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A herança grandiosa de Linda

CB, Cidades, p. 40
30 de Ago de 2007

A herança grandiosa de Linda
Espaço no Jardim Botânico homenageia pesquisadora que se dedicou a estudar e amar o cerrado

Da Redação

"Gostaria de ser lembrada pelas contribuições na área da biologia e conservação do cerrado". As palavras, que soam mais como uma declaração de amor à região que abriga a capital federal, foram escritas pela pesquisadora Linda Styer Caldas e encontradas pela família em textos que ela deixou. A vontade de Linda, que morreu no último 3 de julho, aos 61 anos, se traduz no sentimento de gerações de biólogos e botânicos formados na Universidade de Brasília (UnB), um dos locais escolhidos pela pesquisadora para dividir o conhecimento que extraía da natureza. Também dividido por amigos e colegas de profissão, o sentimento se concretizará hoje, às 15h, com a inauguração do espaço Linda Caldas, no Jardim Botânico de Brasília (JBB).

O espaço fica no atual Horto Medicinal do Cerrado, ao lado do Centro de Visitantes, uma área de 500 metros quadrados de cerrado conservado, com árvores nativas e espécies catalogadas para uso medicinal, bem ao estilo Linda Caldas. Além disso, outra semente plantada por ela, a educação, estará eternizada na área, que também receberá visitas de estudantes e do público externo para programas de educação ambiental. ?Ela foi e sempre será uma referência no Distrito Federal em pesquisa no cerrado. Essa é uma forma de fazer com que a energia e a dedicação dela se perpetuem para os que não conhecem seu trabalho e as futuras gerações?, diz Jeanito Gentilini, diretor do JBB.

A história de amor com a biologia começou em 1967, quando a americana de Morris, no estado de Minnesota, se graduou em ciências biológicas pela George Washington University. Mas a paixão pelo cerrado teve início em 1972, data em que Linda chegou a Brasília, na companhia do marido brasileiro Ruy de Araújo Caldas, para trabalhar como professora e pesquisadora na área de fisiologia vegetal e cultura de tecidos da UnB, onde atuou por quase três décadas. Os encantos das savanas candangas logo seduziram a estudiosa, que poucos anos depois se naturalizou brasileira e optou por ficar aqui o resto da vida. ?Ela foi pioneira em pesquisa com tecidos vegetais na UnB. Lá fez grandes amigos, discípulos e deixou uma bela história?, lembra a pesquisadora e diretora técnico-científica do JBB, Kumiko Mizuta, 67 anos.

Kumiko chegou à capital federal em 1969, para fazer parte do corpo docente da UnB. Em 1972 conheceu Linda, com quem construiu uma relação de amizade e dedicação à biologia e ao cerrado. ?O que mais me marcou foi a sua dedicação ao trabalho, a vontade de dividir conhecimento e a forma cativante como tratava todos que estavam ao seu redor?, lembra. Kumiko esteve ao lado de Linda até o momento em que um câncer de mama detectado já em estado avançado tirou a vida da pesquisadora. ?Ela lutou até o último momento e não parou de trabalhar. Lembro dela andando pelo cerrado e lecionando mesmo com as dores da doença?, conta a amiga.

Os filhos Pedro, 35, Cristina, 33, e Juliana, 22, optaram por seguir os passos de Linda. ?Minha mãe nos passava a dedicação e o gosto pela educação e o meio ambiente como exemplos, sempre presentes em nossa vivência?, afirma Juliana Caldas, recém-formada em ciências biológicas pela UnB. Pedro, que cuida da fazenda da família, optou pela agronomia e Cristina também segue a carreira de bióloga. ?Estamos lisonjeados com a homenagem. Para nós é muito importante ver a memória dela lembrada da forma como ela gostaria: no cerrado e dividindo o conhecimento com outras pessoas?, declara Juliana.

Rede de sementes
Com jovens pesquisadores da Acesita Energética, Linda dominou a miniestaquia (uma técnica de cultivo) para multiplicação clonal do eucalipto, hoje utilizada industrialmente no Brasil, que lidera mundialmente essa tecnologia. ?Com uma lasca da planta ela conseguia produzir milhares de clones?, explica Kumiko. Linda também publicou livros importantes como Cultura de tecidos e transformação genética de plantas, referência em aplicações biotecnológicas em todo Brasil, e Princípios biológicos: uma introdução, primeiro livro didático feito no Brasil, escrito pela pesquisadora antes mesmo de ela dominar a língua portuguesa. Um dos seus últimos feitos foi a fundação da ONG Rede de Sementes do Cerrado.

Para o professor da UnB e presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Gustavo Souto Maior, a inauguração do espaço representa a reaproximação entre o meio acadêmico e as áreas de preservação ambiental do DF. ?Há lugares para pesquisa muito ricos que estão esquecidos. Queremos resgatar a interação entre a academia e o meio ambiente, a exemplo do que Linda nos deixou.? Hoje são esperadas centenas de pessoas no JBB. Na entrada, todas poderão ler e refletir sobre uma frase escrita pela filha da pesquisadora, Cristina, que resume a trajetória da mãe: ?Cerrado: respeitar, conhecer e amar?.

Patrimônios nacionais

O cerrado e a Caatinga serão temas de uma audiência pública, na Câmara dos Deputados, no próximo dia 4 de setembro, às 9h, no Anexo 2. A discussão foi proposta pelo deputado federal pelo PT de Goiás, Pedro Wilson. O parlamentar alerta que é preciso reconhecer esses dois biomas como patrimônios nacionais. Assim, segundo argumenta, será possível corrigir uma omissão que ele considera inaceitável na Constituição Federal. Na avaliação de Wilson, esse reconhecimento certamente servirá de base para a implementação de políticas de desenvolvimento sustentável para as regiões que abrigam as riquezas de exemplares da fauna e da flora desses biomas, como a Paepalanthus da foto.

CB, 30/08/2007, Cidades, p. 40

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