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Falta de proteína animal preocupa

O Girassol - http://www.ogirassol.com.br/
Autor: Leilane Marinho
06 de Out de 2010

"O peixe não sobe mais na cabeceira, porco queixada a gente não vê mais, e o tatu também está difícil", lamenta o cacique Zé Miguel Krahô, 65 anos, sobre a fome de carne de animais silvestres que os índios da região estão vivendo. A frase que ecoou na 8ª Feira Krahô de Sementes Tradicionais, realizada em Itacajá, interior do Tocantins, revela que a discussão central no evento não girou em torno de assuntos agrícolas, e sim, sobre o consumo de proteína animal nas 26 aldeias, com cerca de três mil índios.

Os krahô são caçadores e coletores e praticam agricultura baseados em culturas anuais. Espremidos pelo sedentarismo e a alta taxa de natalidade, a segurança alimentar no que se refere à proteína animal está sendo ameaçada. "Sou caçador e passava semanas na mata, mas hoje não se encontra tanto bicho. Agora os novatos não querem caçar mais", reclama o cacique Ribamar Krahô. Apesar de viverem numa área de cerca de 302 mil hectares, o choque entre as aldeias dificulta ainda mais a caça.

Baixa de animais
Hoje, a maior preocupação não é só a baixa de animais silvestres que antigamente serviam os índios, mas o que fazer para mudar essa cultura. As aldeias consomem bichos como o tamanduá-bandeira e a arara azul, ameaçados de extinção. Outros animais silvestres que compõem a dieta dos índios são a paca, a anta, a capivara, o veado mateiro, o quati, o macaco guariba, a raposa e a cutia. Das aves, a seriema, o perdiz, o tucano, o gavião e a ema são os mais procurados.

"Descobrimos que animais que são muito consumidos não aparecem com tanta frequência na mata. Precisamos mapear a abundância relativa das espécies locais e criar um plano de manejo que garanta a proteína animal", conta o pesquisador da Embrapa - Recursos Genéticos e Biotecnologia, Ubiratan Piovezan, que busca o monitoramento dos estoques naturais e a organização das atividades de caça pela comunidade.

Dentro da pesquisa, o zootecnista descobriu que atualmente se come mais carne comprada nas aldeias do que caça. "Entrevistamos 65 famílias krahô, cerca de 483 pessoas, e descobrimos que por ano, são consumidos uma média de 28 toneladas de carne silvestre, o que corresponde a menos de 1 kg por mês", explica Ubiratan, afirmando que a grande quantidade de carne que chega da aldeia vem dos açougues das cidades.

Fazenda
Com a intenção de precisar a dieta carnívora nas aldeias, a pesquisa pretende verificar qual a quantidade de proteína consumida em gramas pelos índios dividida pela renda per capita, . "Outro proposta nossa é fazer o mapeamento da área e demarcar a variação de espécies para se ter uma referência do que há hoje de animais na região", completa o pesquisador, que alerta: " Hoje ainda existe uma certa fartura de animais porque a região ao redor está sendo desmatada e eles correm para cá, mas depois vai acabar".

Diante do problema, Ubiratan propõe um projeto de "fazenda comunitária" para criação de gado e outros animais que servirão de alimento para os índios. "Isso é só uma proposta que deve ser discutida", ressalta.

Choque
Para o antropólogo e indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai), Fernando Schiavini, mexer na estrutura organizacional do krahô para implantar a criação de gado é um grande risco. "Estamos diante de um grande nó, que é a segurança alimentar desses povos. O krahô vai ter que deixar de ser krahô para criar gado, para ter uma fazendinha. É claro que existe a possibilidade de se criar gado numa fazenda da aldeia, mas é uma coisa que tem que ser pesquisada com calma, saber da real necessidade, pois este tipo de atividade é desconhecido por eles", declara Fernando.

Representando o Governo do Estado do Tocantins, o indigenista Marcos Vinícios, do Ruraltins - Instituto do Desenvolvimento Rural do Tocantins, avalia a proposta como válida. "A fazendinha é uma ideia que deve ser discutida. Estamos agora nesta etapa", complementa.

Índios dizem não às sementes modificadas
O representante da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), Anastácio Peralta, da etnia Kuarahy Rendyju (Mato Grosso), chamou a atenção dos krahôs para a importância da Feira de Sementes Tradicionais no âmbito nacional, no que se refere à preservação do meio ambiente. "Enquanto estamos aqui pensando em sementes de milho tradicional, vamos contra a maioria do país que pensa em milho transgênico. Essa feira deve ser um embrião para uma discussão maior. Precisamos tornar política pública o que estamos fazendo aqui", declarou Peralta.

Sensíveis às plantações de soja e milho transgênico que cercam as terras krahôs, os mais velhos estão preocupados com a possibilidade de contaminação das suas plantações. "Não aceitamos essas sementes modificadas, mas sabemos que pode acontecer de um krahô jovem, querer utilizar essa semente", alertou Feliciano Tephot Krahô, 47 anos.

Troca
A troca de sementes entre os povos krahô e outras etnias do Estado e do Brasil premiou as aldeias que mais apresentaram espécies de arroz (17 tipos), milho (9 tipos), fava (26 tipos) e batata-doce e inhame ( três tipos). Tipos de pimenta, gergelim, cará e sementes de fumo, também foram trocados. Espécies mais exóticas, como a cana-da-índia e muringa contribuíram para a variedade nas apresentações. A aldeia que mais apresentou variações de sementes foi a Serrinha, totalizando 74 tipos.

Agricultura tradicional preservada na escrita
O índio Feliciano Tephot Krahô vai além na questão da perpetuação da agricultura tradicional krahô. Depois de apresentar 41 tipos de semente na feira, ele aproveitou o evento para trocar conhecimento sobre o plantio das espécies e concluir seu estudo realizado com o apoio da Embrapa. A pesquisa reúne com detalhes informações como o resguardo para o plantio, a época adequada para jogar a semente na terra, a colheita, os rituais e até mesmo nomeia os animais que costumam atacar as plantações. "Ainda quero escrever um livro e deixar tudo registrado para os nossos filhos fazerem tudo direitinho", diz Feliciano, que ensina os jovens das escolas a cultivarem alimentos. "Para os cupen (homem branco), o conhecimento tem que está escrito e com a gente é diferente. Mas quero deixar esse livro para ensinar os merrin (índios) nas escolas", planeja Feliciano.

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