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Governo usa só 40% da verba do programa Paz no Campo

FSP, Brasil, p. A4
20 de Fev de 2005

Governo usa só 40% da verba do programa Paz no Campo
Dos R$ 4,5 mi autorizados no Orçamento de 2004, só R$ 1,8 mi foi gasto

Eduardo Scolese
Da sucursal de Brasília

Mesmo diante de recordes de invasões e assassinatos no campo, o governo federal não conseguiu gastar em 2004 nem a metade do valor disponível e autorizado no Orçamento para o programa Paz no Campo, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.
No ano passado, dos R$ 4,5 milhões autorizados pelo governo ao programa, apenas R$ 1,8 milhão foi efetivamente gasto pela pasta, ou seja, 40%. O programa, tocado em diferentes ações por meio do ministério, tem como finalidade "reduzir a violência no campo com mecanismos de prevenção e mediação de conflitos agrários e garantia dos direitos humanos".
No governo Luiz Inácio Lula da Silva, houve um recrudescimento da tensão fundiária. Nos 23 primeiros meses de sua gestão, o número de invasões de terra chegou a 538 casos, superando em 8% os 497 casos registrados nos três últimos anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Em relação aos assassinatos, os números também avançaram sob a gestão petista. Segundo a Ouvidoria Agrária Nacional, entre janeiro de 2003 e novembro de 2004, a quantidade de mortes no campo (58) superou o total registrado entre 2000 e 2002 (44).
Entre os itens do Paz no Campo, estão a mediação de conflitos, a implantação de ouvidorias agrárias nos Estados, a capacitação de mediadores de conflitos e a prevenção de tensões, além de assistência social, técnica e jurídica às famílias envolvidas nos conflitos.
O item que trata da capacitação de mediadores de conflitos, por exemplo, não teve nenhum centavo gasto em 2004, diante de um montante autorizado de R$ 214,8 mil, segundo levantamento no Siafi (sistema de acompanhamento de gastos federais) feito, a pedido da xb, pelos gabinetes da deputada federal Denise Frossard (PPS-RJ) e do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS).
Tal item, pelo menos na demanda do Ministério do Desenvolvimento Agrário, aparece como um dos mais prioritários. Criada em 1999 para prevenir e controlar os conflitos no campo, a Ouvidoria Agrária Nacional conta apenas com o seu titular, Gercino José da Silva Filho, para negociar com fazendeiros e sem-terra, além de elaborar relatórios.
Por meio de sua assessoria, o ministério informou que a execução parcial ocorreu, entre outros motivos, pelo fato de a ouvidoria agrária desenvolver a maior parte de suas atividades com o apoio de outros órgãos (leia texto ao lado).
Na relação de gastos do ano passado, também chama a atenção o item do Paz no Campo que trata da "mediação de conflitos". Dos R$ 356,5 mil autorizados no Orçamento, apenas 15% (R$ 56,6 mil) foram gastos pelo ministério.
Dos sete itens que compõem o Paz no Campo, seis estão sob responsabilidade do ministério, e um, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Na pasta, em 2004, o índice de gastos em relação às verbas autorizadas foi de 13,16%, contra um percentual de 65,10% da autarquia, que trata da assistência social, técnica e jurídica dos envolvidos nos conflitos no campo.
Em 2005
O pagamento de duas semanas de hospedagem de uma advogada do Rio Grande do Norte em Brasília representa 67% dos gastos do governo federal em 2005 com o programa Paz no Campo.
Entre 1o de janeiro e 14 de fevereiro passado, dois dias após o assassinato da freira Dorothy Stang no Pará, apenas R$ 2.816,67 haviam sido gastos no programa, ou seja, 0,07% dos R$ 4,1 milhões autorizados para este ano.
Do montante pago, de acordo com o Siafi, R$ 1.893,27 foram para diárias da advogada potiguar Mércia Verônica Bento de Oliveira entre os dias 11 e 25 de janeiro. Ela atua na assessoria jurídica da Ouvidoria Agrária Nacional.
Em 2005, até o início da semana passada, nenhum centavo havia sido gasto em itens como mediação de conflitos, implantação de ouvidorias agrárias e capacitação de mediadores de conflito. O dinheiro gasto até agora saiu da rubrica que trata da prevenção de tensão no campo.
Para 2005, o programa Paz no Campo possui R$ 4,1 milhões de recursos autorizados no Orçamento. Em 2004, somando-se as suplementações que ainda não ocorreram neste ano, o valor atingiu os R$ 4,5 milhões.
Elo com outros órgãos motivou gastos parciais
O Ministério do Desenvolvimento Agrário, cujo titular é Miguel Rossetto, informou que a execução orçamentária do programa Paz no Campo ocorreu de forma parcial, entre outros motivos, pelo fato de as atividades da Ouvidoria Agrária Nacional estarem atreladas a outros órgãos, tanto federais como estaduais.
"A execução parcial dos recursos também se explica pelo perfil de trabalho da ouvidoria, que desenvolve a maior parte de suas atividades com apoio de outros órgãos federais e estaduais dos Poderes Executivo e Judiciário, com instituições de defesa dos direitos humanos, além de movimentos sociais rurais tanto de empregadores como de trabalhadores", informou o ministério, por meio de sua assessoria de imprensa.
Outra questão afetou a eficiência orçamentária da ouvidoria, de acordo com a pasta. Um montante de R$ 1 milhão somente foi liberado para gastos em 17 de dezembro de 2004, ou seja, apenas seis dias antes da data final de execução (dia 23) -"o que impediu a utilização dos recursos".
Restos a pagar
O ministério chama a atenção para o fato de alguns restos a pagar (como equipamentos comprados nos últimos dias do ano, por exemplo) ainda não terem sido "carimbados". Entrando no sistema, segundo a assessoria da pasta, o índice de gastos em relação à verba liberada atingirá os 50%. Como até agora só foi gasto R$ 1,8 milhão dos R$ 4,5 milhões autorizados no Orçamento de 2004, o índice é de 40%.
E o Ministério do Desenvolvimento Agrário também destaca a autonomia orçamentária da ouvidoria.
"A ouvidoria recebeu em 2004, pela primeira vez desde sua criação em 1999, um orçamento próprio para as ações de prevenção e mediação de conflitos no campo. Nos anos anteriores, as atividades eram desenvolvidas com recursos repassados pelo Incra", afirma a assessoria da pasta. (EDS)

FSP, 20/02/2005, Brasil, p. A4

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