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Gasolina clandestina e vendida ate por indios

A Critica, Cidades, p.C1
16 de Mai de 2004

Contrabando na fronteira
Durante dois dias, a equipe de A CRÍTICA acompanhou o vai-e-vem do contrabando de gasolina na fronteira do Brasil com a Venezuela, no Município de Pacaraima, e deparou com um esquema grandioso que nem a Polícia Federal ou a presença do Exército conseguem inibir.
Gasolina clandestina é vendida até por índios
O combustível é comercializado a preços que variam entre R$ 1 e 1,50 na BR-174 e em Boa Vista
Loredana Kotinski
Da Equipe de a Crítica

Pela fronteira do Brasil com a Venezuela entra, todos os dias, uma grande quantidade de gasolina que impressiona a qualquer observador, mas cujo cálculo ainda é um mistério. Como saúvas, numa fila constante e num ritmo frenético, as picapes e automóveis levam e trazem gasolina comprada em Santa Helena de Uairén, Município que faz fronteira com Roraima, e comercializada clandestinamente ao longo da BR-174 (rodovia que liga Roraima ao País vizinho), na área indígena de São Marcos e em Boa Vista, movimentando uma cifra também difícil de ser totalizada.
Sob os olhos impotentes de fiscais da Secretaria de Fazenda de Roraima (Sefaz) e de policiais federais, o combustível comprado no País vizinho chega nos tanques dos carros, a maioria Pampa, que possui dois tanques de fábrica e capacidade para transportar até cem litros de uma só vez e depois é repassado para galões plásticos e vendido a preços que variam entre R$ 1 e R$ 1,50. Para ir e voltar, os chamados "gasolineiros" usam mais que a passagem oficial da fronteira: se embrenham em atalhos e cruzam os limites dos dois países também clandestinamente.
Um desses caminhos foi aberto logo após o marco de divisa dois países, que corta um quilômetro de terra venezuelana e passa por trás da sede da Polícia Federal (PF), em Pacaraima, até alcançar a cidade brasileira. Não leva mais que dez minutos o percurso de carro. Sem qualquer fiscalização, mesmo estando a 500 metros do quartel do Exército e a cem da PF, os "gasolineiros" cruzam os limites dos dois países livremente.
Eles seguem duas rotas: transferem a gasolina pare galões ali mesmo, em Pacáraima, ou descem a serra e entregam o combustível em Boa Vista. 0 local na capital roraimense é mantido em sigilo e nem se tem notícia de onde fica. Na rodovia 174, o litro, que na Venezuela é comprado a R$ 0,17, é vendido a R$ 1. E pode ser encontrado em casas escondidas a pouco mais de três quilômetros do posto de fiscalização da Sefaz. Em Boa Vista, o preço sobe para R$ 1,50, mas ainda fica abaixo do praticado pelos postos de combustíveis.
0 negócio parece gigantesco, principalmente se levados em conta dados não oficiais dos dois postos venezuelanos que comercializam combustível em Santa Helena. Em apenas um deles são vendidos 20 mil litros de gasolina, diariamente, para brasileiros. Um bombeiro, que não quis se identificar, afirmou atender até 500 veículos oriundos do Brasil, por dia.
A fórmula dessa trama é simples, diz o "gasolineiro" identificado apenas como Francisco. "É propina para todo mundo." De acordo com ele, alguns veículos estão adaptados para carregar até 500 litros de gasolina de uma só vez. Para despistar a fiscalização, alguns levam uma grade de cerveja venezuelana a cada passagem pela fronteira. "E aí eles vendem a cerveja em Boa Vista por R$ 20 e ganham, né?", explica Francisco.
Na fila dos "gasolineiros" um homem assumiu que fazia a comercialização clandestina.

BUSCA RÁPIDA
A lei contra o contrabando
A Lei 334, do Código Penal, diz que é contrabando todo produto trazido do exterior e comercializado e que seja proibida sua entrada. A venda de combustível de outro país sem autorização ou empresa é considerada crime.

Tem gasolina na tribo
No Km 14 da BR-174 a placa avisa que ali é a reserva indígena São Marcos, terra demarcada do povo taurepang, maloca Sorocaima. Mas basta chegar ao restaurante Pemón e pedir gasolina que logo se descobre que os índios do lugar estão comercializando mais que comida. E em poucos minutos um índio vem atender perguntando quantos litros o cliente deseja comprar e avisa que o preço do litro é R$ 1. Ao fundo da área onde está o restaurante, uma casa cor de rosa guarda os galões e de lá sai a gasolina que é colocada no tanque dos carros com a ajuda de um pedaço de mangueira de borracha.
Desconfiados, os índios identificados apenas como José e Sandoval abastecem o veículo. De longe são observados por um homem não índio, que nem sequer entra na conversa. Os indígenas informam que o combustível "é dos bons", trazido de Santa Helena. 0 nome do transportador é outro mistério. Eles desconversam e tratam de dizer que a gasolina estava ali porque era apenas para uso deles, mas que a atividade da qual vivem é o plantio de mandioca e o preparo de farinha. Mas ao final, recebem o dinheiro: R$ 20 por 20 litros de gasolina venezuelana.
0 movimento neste ponto de Sorocaima denuncia que algo de muito suspeito ocorre ali. Dos dois lados da maloca, cortada pela rodovia 174, Pampas se aglomeram e a toda hora depara com algum veículo sendo abastecido.

Longa espera para os moradores
Para os moradores de Pacamima, que encontram nos postos venezuelanos a única opção de abastecimento de combustível, a espera pode ser de até um dia. Eles disputam a vez com os "gasolineiros" Os turistas têm preferência e só precisam apresentar o passaporte e a autorização do veículo de viagem pela Venezuela.

TRÊS PERGUNTAS PARA
OsmarTavares Delegado Regional da Polícia Federal em Roraima
1 - A Polícia Federal tem conhecimento do contrabando de gasolina na fronteira do Brasil com a Venezuela?
Eu tenho observado nos dois meses que estou aqui em Roraima que têm chegado sistematicamente notificações feitas pelas Polícias Civil e Militar nesse sentido. E temos tomado as providências legais, mas não tenho números disso agora. Estamos preocupados e trabalhando para reverter os problemas na fronteira.
2 - E quanto à presença e a fiscalização da PF nessa área de fronteira?
Hoje (sexta-feira), nós recebemos a visita do secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando, e foi instalado um conselho gestor de ação integrada em que as Polícias Federal, Rodoviária, Militar e Civil irão trabalhar juntas na questão fronteiriça. Acho que isso vai,melhorar as coisas, e muito.
3 - Qual é o efetivo da PF em Roraima e na fronteira?
Bem, todo o nosso pessoal r chega a 60 pessoas em Roraima. Na fronteira temos sempre dois agentes e duas pessoas do administrativo. N sabemos que isso é insuficiente e que esse pessoal consegue dar conta do trabalho de imigração, então estamos vendo isso também.

A Crítica, 16/05/2004, p. C1

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