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Falta planejamento no setor de energia

CB, Economia, p. 17
Autor: TOLMASQUIM, Maurício Tiomno
10 de Jan de 2007

Falta planejamento no setor de energia
Modelo centralizador e falta de definições de longo prazo afastam investidores privados da área de geração. Assim, Brasil amplia rede termelétrica mesmo sendo mais cara e poluente

Mariana Mazza
Da equipe do Correio

Ao assumir em 2002, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha como principal bandeira para o setor elétrico evitar que o apagão voltasse a assombrar o país. Quatro anos se passaram e, apesar de ter sido feita uma reformulação total no sistema de comercialização da eletricidade no Brasil, o temor de que não tenhamos energia suficiente para suportar crescimentos maiores da economia voltou a aterrorizar os brasileiros. Na opinião de analistas, o motivo para o marasmo que se instalou no setor elétrico - que tem apresentado taxas medíocres de expansão da geração - é resultado de uma combinação entre um modelo centralizador e a falta de planejamento de longo prazo, exatamente os mesmos erros cometidos pelos antecessores de Lula.

De fato, o governo obteve sucesso absoluto apenas nos leilões de linhas de transmissão. Na geração, pouco ou quase nada foi feito. Obras inauguradas durante o governo foram licitadas na gestão anterior e capitalizadas pelo Planalto como vitórias da equipe de Lula. É o caso de Corumbá IV, um megaempreendimento de R$ 500 milhões capaz de suportar o abastecimento de água e energia no Distrito Federal até 2012, pelas contas do governo local. Autorizada em 14 de novembro de 2000, ainda na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, a obra só foi concluída no final de 2005 e, por isso, acaba figurando na lista de obras "realizadas" pelo governo Lula.

Essa lacuna temporal entre a concessão e o funcionamento da usina - em média, de quatro anos - é que torna o planejamento de longo prazo tão essencial para o setor elétrico. Nesse aspecto, os grandes consumidores de energia do país festejam a iniciativa de retomar os estudos detalhados das bacias hidrográficas brasileiras, com a intenção de catalogar futuros aproveitamentos hidrelétricos. No entanto, os projetos existentes hoje para concessão deixam a desejar por apresentarem diversas brechas para contestações de impacto ambiental e pelo alto custo das obras.

"Ninguém tem comprado usinas nos leilões porque os projetos são muito ruins. Ficamos três, quatro anos em um hiato de planejamento", constata o vice-presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Eduardo Spalding. O catálogo de obras mais criticado foi o da hidroeletricidade, onde a energia é mais barata e mais limpa. O investidor cansou de aportar dinheiro e ver a obra parada por embargos ambientais ou mudanças nas regras do setor. Daí a explicação para a ampliação da rede termelétrica, em um país com um dos maiores potenciais hídricos do mundo.

Mesmo produzindo uma energia mais cara e poluente, o investimento menor e o potencial de início da amortização da aplicação mais rápido têm atraído os investidores para a energia gerada a partir do carvão, diesel ou gás natural. Para o pesquisador Armando Castelar, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), o novo modelo criado na gestão de Lula dá poucos estímulos ao investimento privado, o que acaba fazendo com que os empresários voltem-se apenas para os ramos onde há monopólio (transmissão) ou o aporte de dinheiro é menor. "O novo marco regulatório revogou qualquer iniciativa de privatização. Investimentos privados em geração só são aceitos com participação estatal e foram abolidos os contratos entre agentes econômicos. Na prática, o governo Lula aboliu o mercado", relembra o pesquisador.

Esse ambiente pouco amistoso para os agentes privados tem colocado em xeque projetos essenciais para o governo, incapazes de sair do papel apenas com verbas do orçamento. É o caso do Complexo do Rio Madeira, maior empreendimento da lista de obras para o próximo mandato, e a usina nuclear de Angra III, ainda em debate na cúpula governamental. Na opinião de Castelar, o maior problema desses projetos é a insegurança do modelo. "É um equívoco pensar que os investimentos não saíram por conta de licenciamento ambiental", afirma. "O nosso problema é falta de planejamento, é a dificuldade de se criar um mercado estável para atrair investidores", completa o pesquisador.

A falta de perspectivas de aperfeiçoamento das regras vigentes pode afetar até mesmo os planos de crescimento da economia a uma taxa de 5%. Muitas indústrias têm colocado o pé no freio na incerteza de que haverá energia para agüentar uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) acima dos 2%. "Não tenha dúvida de que, se faltar energia, vai ser um constrangimento para a economia", avalia o vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Mascarenhas.

A insegurança no fornecimento está até mesmo nas análises de risco de empresas, como a Vale do Rio Doce. Em prospecto, a empresa diz: "apesar dos cortes de energia elétrica terem acabado em 2001, e restrições ao uso de energia tenham sido aplicadas em março de 2002, não podemos assegurar a vocês que o Brasil não terá uma experiência futura de novos cortes de energia elétrica."

Palavra de especialista
Ano promissor

Maurício Tolmasquim

O ano de 2007 promete ser de ações e iniciativas importantes para o setor energético brasileiro. No que tange especificamente ao setor elétrico, as bases sólidas implementadas por meio do novo modelo, criado em 2004, serão mantidas e até ampliadas. Em 2007, está confirmada a realização de dois leilões para concessão de novos empreendimentos de geração. Um deles, no dia 10 de maio, contratará usinas que iniciarão fornecimento em 2012 (A-5). Já o outro, em 24 de maio, complementará a carga já contratada para 2010 (A-3).

A expectativa é que esses leilões atinjam igual ou maior interesse do capital privado se comparado aos leilões A-3 e A-5 realizados em 2006, quando respectivamente 74% e 71% da energia vendida de novos empreendimentos pertenceram a empresas dessa categoria. Um terceiro leilão será realizado para ajustar a carga de 2008 com energia existente (A-1).

Nem mesmo o fornecimento justo de gás natural até 2008 para as usinas termelétricas compromete o país do ponto de vista energético. Isso porque o volume garantido, de cerca de 30 milhões de metros cúbicos por dia, será suficiente para atender a um despacho equivalente a 60% da potência total dessas usinas. Para se ter uma idéia, o despacho médio das térmicas nos últimos anos, dados aos ótimos índices pluviométricos, foi de 30% - a previsão para 2007 é que seja inferior a isso.

Todas as projeções para a expansão da geração feitas no Plano Decenal de Energia Elétrica 2006-2015, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apontam para um risco de déficit inferior a 5% ao ano, patamar máximo considerado aceitável pelos critérios em vigor. Em outras palavras: a possibilidade de o país vir a sofrer com nova crise de desabastecimento nos próximos 10 anos está dentro de níveis considerados seguros para a tomada de ações corretivas em tempo hábil.

A situação que o país vive hoje é muito diferente se comparada à da época do racionamento, onde a incerteza do investidor era conseqüência do completo caos em que o setor estava mergulhado, sem oferta nem credibilidade. Quatro anos depois, temos um modelo firme, com regras exeqüíveis e contratações regulares para o atendimento do mercado consumidor. E 2007 será um capítulo a mais nesse processo de reconstrução.

Maurício Tolmasquim é presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

CB, 10/01/2007, Economia, p. 17

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