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Fiscais do Trabalho sao mortos em Minas

FSP, Brasil, p.A10
29 de Jan de 2004

BRASIL PROFUNDOAuditores verificavam condições de remuneração e de alojamento em fazendas de feijão na região de UnaíFiscais do Trabalho são mortos em Minas
JAIRO MARQUESTIAGO ORNAGHIDA AGÊNCIA FOLHA
Uma operação de fiscalização em fazendas de feijão na região noroeste de Minas Gerais culminou no assassinato de três auditores do Ministério do Trabalho, um deles ameaçado de morte, e do motorista do grupo, ontem pela manhã, nas proximidades de Unaí (604 km de Belo Horizonte).O objetivo dos fiscais, que estavam na área desde segunda-feira, era vistoriar as condições de trabalho, remuneração e acomodação das pessoas arregimentadas para colherem a safra de feijão, que acontece de 15 de janeiro até o final de fevereiro. Os auditores também iriam averiguar as condições das instalações das fazendas. No ano passado, um político local foi acusado de manter trabalhadores em regime de escravidão em uma de suas propriedades.O crime, segundo a polícia, ocorreu em um trevo conhecido como Sete Placas, numa rodovia vicinal da MG-188, que dá acesso aos municípios de Unaí, Paracatu e Bonfinópolis de Minas. A camionete Ford Ranger, oficial da Delegacia Regional do Trabalho de Paracatu, foi abordada no trevo, por volta das 8h, por dois veículos: uma outra Ranger, preta, e uma picape Fiat Strada cinza, no relato do motorista do grupo, Aílton Pereira de Oliveira, 52, que, mesmo ferido na cabeça e depois de ter ficado desacordado, dirigiu quatro quilômetros até encontrar um fazendeiro que o socorreu.Oliveira, que morreu por volta das 13h de ontem no Hospital de Base, em Brasília, disse à polícia que conseguiu ver dois homens atirando de dentro da Ford Ranger. Segundo a polícia, os disparos foram direcionados para as cabeças dos auditores e do motorista.Já o policial militar que se identificou só como Fernandes, da PM mineira, disse ter levado o motorista ao pronte-socorro de Unaí após o encontrar no trevo, por volta das 8h45, ainda lúcido na caminhonete de quem o ajudou.O PM disse ter ouvido de Oliveira que eles haviam saído de manhã e que o carro em que estavam parou para dar informações aos ocupantes de um outro veículo, provavelmente um Fiat Strada. Os dois homens queriam saber o caminho para uma fazenda. Depois, eles teriam anunciado um assalto, portando pistolas automáticas. Aí, teriam pedido só os celulares das vítimas e começado a atirar.Morreram também o chefe de fiscalização da DRT em Paracatu, Nelson José da Silva, 53, além de Erastótenes de Almeida, 42, e João Batista Soares Lage, 51, auditores em Belo Horizonte. De acordo com a delegada-regional-substituta do Trabalho em Minas, Denise Déia, Silva havia recebido, em 2003, ameaças de morte por parte de dois fazendeiros e de um aliciador (chamado de "gato") de mão-de-obra da região de Paracatu."A Polícia Federal e a DRT estão investigando as ameaças. A casa do Nelson [José da Silva] foi invadida três vezes e sofreu outras cinco tentativas de arrombamento no ano passado", afirmou Déia.Para Irmo Casavechia, 51, presidente do Sindicato Rural de Unaí, os assassinatos foram "uma lástima". "Os auditores são conhecidos dos produtores. Eles têm nos ajudado há muito tempo", disse.Segundo a delegada Déia, a fiscalização dos auditores não incluía fazendas com denúncias de trabalho escravo ou áreas cujos fazendeiros estavam sendo investigados por ameaças. Por isso, a DRT avaliou que não havia necessidade da presença de policiais.O governador de MG, Aécio Neves (PSDB), ordenou a formação de um grupo de investigação integrado pela PM, a Polícia Civil e o Departamento Estadual de Operações Especiais -atua em conflitos agrários. O governo federal também criou uma força-tarefa.Os primeiros passos ontem das investigações foram conduzidos pela PF em Brasília. Uma equipe de oito peritos e um helicóptero foram deslocados para o local para fazer as perícias e começar as buscas a suspeitos. Tanto a Polícia Federal quanto o Ministério Público Federal já descartavam a hipótese de tentativa de assalto.Ontem mesmo, os ministros Ricardo Berzoini (Trabalho) e Nilmário Miranda (Secretaria Especial de Direitos Humanos) foram para Unaí acompanhar o caso.Os corpos dos auditores estavam até ontem à noite no Instituto Médico Legal de Unaí, e o do motorista, no IML de Brasília. O velório deve ocorrer hoje, de forma coletiva, em Belo Horizonte.

Colaborou Iuri Dantas, enviado especial a Unaí

Leia a íntegra da nota divulgada por Alencar
"A consciência cívica da nação se cobre de luto e indignação diante do covarde assassínio, na região noroeste de Minas Gerais, dos auditores fiscais do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e do motorista Ailton Pereira de Oliveira.A serviço da lei e da Justiça, esses brasileiros foram vítimas de insanidade e violência inadmissíveis num país que cultua os valores do direito e da liberdade. Essa brutalidade não ficará impune, pois todos os recursos foram mobilizados para a identificação dos criminosos.Uma força-tarefa, constituída do ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, do ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, da subprocuradora da República, Maria Eliane de Faria, de representantes do Ministério Público Federal, do Departamento de Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e das Polícias Civil e Militar de Minas Gerais, já se encontra na região para as providências necessárias à apuração dos fatos.Traduzindo o sentimento fraterno da nossa gente, queremos levar às famílias enlutadas, às autoridades, aos colegas de trabalho e ao povo mineiro o pesar e a solidariedade de todos os brasileiros.José Alencar, presidente da República interino"

Crime não inibe fiscalização, diz OIT
DA REPORTAGEM LOCAL Entidades internacionais que lutam contra o trabalho escravo lamentaram o assassinato de três auditores do Ministério do Trabalho e do motorista do grupo ontem, durante uma operação de fiscalização em Unaí (MG).Os fiscais vistoriavam as condições de trabalho durante a colheita da safra de feijão na região.Para a OIT (Organização Internacional do Trabalho), vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), as mortes não podem "constranger ou inibir" as atividades do Ministério do Trabalho."A luta pela erradicação do trabalho escravo vai continuar. Não é um compromisso de ministro. É um compromisso de Estado feito pelo presidente Lula", disse ontem Patrícia Audi, coordenadora da OIT no Brasil.A afirmação também foi uma referência a uma eventual mudança de prioridades do governo com a entrada de Ricardo Berzoini como ministro do Trabalho, no lugar de Jaques Wagner."Nós lamentamos os assassinatos. Essa reação violenta pelo menos mostra que a repressão do governo tem sido eficiente até agora", acrescentou Patrícia Audi.Para a ONG Anti-Slavery International (Antiescravidão Internacional), com sede em Londres, os assassinatos são motivo de "especial preocupação" porque as equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho servem como um "exemplo para o mundo"."Ficamos horrorizados ao saber da notícia", disse David Ould, um dos diretores da ONG inglesa. "Estamos preocupados com o que isso pode significar para o futuro dos fiscais do Trabalho."Ould elogiou a atenção dada pelo governo Lula ao trabalho escravo, mas afirmou que o que falta às autoridades brasileiras é fazer valer a lei. "Há muitas pessoas poderosas envolvidas", disse.
Sindicato pede proteção policial
DA AGÊNCIA FOLHA O Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) afirmou ontem, depois do assassinato de três auditores em Unaí (MG), que as fiscalizações em áreas rurais não podem continuar sem proteção de policiais."Há um planejamento do Ministério do Trabalho pedindo prioridade para a área rural. Mas não há lugar no meio rural que não represente perigo para o fiscal", disse a vice-presidente do Sinait, Vera Olímpia Gonçalves.O sindicato quer que toda inspeção no campo seja escoltada, como acontece com o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho -que envia a fazendas em que houve denúncia de trabalho escravo fiscais acompanhados de policiais federais. Vera Gonçalves disse ainda que os assassinatos aumentam o "nível de vulnerabilidade" dos fiscais.

Ações libertaram 4.932 pessoas em 2003
DA AGÊNCIA FOLHA O número de trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão em 2003 foi mais que duas vezes maior que no ano anterior. O Ministério do Trabalho, no entanto, não acredita que esse tipo de exploração esteja crescendo e atribui o aumento do número de libertados a uma maior eficiência na fiscalização.Em 2002, os fiscais do ministério libertaram cerca de 2.300 trabalhadores na área rural do país. No ano passado, foram 4.932 libertados (o dado é preliminar, pois nem todos os relatórios foram contabilizados) -um aumento de cerca de 115%.Em março de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, que teve a divulgação de uma lista com o nome de 52 pessoas físicas e jurídicas condenadas por empregar mão-de-obra análoga à escravidão.

FSP, 29/01/2004, p. A10

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