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Ficção científica, à la 'Avatar', no Rio Tapajós

O Globo, Economia, p. 28-29
08 de Jan de 2012

Ficção científica, à la 'Avatar', no Rio Tapajós
Hidrelétrica de alta tecnologia só será acessível por helicóptero. Governo se prepara para críticas a novo projeto, que deve sair do papel este ano

Vivian Oswald
vivian.oswald@bsb.oglobo.com.br

BRASÍLIA - Mais parece filme de ficção científica. Usinas hidrelétricas de alta tecnologia no meio da selva amazônica - cercadas de floresta por todos os lados - às quais os trabalhadores só têm acesso sobrevoando a copa das árvores de helicóptero. Esta deverá ser a realidade do Rio Tapajós nos próximos anos. Este projeto ousado, que garantirá ao país mais 10.683 megawatts (MW) de energia, deve sair do papel este ano e promete provocar tanta ou mais polêmica do que a usina hidrelétrica de Belo Monte, a maior do mundo e uma das bandeiras do governo da presidente Dilma Rousseff.
Diante das intermináveis batalhas travadas durante todo o ano de 2011 em torno de Belo Monte, o governo já se prepara para o que vem pela frente com a construção de cinco novas usinas com um conceito que não existe em qualquer outro lugar do mundo. Na sexta-feira, baixou uma medida provisória que mexe nos limites de cinco unidades de conservação federais para viabilizar a construção de hidrelétricas na Amazônia.
A hidrelétrica-plataforma utiliza o mesmo sistema das plataformas de extração de petróleo em alto-mar. A tecnologia é brasileira e promete não só produzir mais energia em áreas menores e menos inundadas, como preservar o meio ambiente.
Canteiros provisórios e trabalhadores 'embarcados'
A animação montada por Eletrobras e Ministério de Minas e Energia mostra que, se funcionar, o novo modelo deve chamar a atenção do mundo. Com uma área de menos de dois mil quilômetros quadrados, as novas usinas serão construídas a partir de canteiros de obras provisórios, que serão abertos na mata, e fechados tão logo os trabalhos sejam concluídos. Os alojamentos também serão retirados e toda a área utilizada será reflorestada. Tudo para garantir que os operários que forem ficando para trás não se instalem por ali, provocando mais uma concentração desordenada em torno de um grande empreendimento, como todos os outros pelo país. Também está prevista uma área menor de inundação para as usinas, que serão a fio d'água, ou seja, que usam a força da própria correnteza do rio.
Depois de prontas, as usinas vão operar com um número reduzido de funcionários, que trabalharão em sistema de rodízio e, como nas plataformas de alto-mar, ficarão "embarcados" por um determinado período e voltarão para suas cidades ao fim de suas jornadas. Essa movimentação será feita por meio de helicópteros.
- É quase um filme de ficção, isso tudo me faz lembrar o Avatar - brinca em entrevista ao GLOBO o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão.
A piada pode ser encarada com duplo sentido. Isso porque as imagens de fato lembram o filme do diretor americano James Cameron. Mas também porque ele esteve no Brasil em 2010 em uma grande manifestação na capital federal contra Belo Monte. Lobão antecipou que o Executivo já se prepara para a nova batalha e garante que não pretende se intimidar com as pressões de dentro e de fora do país.
- Esta grita quanto a Tapajós, não podemos sonhar que não vai haver. Haverá. Porém, estamos tomando os cuidados possíveis, como fizemos com Belo Monte, respeito ao meio ambiente, a todas as condicionantes do Ibama, que tem sido rigoroso nisto. Temos cumprido todas as condicionantes, uma a uma, no meu entendimento até exageradas, mas vamos cumprir todas. O fato é que não podemos ser detidos diante da necessidade que tem o nosso país de energia elétrica para o crescimento e para o bem-estar social do povo.

Complexo vai ter cinco usinas de tamanho diferente
Juntas ocuparão menos de 1% do espaço de instalação

BRASÍLIA. O Complexo de Tapajós terá cinco usinas de tamanhos diferentes e vão funcionar de maneira diferenciada com tecnologias adequadas às suas características. A usina de Jatobá, que terá uma queda de água de apenas 16 metros, vai ter uma pá diferenciada para aumentar seu potencial de produção de energia. Em pleno funcionamento, vai gerar 2.338 MW. A maior de todas será a de São Luiz do Tapajós, com capacidade de 6.133 MW. As usinas de Jamaxim e Cachoeira do Caí terão potencial de produção de 881 MW e 802 MW, respectivamente, enquanto a menor das cinco, Cachoeira dos Patos, terá 528 MW. Juntas, vão ocupar menos de 1% do espaço onde estão sendo instaladas.
- Hoje, usinas como Itaipu ocupam uma área. Porém têm que desmatar para fazer o canteiro de obras, alojamentos de empregados. E o lago é monstruoso. O que se está fazendo agora é diferente. Vamos desmatar e quando terminar a obra reflorestar tudo recompor tudo e ela fica deste tamanhozinho. Só a usina lá no meio, sem uma cidade em volta, como é nas outras. Operários e trabalhadores, terminada a construção, virão de helicóptero para cá em um sistema de rodízio - explica o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, apontando o mapa da Região Norte com o dedo.
Projeto precisa responder a muitas perguntas
Quando o Brasil inaugurou, em 1955, sua primeira grande hidrelétrica, a usina de Paulo Afonso, no Rio São Francisco (BA) ninguém imaginava que fosse possível fazer algo semelhante. Pelo fato de ser inovador, o projeto vai precisar responder a muitas perguntas, durante e depois do licenciamento do empreendimento junto ao Ibama. A licença de Belo Monte, por exemplo, demorou mais de um ano para sair em definitivo. Mas Lobão está preparado e deve sair em uma espécie de road show pelo Brasil e pelo mundo, como já vinha fazendo no último ano para apresentar Belo Monte, para mostrar como mais este megaprojeto será desenvolvido.
Inspirado no filme que tem levado ao exterior sobre Belo Monte, o ministério deve produzir também um forte material publicitário sobre as usinas de Tapajós.
- Estamos produzindo projetos realmente inovadores. O sistema plataforma foi inventado aqui no Brasil pelo Ministério de Minas e Energia. O mundo não o conhecia. Ele vai dar certo para a transmissão e a energia vai ser feita por redes de longa distância e acima das copas das árvores, que é uma coisa indescritível - disse Lobão. - Aqueles que tanto falam contra a construção de usinas não se dão conta de que eles próprios precisam ser supridos com energia. Se nós não tivermos as hidrelétricas, as alternativas que repontam aí são no sentido de instalar térmicas a carvão, diesel, energia nuclear que eu considero limpa e boa. (Vivian Oswald)

O Globo, 08/01/2012, Economia, p. 28-29

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