energia firme diante das variações climáticas.
Historicamente, no conjunto das hidrelétricas brasileiras o fator de capacidade, medido pela relação entre a energia firme e energia máxima que podem gerar, foi de 50% a 60%.
Reservatórios de regularização têm o mérito, também, de possibilitar o escoamento, fora dos horários de ponta, da energia das usinas nucleares que, pela sua natureza, operam com fator de capacidade acima de 80%. Com nova atribuição, os reservatórios são convocados a propiciar a acumulação temporária de energia proveniente de usinas eólicas e fotovoltaicas que operam intermitentemente, bem como suprir o mercado quando tais usinas não estiverem operando.
A inserção das hidrelétricas no sistema complicou-se com o recente processo de licenciamento, cuja eficácia é prejudicada pela falta de experiência da maioria dos participantes, tanto no âmbito do Estado como das empresas e da sociedade. Complicou-se também desde que se intensificou o interesse pelo potencial dos rios da Amazônia, região onde o relevo não é favorável a altas barragens, onde se localiza a maior parte das terras indígenas e que sofreu desmatamento desregrado de 127 mil km2 apenas na primeira década do século.
A preocupação com o licenciamento de projetos hidrelétricos se tem concentrado nos danos que provocam, sem muita consideração pelos benefícios que trazem. Em contrapartida, o licenciamento de termelétricas queimando combustíveis fósseis, nem todas justificadas do ponto de vista energético, se faz sem maiores tropeços, inclusive em alguns empreendimentos de péssima qualidade, enquanto sabemos que se acentua a convicção, em todo o mundo, de que os gases de efeito estufa contribuem, de forma perigosa, para a mudança climática, que afeta a todos.
Infelizmente não se dispõe de unidade de medida para o confronto entre méritos e deméritos de cada empreendimento e entre tipos de usinas. Há que usar bom-senso, atributo que tem faltado, no Brasil, nos últimos tempos, e que explica grande parte do tumulto emocional criado em torno das hidrelétricas, com e sem reservatórios. Contribuíram para isso também inúmeras organizações de defesa do meio ambiente e da população local afetada, sem considerar o impacto das alternativas, algumas até com objetivo eticamente duvidoso.
Causa espécie que grande parte dos participantes no processo e analistas independentes assumiu posição conformista em relação ao preconizado abandono de parte do potencial hidrelétrico de que dispomos e que é do interesse nacional. Mesmo que se evitem aproveitamentos técnica ou ambientalmente inaceitáveis ou que envolvam legítimas controvérsias sobre terras indígenas, o saldo a aproveitar não é desprezível. Requer-se, isto sim, bons projetos de engenharia que considerem, além da geração de eletricidade, o imperativo de minimizar agressões ao meio ambiente e de identificar e ressarcir, com honestidade, a população local prejudicada. Hidrelétricas ainda poderão servir por algum tempo como sustentáculo de um sistema limpo, para servir a 200 milhões de brasileiros, principalmente se a expansão da demanda for contida via programas de aumento da eficiência e redução do desperdício. No entanto, algumas correm risco político em consequência de ações promovidas por auto-definidos defensores de interesses de minorias locais, em geral povos indígenas.
A decisão sobre o que fazer com o potencial hidrelétrico se insere no quadro maior da revisão do planejamento e da operação do sistema hidrotérmico brasileiro, para adaptá-lo à nova configuração de fontes com menor proporção de capacidade de armazenamento de energia, o que depende de entendimento entre inúmeros órgãos, agências e empresas vinculados ao governo federal.

Antonio Dias Leite, professor emérito da UFRJ, foi ministro de Minas e Energia. Publicou pela Campus-Elsevier, o livro "Eficiência e Desperdício da Energia no Brasil".

Valor Econômico, 21/05/2013, Opinião, p. A15

http://www.valor.com.br/opiniao/3131560/hidreletricas

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.