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Fazendeiro é indiciado no Pará

JB, País, p. A5
21 de Fev de 2005

Fazendeiro é indiciado no Pará
Suspeito de contratar pistoleiros para matar missionária se contradiz em depoimento e pode ser condenado a até 30 anos de prisão

Em depoimento à Polícia Civil de Altamira (PA) na manhã de ontem, o agricultor Amair Feijole da Cunha, de 37 anos, conhecido como Tato, negou ter intermediado o assassinato da freira Dorothy Stang, mas caiu em contradição e foi indiciado por co-autoria de homicídio qualificado. Se condenado, ele pode pegar de 12 a 30 anos de prisão.

Tato entrou em contradição ao explicar sua relação com o suposto mandante do crime, Vitalmiro de Moura Bastos, o Bida, que está foragido. O agricultor disse que não houve mandante no assassinato.

O interrogatório foi feito pelos delegados Marcelo Luz e Waldir Freire. Dois promotores e o advogado do acusado acompanharam o depoimento.

Tato se apresentou no sábado, por volta das 13h, à Polícia Civil do Pará em Altamira. O agricultor, que negou as acusações e estava com prisão preventiva decretada, é o primeiro dos quatro suspeitos de participação no crime a ser preso.

As negociações para a entrega de Cunha começaram na manhã de sexta-feira. O advogado do agricultor, Oscar Damasceno Filho, procurou pessoalmente o superintendente da Polícia Civil Regional do Xingu, delegado Pedro Monteiro, para combinar a apresentação. A condição imposta pelo advogado, segundo Monteiro, foi exigir a segurança de Tato.

Após os acertos, o advogado e os delegados Monteiro e Rilmar Firmino seguiram pela rodovia Transamazônica até uma estrada vicinal, a cerca de 50 km de Altamira, perto do município de Belo Monte, onde o advogado apresentou Cunha.

Tato é suspeito de ter contratado, a mando de Vitalmiro de Moura Bastos, dois pistoleiros - Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, e Uilquelano de Souza Pinto, o Eduardo - para matar a irmã Dorothy Stang. O agricultor foi levado para a Delegacia de Mulheres de Altamira e, de lá, transferido para um presídio, onde negou ter fugido.

- Eu não fugi. Eles estavam lá para matar a gente, os posseiros, os sem-terra. Vinha um monte de gente armada e eu corri para o barraco da minha terra.

Segundo o advogado de Tato, ele não trabalha para Bastos, de quem teria adquirido, em 2004, 300 hectares de terra, nos fundos do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança. O fazendeiro alega ser dono da área.

De acordo com o advogado, na sexta anterior ao assassinato, Tato teria presenciado uma reunião na qual a irmã Dorothy teria instado colonos a invadirem a área do agricultor. No dia do crime, ele estaria cortando madeira quando soube que a religiosa estava morta. Segundo ele, quem relatou o crime foi um rapaz de 15 anos, filho do agricultor Adalberto Xavier Leal, assassinado na noite do mesmo sábado. Pouco tempo depois, disse ter visto cerca de 20 pessoas armadas ligadas à irmã correndo em sua direção.

Damasceno Filho afirmou que Tato não sabe quem matou a missionária, mas supõe que tenham sido Fogoió e Eduardo, peões que trabalhavam plantando sementes de capim para ele.

O preso admitiu que se encontrou com os dois foragidos no sábado pela manhã, momentos antes do crime.

- Encontrei cedo, no sábado de manhã, mandei eles jogarem semente de capim na terra. Eles foram para o serviço. Eu fui para outro.

O advogado de Vitalmiro de Moura Bastos, Augusto Septimio, que acompanhou ontem a apresentação de Tato em Altamira, deu a mesma versão: o crime foi resultado de uma ''discussão entre a irmã Dorothy e os funcionários do Amair''. Septimio afirmou que Bastos ''não tem interesse em se entregar até que seja concluído o inquérito''.

Ele afirmou que o último contato mantido com Bastos foi na segunda-feira e que não sabe onde ele está. Disse ainda que pertence ao fazendeiro uma das caminhonetes encontradas perto do local do crime.

O Acre 16 anos depois de Chico Mendes

Há 16 anos, morria Chico Mendes, o maior representante das disputas de terra na Amazônia, lutando por uma exploração coerente da floresta, sem desmatamento, por meio do extrativismo. Desde então, a situação no Acre mudou muito. Com o vulto mundial dado à morte do seringueiro, o estado passou a valorizar a floresta.

O jornalista Elson Martins, que estuda a situação desde 1976 e está escrevendo um livro sobre a história da disputa, afirma que ainda há latifúndio na região, mas sem conflito.

- O Acre deu uma lição ecológica ao país. Esses avanços redundaram num modelo eficiente de reforma agrária na Amazônia. Hoje se trabalha em reservas extrativistas, fazendo uso coletivo da floresta através de manejos comunitários. A partir dos anos 90, todas as terras pleiteadas pelas organizações de seringueiros e índios foram respeitadas. Não há mais seringueiro submetido a patrão seringalista - explica.

Com uma população atípica, formada basicamente por seringueiros e ribeirinhos que vivem dentro da mata, o estado viveu de 1970 a 1990 intensos conflitos, motivados pela vontade de muitos fazendeiros em desmatar para criar campos de pastagem. Do outro lado, a população conhecida como Povo da Floresta tentava impedir a dizimação das árvores que davam seu sustento.

- Essa população atípica, formada por seringueiros e ribeirinhos que vivem dentro da floresta, começou uma disputa como resistência ao desmatamento das árvores que eles valorizavam, como castanheiras e seringueiras. A princípio era para garantir a terra e a floresta. Esse foi o grande passo para a criação da reserva extrativista - afirma.

As disputas no Acre começam a se acentuar a partir dos anos 70, quando a borracha deixou de ser um bom negócio para os grandes seringalistas, antigos donos das terras. Eles começaram a vender os seringais com os seringueiros dentro.

- Cerca de um terço das terras do Acre em 70 foi vendido assim, de forma mais ou menos ilegal, porque não existia documentação correta das terras. Dos 15 milhões de hectares do estado eles venderam 5 milhões - explica Elson.

Hoje o Acre tem mais de 50% das terras protegidas por legislação ambiental, mas ainda há certa apreensão em relação ao projeto de ampliar o manejo de madeira certificada:

- Quem fica de fora do projeto se queixa. A impressão é de que está tudo bem, mas lá dentro tem uma coisa em efervescência. Esse é um novo embate que surge 16 anos depois da morte de Chico Mendes.

Elson é otimista. Para ele, o Povo da Floresta tem dado uma lição de modernidade:

- Essa sociedade, considerada atrasada há 30 anos, é moderna na perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Apesar do otimismo de Elson, há quem discorde. Para o sociólogo e jornalista Lucio Flávio Pinto (ver entrevsta na página A2), o extrativismo é aparente adequado, mas não representa uma solução de mercado.

- Não é capaz de dar ao estado a capacidade de competir seja no mercado regional, no nacional e principalmente no internacional. São soluções de alcance limitado. É por isso que o Acre é o estado mais subdesenvolvido e mais pobre da Amazônia, por praticar o extrativismo vegetal, que garante apenas um crescimento vegetativo, em seguimentos muito localizados da economia do Acre. Por isso o Acre está tão atrasado.

Sindicatos fazem novas exigências

SÃO PAULO - Dez representantes de sindicatos de trabalhadores rurais da região de Altamira deverão participar de audiência na terça-feira com o comitê interministerial na Casa Civil, em Brasília.
Segundo João Batista Uchoa, diretor da Fundação Viver, Produzir e Preservar, entre as reivindicações estão a criação de novos assentamentos na região em áreas de conflito, a consolidação dos assentamentos já criados, o asfaltamento da rodovia Transamazônica, a elevação a delegacia do posto da Polícia Federal em Altamira e a consolidação dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) em Anapu.

A fundação executa projetos em parceira com o ministério do Meio Ambiente na região e diz que esses pontos já estão sendo negociados com o governo federal. Entre as lideranças que deverão ir a Brasília estão Gabriel Domingos do Nascimento e Francisco de Assis dos Santos Souza, ambos do sindicato dos trabalhadores rurais de Anapu.

JB, 21/02/2005, País, p. A5

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