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Governo dança no ritmo da direita conservadora que manda no Congresso em pautas ambientais, diz especialista

RFI - https://www.rfi.fr/br/podcasts/linha-direta/20230526
Autor: BATISTA, Juliana de Paula; BARRETO, Leonardo
26 de Mai de 2023

Governo dança no ritmo da direita conservadora que manda no Congresso em pautas ambientais, diz especialista
Várias derrotas no Congresso evidenciaram fragilidade política do governo que, na hora H, rifou pontos importantes da agenda ambiental, enfraquecendo Marina Silva. Ambientalistas cobram mais empenho da articulação política de Lula e analista fala em pragmatismo do presidente.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Publicado em: 26/05/2023 - 15:58

Apesar de o presidente ter minimizado as derrotas da semana no Congresso, dizendo que "era a coisa mais normal", um dos setores cruciais na apertada vitória do petista sobre Bolsonaro na eleição está insatisfeito e acha que o Executivo precisa se empenhar mais quando a pauta é o meio ambiente.

"O governo cedeu cargos, cedeu ministérios. Mesmo assim essa base não tem votado com o governo. Então a gente espera que daqui para a frente o governo entre em campo e que isso não tenha que passar pela negociação dos direitos indígenas e dos direitos ambientais, porque a gente vê que, na hora do aperto, essas são as primeiras pautas que todo mundo negocia. A pauta das minorias. Quem votou no Lula espera justamente o estancamento desse tipo de negociação", afirmou à RFI a advogada Juliana de Paula Batista, do Instituto Sócio-Ambiental (ISA).

O analista político Leonardo Barreto, diretor da agência de risco regulatório Vector Research, afirma que o governo dança no ritmo da direita conservadora que manda no Congresso, e que isso ficou claro na diferença com que a coordenação política de Lula tratou as questões fiscal e a ambiental.

"O pessoal comemorou dizendo que o arcabouço fiscal era vitória do Lula. E não é. Essa foi uma agenda do Legislativo, que recebeu um projeto mais branco do governo e o endureceu. Nele estão todas as digitais dos grupos liberais conservadores que dominam o Congresso hoje. E o governo teve que engolir a seco e teve que enquadrar a bancada do PT, para que eles não votassem nem discursassem contra o projeto", ressaltou Barreto.

Segundo ele, "no esvaziamento do ministério da Marina, o governo não pode fazer nada. O governo não reagiu. A medida provisória foi aprovada na comissão com votos do governo, num silêncio ensurdecedor. Acho que o governo finalmente está vendo que vai fazer um governo de minoria. Vai ter que distribuir, que trabalhar e dançar conforme a regra do jogo político. E terá que escolher muito bem as pautas que vai mandar para o Congresso", alerta o analista.

Numa demonstração de força e de interesses bem claros, a Câmara dos Deputados alterou a Medida Provisória assinada por Lula, que repaginou a composição dos ministérios, ou seja, os parlamentares mexeram naquilo que o presidente havia decidido que seria a cara administrativa do governo eleito.

Cadastro Ambiental Rural
O ministério do Meio Ambiente, por exemplo, deixa de operar o Cadastro Ambiental Rural, instrumento que permite acompanhar e fiscalizar a gestão ambiental nas propriedades rurais, que passa para o Ministério da Gestão. Já o Ministério dos Povos Indígenas perde a primazia da demarcação de terras, que volta a ser de responsabilidade do Ministério da Justiça.

"Ninguém levanta questão de termos um homem branco, ligado historicamente a políticas antiambientais, no Ministério da Agricultura, mas acham que um ministério indígena, que existe inclusive pela primeira vez no país, não teria neutralidade", questiona a representante do ISA", criticou Juliana Batista.

"A semana ainda teve aprovação de um projeto que enfraquece regras de proteção da Mata Atlântica e do requerimento que pede urgência para votação de um projeto que altera a demarcação das terras indígenas, permitindo várias atividades econômicas nessas reservas. Eu acho que isso demonstra que o maior perigo para a Amazônia brasileira e para os povos originários hoje se chama Congresso Nacional", criticou Juliana Batista.

Já o presidente Lula disse que houve um exagero na cobertura da mídia sobre as mudanças feitas pelos parlamentares. "A impressão que eu tive é que o mundo tinha acabado. Falavam: Lula foi derrotado pelo Congresso, acaba-se o ministério disso, acaba-se o ministério daquilo. E eu fui ler. O que estava acontecendo era a coisa mais normal. Agora começou o jogo. Agora vamos jogar, conversar com o Congresso. O que a gente não pode é se assustar com a política." A articulação política do presidente indicou que ele deve vetar as mudanças no projeto da Mata Atlântica.

Marina fica?
O enxugamento da pasta de Marina Silva, logo depois que vieram a público divergências entre ela e o líder do governo, Randolfe Rodrigues, sobre exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, atiçou burburinhos questionando se a ministra permaneceria no governo, como em 2008, quando ela deixou o Meio Ambiente na gestão Lula.

"Temos que resistir. E vamos resistir manejando essa contradição, criando alternativas, buscando soluções. É um governo de frente ampla. E nós estamos aqui como parte dessa frente ampla para que a gente possa ajudar o Brasil", afirmou Marina num evento público se referindo às derrotas ambientais no Congresso.

O analista Leonardo Barreto avalia que o coro de Marina não tem ressonância definitiva no governo, embora represente uma parcela do eleitorado petista e tenha respaldo internacional.

"A Marina está isolada. Talvez ela não esteja tão isolada quanto no primeiro governo porque Lula tem compromissos eleitorais com essa agenda ambiental e também porque está na cara que esse é o único tema que permite uma inserção internacional do Brasil. Mas ele é pragmático e se ele entender que essa questão do petróleo vai, em termos de royalties, dar um boom na capacidade dos governos estaduais e vai gerar oportunidades lá na região, ele não vai titubear. A essência dele é dinheiro para política pública e dinheiro para as pessoas consumirem."

A advogada do ISA Juliana Batista avalia que Marina é hoje fiadora do governo Lula no exterior e que seria um grande erro deixar em segundo plano as pautas defendidas por ela. "Marina Silva é o grande capital político do Lula internacionalmente, a pessoa que avaliza internacionalmente as políticas ambientais que o Lula quer colocar em prática no país. E isso é fundamental para o país".

Os dois analistas concordam que dificilmente o esvaziamento das pastas de Marina Silva e Sonia Guajajara possam ser contestadas juridicamente agora, até pela resistência do Supremo Tribunal Federal em intervir em assuntos internos do Congresso. Dependeria muito de uma grande mobilização da sociedade, de organismos internacionais e da mídia.

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