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"A finalidade é desapropriar e tomar as nossas terras", afirma indígena sobre PL 490

Jornal do Campus USP - http://www.jornaldocampus.usp.br
27 de Jul de 2021

"A finalidade é desapropriar e tomar as nossas terras", afirma indígena sobre PL 490
Projeto de Lei que tramita no Congresso é inconstitucional e fere direitos fundamentais dos indígenas

por Gabriel Guerra e Natasha Teixeira
27 de julho de 2021Redação JC

Em junho, o PL (Projeto de lei) 490 foi aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) por 41 votos a 20. Um dia antes da aprovação, no lado de fora da Câmara, indígenas foram reprimidos pelas polícias legislativa e militar.

Os povos indígenas estavam presentes em Brasília no movimento conhecido como "Levante pela Terra", para serem ouvidos em relação ao projeto, que os afeta diretamente, e lutarem contra a aprovação.

O JC (Jornal do Campus) preparou esta reportagem para explicar o que é o PL 490 e ouvir representantes da sociedade civil sobre os riscos que o projeto trará caso seja aprovado em todas as etapas de tramitação.

Entenda o PL 490
O PL 490 foi criado em 2007 pelo ex-deputado federal Homero Pereira e, inicialmente, visava passar a responsabilidade da demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Congresso Nacional. Com isso, ao invés de o processo de demarcação passar por diversos estudos complexos da Fundação Nacional do Índio (Funai), ele seria avaliado diretamente por senadores e deputados e, posteriormente, aprovado ou reprovado através de votação no Congresso.

Em 2009, a proposta foi rejeitada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) com a justificativa de que "não representa nenhum avanço na salvaguarda dos direitos indígenas" e que, "se transformadas em lei, propiciarão a postergação do processo de demarcação das terras indígenas".

Desde então, o PL recebeu 13 apensados, ou seja, foram acrescentados a esse outros 13 projetos de lei. Além disso, ele foi arquivado e desarquivado três vezes - uma em 2011, outra em 2015 e, a mais recente, em 2019. Após aprovação em reunião deliberativa extraordinária na CCJ, o projeto foi encaminhado para votação no plenário da Câmara dos Deputados.

Na atual versão do texto, um dos principais pontos é que só seriam consideradas terras indígenas aquelas ocupadas por eles até a promulgação da Constituição de 1988. Além disso, o texto possibilita o usufruto das riquezas dessas terras em casos de "relevante interesse público da União" e o contato com indígenas isolados em em casos de "ação estatal de utilidade pública".

A história começa em 1988?
O projeto afeta diretamente as terras e comunidades indígenas. Isso porque ele trata de termos jurídicos que ameaçam diretamente os direitos desses povos, como o "marco temporal", conceito que, como já citado anteriormente, limita às terras indígenas aos territórios que já estavam em posse desses povos em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição vigente até hoje. Além disso, caso aprovado, o texto passa a exigir uma comprovação de posse, o que não é necessário atualmente.

Para entender melhor sobre o conceito, o JC entrevistou o Marcos Sabaru, indígena do povo Tingui-Botó e articulador político que faz parte da Apoinme (Articulação dos Povos Indigenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo), organização regional, e também da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, organização nacional.

"O marco temporal é injusto porque diz que os povos terão direito apenas às terras indígenas daquela data [Constituição de 1988]. E como que a partir de 1988 que a gente passou a existir?", reflete o líder indígena.

Juliana de Paula Batista, advogada do ISA (Instituto Socioambiental), complementa o pensamento e enfatiza os problemas constitucionais previstos no PL. "Em nenhum momento, de forma explícita ou implícita, a Constituição estabeleceu que as demarcações só devem acontecer se os indígenas estivessem ocupando a terra no dia 5 de outubro de 1988."

Utilidade pública e o contato forçado
O PL possui outros dois pontos polêmicos que é o uso dos termos "relevante interesse público da União" e "utilidade pública", ambos presentes em apensados do projeto ao decorrer dos anos. O primeiro propõe que terras indígenas possam deixar de ser exclusivas dos povos originários, caso exista relevante interesse público da União. Já o segundo prevê o contato entre Estado com povos indígenas, inclusive com povos indígenas que vivem isolados.

Marcos ressalta que esses povos em isolamento escolheram essa forma de vida para si, estando isolados até mesmo de outras comunidades indígenas. "Não estão isolados porque alguém pediu, então tem que respeitar o direito deles", afirma.

A advogada do ISA comenta que o conceito de "relevante interesse público da União" é vago e, quando não especificado, pode significar a possibilidade da realização de qualquer obra de infraestrutura, como hidrelétricas ou rodovias em terras indígenas. Isso simbolizaria o fim da política de não-contato com povos em isolamento e até mesmo a viabilidade do contato forçado por parte do Estado.

"O PL ainda prevê a possibilidade dessa intermediação estatal de utilidade pública ser delegada a entidades públicas ou privadas, o que abriria margem, em tese, para que grupos religiosos radicais pudessem contatar esses povos com fim de evangelização, por exemplo", alerta Juliana.

Além da possibilidade simbolizar a perda da identidade cultural de povos indígenas, esse contato também pode representar um grande risco à sua saúde. De acordo com a advogada, povos isolados não possuem memória imunológica e, portanto, uma gripe poderia dizimá-los em poucos dias. Para Marcos, a criação de termos jurídicos como o de utilidade pública "tem a finalidade de usurpar, roubar, desapropriar, tomar as terras dos povos indígenas".

Um projeto de lei inconstitucional
De acordo com Juliana, o PL fere a Constituição em alguns aspectos. O primeiro deles é o fato de estabelecer um marco temporal, uma vez que isso não está previsto na Constituição. O segundo é na quebra do usufruto exclusivo pelos indígenas de suas terras.

"A Constituição prevê que os indígenas tenham o direito de usar exclusivamente os recursos dos solos, dos rios e dos lagos existentes dentro das terras indígenas. E o PL prevê que todas as vezes que existir um relevante interesse público da União, ou um interesse de atividade garimpeira, esse usufruto exclusivo pode ser mitigado, pode ser retirado dos indígenas", explica a advogada.

O projeto também traz irregularidades em seu formato. Juliana esclarece que, "como os direitos territoriais indígenas são direitos fundamentais, eles não poderiam ser modificados nem por uma emenda na Constituição, muito menos por um projeto de lei". Segundo ela, direitos fundamentais só podem ser suprimidos com a criação de uma nova Constituição.

A luta é pela terra e por todos
No movimento Levante pela Terra, os indígenas sofreram repressões em Brasília. A repressão caiu sobre a população indígena, mas a luta é um dever social dos que são contra retrocessos ambientais.

Sabaru reforça que as terras indígenas possuem um papel essencial para o meio ambiente, já que contribuem para a manutenção do meio ambiente e preservação dos biossistemas. "Os povos indígenas estão preservando o seu modo de vida e uma vida melhor para aqueles que não têm esse modo de vida."

Além disso, ele enfatiza que a luta contra o PL não deve ser exclusividade dos povos indígenas. "A sociedade precisa se engajar. Precisa defender os povos indígenas porque nós só não vamos conseguir. Então, a sociedade precisa entender que também é nosso povo", encerra o articulador político.

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