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Freira denunciou ameacas ao governo federal ha 1 ano

FSP, Brasil, p.A4
15 de Fev de 2005

Freira denunciou ameaças ao governo federal há 1 ano
Missionária foi a Brasília relatar situação em Anapu e depôs em CPI
Rubens ValenteDa sucursal de Brasília Ofícios do Ministério Público Federal e da CPI da Terra, depoimentos e cartas escritas de próprio punho pela irmã Dorothy Mae Stang, 74, aos quais a Folha teve acesso, mostram que o Ministério da Justiça e o governo do Pará foram informados com pelo menos um ano de antecedência de risco iminente de violência na zona rural de Anapu (PA), onde a freira foi morta a tiros no sábado.Dorothy passou sete dias em Brasília em junho do ano passado especificamente para denunciar a situação em Anapu a autoridades do governo federal, mas foi recebida apenas por assessores do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos."Pistoleiros soltos, madeireiros derrubando! (...) A Polícia Federal não está visivelmente presente em Anapu. Ninguém de Anapu sabe onde estão (...)", escreveu Dorothy numa carta enviada em junho de 2004 às "autoridades competentes do governo federal e parlamentares" e entregue na Procuradoria da República do Pará, que distribuiu cópias ao Ibama, ao Incra e à Polícia Federal no Estado.O Ministério Público Federal em Belém advertiu as autoridades policiais estadual e federal. "Merece destaque, ainda, a situação de risco em que se encontra a vida da missionária naturalizada brasileira Dorothy Stang, em meio ao fogo cruzado (...) o que demonstra, a toda evidência, a imperiosa necessidade de uma participação ativa, efetiva e antecipada do poder público", relatou o procurador da República Felício Pontes Júnior em ofício enviado em 15 de junho de 2004 ao gabinete do secretário de Defesa Social do Pará, Manoel Santino, com cópia para a Superintendência da Polícia Federal no Estado.Os alertas de Dorothy chegaram ao Congresso. Em depoimento em 27 de maio à CPI da Terra, criada para apurar conflitos agrários no país, Dorothy narrou uma série de ameaças a trabalhadores.Em 3 de junho, Dorothy foi recebida em Brasília pelo assessor do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Pedro Abromovay, e pelo secretário-adjunto da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Mário Mamede Filho.A CPI da Terra reclamou formalmente da ausência de Thomaz Bastos. Em 16 de junho, o relator da comissão, deputado João Alfredo (PT-CE), enviou ofício ao gabinete do ministro: "Desde o dia 2 junho, um grupo de parlamentares (...) tenta audiência com Vossa Excelência para tratar da gravíssima situação por que passa o povo de Anapu".Em outro ofício da CPI, do dia 2, Alfredo havia pedido ao ministro "que sejam tomadas as providências e medidas cabíveis".Os alertas da CPI e de Dorothy não foram ouvidos, segundo o advogado da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Belém, Aderbal de Oliveira Neto, 25. Ele acompanhou Dorothy na sua passagem por Brasília em junho.Depois desse encontro, a PF enviou uma equipe a Anapu, mas não fez grande operação para desarmamento dos fazendeiros e localização de supostos pistoleiros.Outro ladoA assessoria do Ministério da Justiça informou ontem que a PF tomou providências para reduzir o clima de enfrentamento e violência em Anapu após a audiência em Brasília em 3 de junho. Diz a assessoria que o ministro não recebeu Dorothy e os parlamentares da CPI porque havia conflito de agenda e é comum, nessas ocasiões, o ministro encaminhar o assunto a assessores.A PF do Pará disse que "diversas operações" foram feitas em Anapu. Um alto funcionário afirmou que "notícias e documentos sobre o risco de morte [de Dorothy Stang] eram freqüentes", mas Dorothy "não reivindicava segurança pessoal, queria ações de Estado que garantissem a paz no campo". A assessoria do secretário de Defesa Social do Pará não ligou de volta na noite de ontem.
Carta enviada por freira em 2004 a autoridades
Às autoridades competentes do governo federal e parlamentares federais,No dia 1 de junho de 2004 foi prometido no Ministério da Justiça a ida da Polícia Federal ao Anapu no dia 4 de junho para paralisar a criminalidade das agressões contra os posseiros e as florestas. Pistoleiros soltos, madeireiros derrubando! A Polícia Federal chegou só no dia 9 às 10h. Foram com as pessoas do Incra (Bruno) e Ibama (Elielson) no rumo de uma grande derrubada do [madeireiro] "Taradão", Reginaldo Pereira Galvão.Chegando com 200 metros da derrubada, ouvindo moto-serras, tomaram a decisão [de] voltar atrás acusando que a noite poderia alcançar eles na mata. Foram até o acampamento e [no] dia seguinte decidiram voltar até Altamira. A grande derrubada continua e está (...) atenção as outras áreas em Anapu.Na gleba Mandacari (...) Joaquim Petrola onde tem 153 famílias colocadas pelo Incra (Altamira), [no dia] 27 de fev. [fevereiro] morreu no tiroteio um da Firma Marca de "Segurança" ou Milícia. Agora faz um mês, 22 de maio, que apareceu de novo polícia militar avisando o povo a deixar as terras dentro de oito dias.Hoje soubemos que é PM [policial militar] de Belém liderada por um sgt. [sargento] Estevão. Fomos informados que ele sgt. é dono de uma firma de segurança Companhia Especial de Segurança "CES".Também que essa firma colocou quatro homens armados e um desses morreu dia 30 de maio acusando que Hélio do PDS [Plano de Desenvolvimento Sustentável, um tipo de assentamento rural] que foi na vinda do CPMI [Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra] em Altamira no 27 de maio. Eles estão ainda na sede do lote 124 do dr. Paulo Medeiros de Carvalho. A Polícia Federal não está visivelmente presente em Anapu. Ninguém de Anapu sabe onde estão. O povo pede a presença urgente hoje, 16 de junho, para paralisar a derrubada de "Taradão" no lote 55, [município de] Bacajá, a milícia na gleba Mandacari e lote 124 de gleba Belo Monte e ficar visivelmente presente em Anapu.Agradecemos todo o seu apoio e pedimos que facilitem R$ 1.000 urgente para Ibama Altamira para comprar o óleo diesel para os dois carros da Polícia Federal e um do Incra para viajar hoje 16 de junho para prender os homens fazendo a derrubada no lote 55 de "Taradão". (...) Ibama e Incra de nenhum tostão!Sabendo que vocês interessam que tudo melhorar para o povo de Anapu. Um abraço.
Sindicato diz que irmã semeava desordem social
Da sucursal de BrasíliaUm ofício enviado em 2004 pelo sindicato dos madeireiros do Pará ao Ministério Público Federal de Belém (PA) indica que a freira norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang, 74, era considerada o maior obstáculo dos madeireiros.A carta narrava problemas fundiários de Anapu e pedia "instrução de procedimento administrativo notificando a pessoa irmã Dorathy Sting [sic]". Os madeireiros procuravam demonizá-la."O pivô e a base de sustentação do conflito existente fundamenta-se na criação do PDS [Plano de Desenvolvimento Sustentável, tipo de assentamento do Incra], que, ao ser criado sobrepondo diversas áreas produtivas alienadas pelo Incra, acirrou os ânimos entre os detentores das áreas produtivas e um grupo liderado pela irmã Dorithy [sic] Stang, que nos últimos anos vem implantando na região desordem social e a insegurança pública", diz ofício enviado em 29 de março pelo Sindifloresta (Sindicato dos Produtores Florestais e Reflorestadores do Estado do Pará).No ofício, assinado pelo presidente da entidade, Mario Rubens Rodrigues, Dorothy é acusada de "viver somente para bagunçar a segurança pública do município".No ofício, os madeireiros desdenham das ameaças de morte contra trabalhadores que a irmã tornou públicas.No entanto, a estratégia dos madeireiros de atacar Dorothy não encontrou apoio do Ministério Público. (RV)
FSP, 15/02/2005, p.A4

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