VOLTAR

Governança frágil inibe financiamentos

Valor Econômico, Especial, p. F5
25 de Abr de 2014

Governança frágil inibe financiamentos

Por Maria Christina Carvalho
Para o Valor, de São Paulo

Para conseguir a universalização dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto, calcula-se que o Brasil precisaria investir R$ 315 bilhões. No ritmo atual de investimento, porém, de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões por ano, levaria de 35 anos a 40 anos para se atingir a meta, até o dobro dos 20 anos pretendidos.
Os bancos afirmam que não faltam recursos para acelerar os projetos. Já as empresas de saneamento reclamam da burocracia e da demora na liberação dos recursos, além de exigências e garantias pedidas. No fundo, o problema está na baixa capacidade de endividamento dos Estados e municípios que respondem pelo serviço de saneamento oferecido a cerca de 90% da população; apenas 10% da população é atendida por empresas privadas.
A situação já foi pior. Na década de 1990, o investimento em saneamento caiu a 0,15% do PIB, segundo estudo da consultoria Inter.B, vindo de 0,46% na década de 1970 e de 0,24% em 1980. Na primeira década deste século, os recursos aumentaram ligeiramente, para 0,18% do PIB.
O investimento em saneamento foi destravado com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que devolveu o crédito ao setor público, disse o chefe do departamento de saneamento ambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Arian Bechara. O PAC 1, de 2007 a 2009, selecionou e contratou R$ 25 bilhões em investimentos em projetos na área de saneamento. No PAC 2, de 2011 a 2014, foram selecionados projetos no montante de R$ 24,5 bilhões e contratados R$ 15,9 bilhões, de acordo com o mais recente balanço.
Das 13 obras listadas como mais significativas do PAC 2, apenas uma estava concluída, de acordo com o balanço: a do esgotamento sanitário em Corumbá (MS), iniciada no PAC 1. Foram consideradas com o andamento adequado a despoluição dos rios dos Sinos, Guaíba e Gravataí (RS), o saneamento do Complexo de Manguinhos (RJ); e o esgotamento sanitário de Ananindeua (PA) e da região metropolitana de Belo Horizonte.
Os recursos para as obras de saneamento do PAC são provenientes do Orçamento Geral da União (OGU) e da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) entre outras fontes. Bechara disse que o BNDES foi chamado a participar, como fonte complementar. O BNDES tem atualmente uma carteira de R$ 14,5 bilhões em financiamentos para o setor; e desembolsa, em média, R$ 2 bilhões por ano.
O banco oferece recursos subsidiados pelos quais cobra apenas a TJLP e com prazos de 12 anos para projetos de abastecimento de água e de 15 anos para esgoto, que podem ser alongados conforme o caso. No caso de companhias estaduais, as garantias são os recebíveis das contas. Nas municipais, o crédito deve passar por autorização que levante o contingenciamento e a garantia é o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). As operações com empresas do setor privado são semelhantes a um project finance, com que variam de acordo com o projeto.
Segundo Bechara, o setor de saneamento poderia receber mais crédito se os administradores públicos melhorassem a gestão das empresas estaduais e municipais de modo a ampliar sua governança e capacidade de endividamento. Apenas uma dezena das empresas estaduais tem balanço adequado para tomar crédito.
A Caixa é outra fonte importante de recursos. No ano passado, ampliou em 96,6% os empréstimos para o setor, atingindo R$ 6,1 bilhões. Do total liberado, 67% referem-se a operações com o setor público, que cresceram 45%, pelo Programa Saneamento para Todos. As operações com o setor privado saltaram 686% e representaram um terço do total, como reflexo do aumento das concessões no setor.
Os desembolsos do Programa Saneamento para Todos somaram R$ 5,9 bilhões e seus recursos provêm do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em que a Caixa atua como agente financeiro. Nesse programa, os juros e a amortização variam conforme o projeto, de 5% a 6% ao ano e de 10 anos a 20 anos; já a carência é sempre de 48 meses. A linha Finisa, lançada no ano passado, pode atender empresas privadas e também públicas, caso em que é necessária a existência de limite autorizado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) ou excepcionalidade da Resolução 2.827/01. As operações são realizadas em condições de mercado, definidas em cada caso.
A Caixa opera também, com recursos dos Fundos de Desenvolvimento da Amazônia, do Nordeste e do Centro-Oeste, que têm por finalidade assegurar recursos para a realização de investimentos nas áreas de atuação das Superintendências do Desenvolvimento da Amazônia, do Nordeste e do Centro-Oeste (Sudene, Sudam e Sudeco) em infraestrutura, serviços públicos e em empreendimentos produtivos. A mineira Copasa tem recorrido a essas fontes de crédito e das agências de fomento estrangeiras. A empresa também emitiu R$ 250 milhões em debêntures simples, não conversíveis em ações. Junto ao PAC, obteve R$ 680 milhões para a implantação de estações de tratamento de esgoto. Sua única queixa é quanto ao prazo médio para a contratação do crédito que poderia ser reduzido.

Agências estrangeiras oferecem juros mais baixos

Por Maria Christina Carvalho
De São Paulo

O diretor de investimentos da Sanepar, João Martinho Cleto Reis Junior, aproveitou os feriados da Páscoa e foi a Tóquio apresentar uma carta-proposta para um programa de cooperação técnica para investimentos em obras nos sistemas de água e de esgoto do Paraná à Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). Organismos internacionais como a Jica, a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e bancos de cooperação como Banco Mundial (Bird), o Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o alemão KfW são algumas das fontes de crédito em moeda estrangeira para o saneamento no Brasil. A Copasa, por exemplo, já obteve 100 milhões de euros do KfW.
Uma das vantagens das operações com essas agências é que o crédito, muitas vezes, está vinculado à transferência de tecnologia e os juros são baixos. Mas há dificuldades. A principal, segundo Reis Junior, é que elas requerem aval do governo federal que, em contrapartida, solicita uma contragarantia dos governos estaduais. Esta garantia afeta a capacidade de endividamento dos Estados, prejudicando outros programas. Para o diretor financeiro e comercial da baiana Embasa, Dilemar Oliveira Matos, o problema do crédito externo é a variação cambial. "São recursos até mais baratos do que os do FGTS, mas o dólar complica."
Apesar disso, a oferta é firme. A Société de Promotion et de Participation pour la Cooperation Economique (Proparco), ligada à AFD, está em busca de operações na área de saneamento. A Proparco é o braço da AFD que opera com o setor privado e tem 150 milhões de euros para emprestar para a América Latina neste ano. Em geral, o Brasil fica com 50%, informou a diretora regional da América do Sul da Proparco, Myriam Bouslama.
O prazo das operações é de cinco a 15 anos. Já os juros dependem do projeto e do setor, mas, segundo disse, são semelhantes aos dos bancos comerciais brasileiros. O montante dos empréstimos varia de 10 milhões de euros a 50 milhões de euros.
Desde 2007, a Proparco canalizou 250 milhões de euros para o Brasil. Entre os projetos que receberam recursos estão a expansão da Universidade Anhanguera e a ampliação e modernização dos hospitais Sírio Libanês e do Coração.
Uma das maiores fontes de crédito internacional para o saneamento no Brasil é o BID, que tem uma carteira de US$ 2,2 bilhões em 14 projetos da área, dos quais US$ 1,5 bilhão ainda serão desembolsados. O BID apoia importantes projetos como a despoluição do rio Tietê, em São Paulo, que conta com US$ 600 milhões em sua fase 3; o saneamento da Baia da Guanabara, no Rio, de US$ 452 milhões; e o Programa Socioambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim), com US$ 280 milhões.
O especialista líder em água e saneamento do BID no Brasil, Yvon Mellinger, diz que a capacidade de empréstimos do banco está aquém da demanda, que é grande diante das condições favoráveis das operações. O crédito tem cinco anos de carência mais 20 anos para reembolso; e juros de 1% a 1,5% ao ano. O BID exige garantia do governo federal, dos Estados e das empresas.
O BID financia quatro tipos de operações na área de saneamento. Uma delas é a conexão de águas servidas para usuários domésticos, como é o caso do Tietê e da Baía da Guanabara; outra é a recuperação de zonas alagadas e drenagem urbana, como desenvolve com a Prefeitura de Belo Horizonte; a recuperação de corpos hídricos, como a que ocorre no Rio Grande do Sul; e ações com lixo, no Distrito Federal.

Valor Econômico, 25/04/2014, Especial, p. F5

http://www.valor.com.br/brasil/3526228/governanca-fragil-inibe-financia…

http://www.valor.com.br/brasil/3526230/agencias-estrangeiras-oferecem-j…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.