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Floresta privada sela affair de magnata britânico com Brasil

FSP, Brasil, p. A10
23 de Abr de 2006

Floresta privada sela affair de magnata britânico com Brasil
Empresário que deve se casar com a socialite Ana Paula Junqueira compra terras na Amazônia com área maior que a cidade de São Paulo

FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

À exceção de um seleto grupo da alta sociedade e, quem sabe, dos leitores atentos de revistas de celebridades, os brasileiros não conhecem Johan Eliasch.

Agora esse milionário sueco-britânico começa a despertar atenções em outras esferas do país, depois de comprar uma enorme porção de terra na Amazônia. O negócio foi feito em outubro, mas só veio à tona no mês passado, noticiado pelo diário londrino "The Times". A área -na verdade duas fazendas, a maior em Manicoré, a outra em Itacoatiara, ambos municípios do Amazonas- tem 160 mil hectares, extensão equivalente à da Grande Londres.

Preservação lucrativa
Grosso modo, o plano anunciado por Eliasch é preservar a floresta tropical. Mas, conforme ele mesmo tem feito alarde, vai além, em ousadia e polêmica.

O magnata almeja modificar o Protocolo de Kyoto, o acordo internacional para reduzir a emissão de gases que causam o efeito estufa, de modo a permitir que proprietários de florestas preservadas possam também vender créditos de carbono. Hoje, quem faz reflorestamento pode vender os créditos -títulos dados a países que contribuem para redução de poluentes-, que podem ser comprados pelas nações que mais emitem esses gases. Pela legislação atual, quem só conserva a floresta não pode vendê-los.

Ou seja, Eliasch, proprietário da empresa de material esportivo Head e dono de uma fortuna pessoal avaliada em 355 milhões de libras (cerca de R$ 1,4 bilhão), quer lucrar com a preservação.

O milionário
O envolvimento de Eliasch com o Brasil vai além do que supõe um ambientalista desavisado e suscita dúvidas de até onde pode levar sua empreitada.

O sueco de 44 anos, nascido em Estocolmo e radicado em Londres, vive desde 2002 com a socialite paulista Ana Paula Junqueira, ex-aspirante a cantora e ainda aspirante a política. Vão se casar oficialmente em setembro.

De beleza incomum, Ana Paula concorreu ao cargo de deputada federal nas eleições de 1994 (pelo PMDB) e estadual em 2002 (pelo PFL). Perdeu ambas, e hoje é secretária-geral da Associação das Nações Unidas no Brasil.

"Ela é muito preocupada com o meio ambiente, sempre falou da beleza das florestas e das coisas horríveis que eram feitas ali. Então ela teve uma influência muito forte [na decisão da compra]", afirmou Eliasch, à Folha.

O empresário tem amigos poderosos no Brasil, como o jogador Ronaldo, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), os irmãos empresários João Paulo e Pedro Paulo Diniz e o apresentador Luciano Huck, entre outros.

É ao lado desse grupo que o casal costuma aparecer nas revistas de celebridades, em camarotes no Carnaval e festas do circuito Rio-São Paulo. "Ela conhece todo mundo no Brasil", explica Eliasch sobre Ana Paula. "Ronaldo é um amigo, o encontro com freqüência, somos ambos interessados em esportes, às vezes jogamos golfe juntos. Ele é um golfista muito talentoso, parecido com o Tiger Woods", brinca.

As amizades influentes transcendem o "show business" e incluem a política. Eliasch -vice-tesoureiro do Partido Conservador britânico, ao qual fez empréstimos revelados na recente devassa no financiamento de campanhas no país- conta que, para comprar um naco da Amazônia, teve uma "grande ajuda" do ex-senador pefelista Gilberto Miranda, assim como do governador do AM, Eduardo Braga (PMDB). "Todos foram muito solícitos e compreenderam meu plano de preservar a floresta."

A compra
Não significa que a operação tenha sido um sucesso. Reportagem do "Correio Braziliense" informou que a posse da área ainda é investigada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Eliasch se declara tranqüilo. "Diria que não há muitos problemas. Estou certo de que a maior parte da área é regular."

A floresta privada do sueco foi adquirida do grupo americano GMO Renewable Resources, que controlava a madeireira Gethal. Ele demitiu mil funcionários da empresa e diz manter 120 pessoas, entre seguranças e "gente envolvida com a terra" na área, para evitar desmatamento.

Ele não revela o valor gasto no negócio. A mídia britânica fala em 8 milhões de libras (cerca de R$ 30 milhões). O valor diverge do cálculo realizado por Eliasch, segundo o qual um hectare da floresta amazônica custa US$ 30 -o que resultaria em cerca de R$ 11 milhões pelas fazendas.

Eliasch avalia que os 400 milhões de hectares da floresta amazônica podem ser comprados por US$ 12 bilhões (e não US$ 50 bilhões, como publicou o "Times", de acordo com ele, equivocadamente).

E abriu campanha para que outros estrangeiros sigam o seu caminho. Tem falado com políticos e celebridades internacionais e aconselhado interessados em embarcar na luta por créditos de carbono para preservacionistas.

"Tenho recebido centenas de consultas toda semana sobre pessoas dizendo: também quero comprar terra na Amazônia, como posso fazer isso? O mais importante é que não sejamos vistos como estrangeiros chegando para comprar um pedaço do Brasil, mas como uma iniciativa para ajudar a preservar a floresta. Não como colonialistas tentando explorar os mais pobres", afirma.

Projetos
Eliasch planeja outras fontes de renda para sua floresta. "Remédios alternativos, óleos essenciais, produtos com biodiversidade", descreve. Para isso procurou o médico Drauzio Varella, que conduz um projeto de pesquisa da Unip (Universidade Paulista) na Amazônia de coleta de plantas para desenvolver medicamentos.

"Expliquei como era feito nosso trabalho, que tecnologia é utilizada. Ele disse que estava interessado em trabalhar com desenvolvimento sustentável, fazer pesquisas com óleos minerais, de uma forma que pudesse criar viabilidade econômica para aquela área sem destruir a floresta. Pareceu-me uma pessoa séria e bem intencionada", diz Varella.

Ana Paula, que se diz empolgada com a compra, traçou o projeto de um documentário sobre a Amazônia. "Acho super importante a gente ter essa responsabilidade com o meio ambiente, principalmente eu e o Johan, que participamos de muitas conferências pelo mundo. A preocupação mundial hoje é essa. É que no Brasil temos outras prioridades, as pessoas não dão ainda o devido valor", afirma.

"Nasci e cresci em uma fazenda, sempre tive esse contato com a natureza, esse respeito. A família Junqueira é tradicional por essa coisa de estar junto com a terra. Cresci com esses valores, é uma coisa com que sempre me preocupei."

FSP, 23/04/2006, Brasil, p. A10

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