VOLTAR

Governo paga dois 'vigias' para Amazonia

FSP, Ciência, p. A14
17 de Jul de 2004

Governo paga dois "vigias" para Amazônia
Ministérios da Casa Civil e Ciência e Tecnologia duplicam esforços para produzir sistemas de monitoramento

Cristina Amorim
Free-Lance para a Folha

Dois organismos dentro do governo estão desenvolvendo à revelia um do outro sistemas similares de monitoramento em tempo real da Amazônia.
O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mantido pelo MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), alimenta desde maio o Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento), um banco de dados virtual sobre modificações na cobertura florestal.
Subordinado à Casa Civil, o Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia), braço civil do Sistema de Vigilância da Amazônia, o Sivam, se uniu em abril à Universidade Federal de Goiás para criar o Siad (Sistema Integrado de Alerta de Desmatamentos). Além de detectar o desflorestamento, o programa faz um atlas de suas causas socioeconômicas.
A "sopa de letrinhas" mascara dois projetos que têm mais semelhanças do que diferenças, a despeito do que propagam os técnicos envolvidos. Ambos se baseiam em dados gerados pelo Modis, conjunto de sensores instalados nos satélites Aqua e Terra -o Siad conta ainda com imagens compradas de uma empresa francesa, e o Deter, com informações coletadas pelo Cbers, satélite sino-brasileiro- e hoje entregam informações a cada 15 ou 20 dias -mas prometem atualização no mínimo semanal se necessário.
Um sistema de monitoramento em tempo real é uma das exigências do Plano de Ação de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, lançado em março deste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e representantes de 12 órgãos federais.
Segundo o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, o que foi apresentado até agora ao GT (grupo de trabalho) interministerial para a Amazônia, ligado à Casa Civil, é o Deter: "Sou um dos coordenadores do GT e não conheço o sistema do Sipam. Se houver, espero que sejam compatíveis e integrados".
O Deter, apesar do caráter oficial, não teve verbas específicas para sua criação. Os recursos e o pessoal foram desviados de outros projetos previstos para 2004.
O coordenador-geral do departamento de Observação da Terra do Inpe, Gilberto Câmara, conta que a verba dedicada no próximo ano ao sistema gira entre R$ 600 mil e R$ 800 mil, dividida entre MCT e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O Siad conta com R$ 450 mil, pagos até agosto de 2005 pelo Sipam e a Universidade Federal de Goiás.
Aplicação
"São duas metodologias próximas, mas o Inpe faz ciência e nós somos mais operacionais", afirma o diretor-executivo do Sipam, Edgar Fagundes Filho.
Apesar do que diz Fagundes, ambos os sistemas são testados atualmente pelo Ibama com o mesmo propósito: alimentar o Centro de Monitoramento Ambiental, órgão que gera um documento indicativo de desmatamento, um guia para as equipes de fiscalização trabalharem em campo e acompanharem com periodicidade as áreas que sofrem pressões humanas.
"O acúmulo de informações do Deter somado ao Sipam permite que sejam geradas projeções locais [de derrubada de floresta]", afirma o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Flávio Montiel. Enquanto a fase de testes não é concluída, o governo discute como as informações serão divulgadas para o público. Hoje, o acesso tanto ao Siad quanto ao Deter é restrito às equipes de desenvolvimento, ao Ibama e ao MMA.
Fagundes promete a liberação dos dados no dia 17 de dezembro, inclusive para consulta pública via internet. Para o Deter, não há data estipulada de divulgação. Uma proposta será apresentada à Casa Civil no dia 1o de dezembro.
O secretário acredita que a divulgação dos dados do monitoramento em tempo real pode atrapalhar o trabalho em campo. "É preciso que haja uma defasagem na divulgação para que a liberação dos dados não seja utilizada contra a conservação", diz.
Capobianco também teme que os pontos de mudança na cobertura vegetal sejam confundidos com área desmatada, dado esse gerado por outro projeto do Inpe, o Prodes, que fornece as estimativas anuais de desflorestamento.
Para o Grupo de Trabalho sobre Florestas, que reúne entidades ligadas ao Fórum das ONGs, a exposição dos sistemas deve ser encarada como um "compromisso". "Não é apenas uma solicitação nossa mas do governo, que fixou a divulgação dos dados como instrumento do plano [contra o desmatamento]", diz Roberto Smeraldi, da Amigos da Terra.
O coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, Paulo Adário, acredita que a sociedade pode ajudar a fiscalizar ações ilegais na região. "Como temos o Disque Denúncia, o monitoramento em tempo real fornecerá uma ferramenta para enfrentar o problema", diz.

FSP, 17/11/2004, Ciência, p. A14

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.